 |
A QUESTÃO
ALIMENTOS TRANSGÊNICOS
E A POLÍTICA BRASILEIRA
Panorama Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Outubro de 2003
|
 |
Introdução
Os alimentos transgênicos
não se resumem, apenas, a uma mera questão
de vontades empresariais de auferir vantagens econômicas
com a exploração de uma oportunidade
comercial. Os impactos de sua influência atingem
produtores, consumidores, empresários do
agronegócio, pesquisadores, centros de pesquisas,
governos e diversas instituições sociais.
Trata-se de uma novidade que se originou na esteira
da revolução genética com o
desvendamento do DNA dos organismos vivos, inclusive
do genoma humano. Muitos comparam a tecnologia do
DNA a algo superior à bomba atômica
pelo potencial de afetar o mundo. O poder de manipulação
dos genes, de intervenção nos domínios
recônditos do DNA dos seres vivos, reduzindo,
enxertando, retificando, adicionando e alterando,
segundo conveniências diversas, a estrutura
genética é uma realidade assustadora
que pode ultrapassar os limites do bom-senso, da
ética, da justiça e da liberdade responsável
de pesquisa.
É um assunto atual, polêmico e que
diz respeito a todos os cidadãos, seja por
sua influência direta nos alimentos como,
principalmente, pela correlação com
o problema de sustentabilidade do Planeta no longo
prazo em termos de biodiversidade, ecossistema,
qualidade de vida, direitos econômicos e pessoais
e crença na natureza como patrimônio
da humanidade. É, portanto, um assunto eminentemente
político que concerne diretamente ao Congresso
Nacional, em virtude da necessidade de estabelecimento
de instrumentos legais e estruturas institucionais
consentâneas com a realidade instável
dos novos tempos. Os políticos precisam estar
conscientes do seu papel de representantes do povo
e da responsabilidade de suma envergadura na dotação
de uma infra-estrutura jurídico-institucional
ajustada aos interesses do País. Assim, sem
a pretensão de esgotar assunto tão
complexo, são cotejados alguns tópicos
sobre alimentos transgênicos como ponto de
partida de preocupação para a política
nacional.
a) Ciência
e tecnologia é decisão política
da sociedade
É engano imaginar
que a ciência e a tecnologia sejam matéria
privativa dos cientistas e dos técnicos especializados.
Fala-se também que os políticos não
deveriam opinar sobre assunto tão indigesto
e problemático para leigos da área.
Ledo engano de avaliação intempestiva.
A decisão de pesquisar e desenvolver uma
tecnologia objetiva sempre foi iniciativa de líderes,
de pessoas dinâmicas de visão e crença
no progresso e melhoria de vida. E sempre foi possível
graças ao concurso de muitos pesquisadores,
de recursos financeiros, de adesões firmes
de empresários, do governo e da própria
sociedade. Para a concretização de
inovações tecnológicas precisa-se
convencer outras pessoas em várias instâncias
sociais de que os investimentos em projetos de pesquisa
são produtivos e compensadores. Essa via
crucis de angariar apoio e recursos financeiros
é um duro exercício de política,
de definir escolhas entre alocações
alternativas, de estabelecer regras e meios de consecução
de objetivos aprovados por uma dada organização
ou coletividade. Na ciência e tecnologia não
se conseguem resultados expressivos à revelia
de participações, de contribuições,
de envolvimento de pessoas e instituições
diversas. Hoje, a interdependência institucional
e a multidisciplinaridade são condições
prévias para a exeqüibilidade de qualquer
projeto de pesquisa na biotecnologia, como é
o exemplo do seqüencionamento genômico
humano, de pragas e plantas no Estado de São
Paulo, que envolve um consórcio de vários
centros de pesquisas nacionais e do exterior. Essa
ação sinergética nada mais
é do que uma política explícita
de convivências e de boas relações
entre diversos institutos de pesquisas e pesquisadores
de distintas áreas de conhecimento. Boa parte
dos projetos sempre tem o poder do orçamento
público através de universidades,
centros de pesquisas estatais, órgãos
governamentais ou internacionais, todos dependentes
em graus variáveis de recursos da sociedade.
E na alocação de recursos orçamentários
tem-se três peças fundamentais de procedimentos
institucionais: a LDO - leis de diretrizes orçamentárias,
estabelecendo regras claras e explícitas
de detalhamento operacional de orçamento
público; a LOA - lei de orçamento
anual, detalhando os montantes e finalidades específicas
de cada aplicação de recursos; e o
PPA - plano plurianual de investimentos, enfeixando
alocações que ultrapassam mais de
um exercício financeiro. Além da matéria
orçamentária, os parlamentares atuam
nas Comissões Técnicas Permanentes,
notadamente comissões setoriais pertinentes
ao problema dos transgênicos - Comissão
de Agricultura, Ciência e Tecnologia, Meio
Ambiente, Seguridade Social e Família. Há,
ainda, a Comissão de Fiscalização
e Controle, que tem o poder de acompanhar e fazer
diligências sobre qualquer questão
de interesse do Congresso Nacional. O campo de atuação
política do Congresso Nacional é extenso
e abrangente, fato que evidencia o seu nível
de responsabilidade no tratamento das questões
sobre alimentos transgênicos. Como os parlamentares
vão agir politicamente estabelecendo estratégias
institucionais e operacionais é uma questão
de organização interna de seus membros.
Comissões especiais, subcomissões
nas comissões permanentes, frente parlamentar
ou outra designação constituem formas
de agilizar o entendimento e tramitação
dos trabalhos no Congresso Nacional. O aperfeiçoamento
e a busca de eficácia das instâncias
decisórias e de ação da classe
política decorrem da vontade, determinação,
objetividade e sagacidade dos parlamentares, muitas
vezes pressionados por movimentos de grupos de interesses
envolvidos na questão dos transgênicos.
De qualquer forma, o encaminhamento de soluções
e alternativas nem sempre harmônicas acabam
encontrando no Congresso Nacional o foro adequado
de entendimentos e buscas de convivências
através de leis e regras de conduta aprovadas
pela maioria, como convém a um processo democrático
de deliberações. É por isso
que o Congresso Nacional deve estar à altura
dos desafios, estruturando e aperfeiçoando
suas instâncias de discussão, avaliação,
coordenação e deliberação
dos assuntos pertinentes aos transgênicos.
b) Transgênicos
na estratégia alimentar do Brasil
Algumas estimativas
falam em 30 milhões de pessoas e outras,
em 44 milhões de pessoas que passam fome
no Brasil. São números que representam
pelo menos 25% da população brasileira
que vivem à margem de uma alimentação
adequada com sérios distúrbios nutricionais.
Mesmo com medidas paliativas de relativo alcance
social, como o bolsa-escola ou a criação
do fundo de pobreza, a realidade social do País
exige ação mais ousada, criativa e
abrangente de políticas econômicas
que efetivamente mudem o status quo vigente. Como
fazer e com que recursos, em que horizonte de tempo
e com quem fazer são questões cruciais
que só o debate acalorado, consciente e responsável
tende a indicar a melhor estratégia socialmente
viável dentro das limitações
gerais do País. O transgênico é
solução para o problema da fome no
Brasil como alardeiam as mensagens dos ufanistas
das empresas interessadas? Envolvem até um
antigo prêmio nobel da paz, na crença
de que ele não só vai resolver o problema
da fome como é a única arma disponível
para fazer frente ao crescimento populacional. Mas,
ressalte-se, será que é isto mesmo?
A fome castiga milhões de pessoas no Brasil,
nos campos e nas cidades. O paradoxo é que
existe fome mesmo nos centros ricos, tecnologicamente
avançados, com agricultura diversificada
e de certa produtividade, como em São Paulo
e Paraná. Como pode o Brasil com uma produção
de mais de 90 milhões de toneladas ter uma
população faminta de 30 milhões
de pessoas? Tem-se comida até para exportar
mas não se tem para mitigar a fome de nossos
irmão desfavorecidos. Para fazer frente a
esse problema, uma proposta intitulada Fome Zero
preconiza várias alternativas de equacionamento:
agilização da reforma agrária,
ampliação do programa de alimentação
ao trabalhador, expansão da previdência
social não contributiva e cupom de alimentação,
entre algumas medidas que visam sempre o fortalecimento
dos pequenos agricultores e da agricultura familiar.
O problema básico, fundamental, continua
sendo a distribuição de renda e a
melhoria do poder aquisitivo da população.
É uma equação complexa que
passa por saneamento básico, educação,
planejamento familiar, infra-estrutura, reforma
fiscal, reforma tributária, adequação
tecnológica, dinâmica empresarial,
vontade política e mobilização
social, entre outros fatores de alavancagem do progresso.
O problema alimentar do Brasil não é
um problema de produção da agricultura.
Por isso, quem achar que o transgênico vai
reduzir a fome está agindo de forma deliberadamente
simplista. A fome no Brasil é decorrência
de políticas inadequadas, de políticas
econômicas e socais em desacordo com a ética,
com a eqüidade, com a democracia econômica.
Faltam-nos, sobretudo, princípios de justiça
social com tributação justa e, principalmente,
eficácia de políticas públicas.
O primeiro passo para acabar com a fome consiste
na eqüidade de oportunidade econômica
para todos os brasileiros, corrigindo distorções
nas políticas públicas em termos de
alocações orçamentárias,
impostos, taxas, contribuições, incentivos,
vantagens fiscais e tributárias de várias
naturezas e incidências. O Brasil precisa
de uma democracia econômica efetiva, aberta
e francamente favorável à livre iniciativa
de empreendedores dinâmicos. O transgênico
como meio de combate à fome não passa
de uma mera figura de retórica, um discurso
demagógico para ganhar a adesão de
incautos e confundir a opinião pública.
c) Transgênico
na estratégia de agronegócios do Brasil
A afirmação
de que o Brasil está correndo sérios
riscos de perder mercados por não se adequar
a produtos e processos de países concorrentes
não corresponde à lógica comercial.
Se todos os principais concorrentes do Brasil em
produtos como a soja convergirem maciçamente
para o transgênico, a esmagadora maioria da
oferta mundial passa a ser de origem geneticamente
modificada. Em conseqüência, o grande
e decisivo diferencial mercadológico passa
a ser a soja convencional como produto natural de
qualidade superior. Isto passa a ser um fato, uma
realidade da oferta mundial de soja que se segmenta
em transgênicos (em sua grande maioria), em
convencionais (tendo o Brasil como grande produtor)
e em orgânicos (um nicho de mercado especial).
Assim, em um mundo que tende a ser todo personalizado
e diferenciado, dispor de um produto com a tipificação
de natural é a melhor estratégia comercial.
É também a chance de o Brasil destacar-se
da concorrência, atuando de forma diferente,
com um produto especial de grande aceitação
e apelo do consumidor europeu e asiático.
Em termos de marketing, nenhum competidor de qualquer
produto faz a mesma coisa que o concorrente, mas
de forma diferente e especial, ressaltando características
próprias e únicas. Isto é válido
para artistas, profissionais, aparelhos de som,
televisão, computador e tudo que é
material de consumo ou de investimento. Para se
vender, e bem, o produto tem que ser diferente,
possuir alguma coisa superior, com algo a mais que
incuta no consumidor um sinal de vantagem real ou
imaginário ou simbólico. E é
para isso que existe o marketing, denotando uma
idéia, uma imagem intrínseca a um
dado produto ou serviço. Assim, ter soja
transgênica como qualquer outro americano
ou argentino é miopia comercial, é
cometer grave erro de marketing em um mercado altamente
competitivo e massificado como o de commodities
agrícolas. Mas será que os agricultores
não enxergam que a soja natural tem um mercado
demandante e que pode tornar-se crescentemente preferencial
pelos consumidores internacionais? E que produzir
transgênico significa estar e ser concorrente
dos Estados Unidos, maior produtor mundial do produto?
Se podemos ser competitivos com a soja natural,
e com chances de melhorar de forma acentuada os
nossos horizontes com a reforma tributária
e equacionamento da infra-estrutura, não
é muito esquisito nivelarmo-nos com a concorrência
em posição claramente vantajosa (altos
subsídios e práticas protecionistas)
em relação ao Brasil?
A competitividade de produtos agrícolas no
comércio internacional não depende
somente de custos de produção, mas
de complexos fatores que vão da infra-estrutura
(transportes, armazenagem, pesquisa, portos), carga
tributária, taxas de juros, contribuições
e despesas burocráticas à estrutura
organizacional e institucional do País (instâncias
oficiais obrigatórias no comércio
exterior). Dificuldade maior no caminho das exportações
encontra-se no acesso aos mercados internacionais,
principalmente dos países desenvolvidos,
que se armam de inúmeros expedientes explícitos
e implícitos na forma de impostos, taxas,
cotas, entraves burocráticos e sanitários,
atendimento a cláusulas sociais, (trabalho
escravo, trabalho infantil, direitos sociais) e
a cláusulas ambientais (sustentabilidade
e produção ecologicamente correta).
Só o fato de os países desenvolvidos
(Europa, Estados Unidos, Japão, principalmente)
subsidiarem a agricultura com diversas modalidades
de apoio aos seus produtores, gastando, praticamente,
um bilhão de dólares diariamente sugere-nos
uma idéia do nível de injustiças
e egoísmos em matéria de comércio
mundial. Esse comércio é uma guerra
impiedosa onde se emprega todo um arsenal de armas
e discursos, apesar da existência de uma Organização
Mundial do Comércio. Os montantes financeiros
envolvidos nessas operações são
expressivos. Os subsídios respondem por cerca
de 50% da renda do produtor americano de soja e
no caso de farelo de soja acham-se programados para
2001 cerca de US$ 3,3 bilhões em sustentação
ao setor para um faturamento total de US$ 6,4 bilhões
desse mercado, segundo a Gazeta Mercantil Latino-Americana,
de 13 a 19 de agosto de 2001. Assim, considerando
que cerca de 60% da soja americana de 2001 é
de transgênicos e que a tecnologia transgênica
reduz significativamente os custos de produção,
como alegam seus propagandistas, como é que
eles (mais de 50% dos produtores) precisam de tanto
subsídio governamental para permanecer competitivos
no mercado? Na realidade, em uma economia globalizada
de mercados abertos, livres e justos eles não
teriam nenhuma competitividade com a soja brasileira,
mesmo com toda iniqüidade fiscal e mazelas
de nossa infra-estrutura. Significa, ainda, que
eles deveriam, segundo a teoria econômica,
encarar outras alocações alternativas
para os seus fatores de produção,
deixando a sojicultura para países com maiores
vantagens competitivas. Assim, diante do flagrante
descompasso entre teoria e realidade, fica claro
que o transgênico tupiniquim não terá
garantida a sua fatia no mercado e muito menos melhorada
a sua competitividade internacional. A realidade
fatual vigente no comércio mundial de commodities
mostra que as virtudes propaladas pelos transgênicos
- essencial para a redução de custos
e aumento da competitividade internacional - não
se revelam oportunas e eficazes para os nossos propósitos
de desenvolvimento econômico.
d) Transgênico
e concentração de poder
É inegável
que o processo de concentração de
poder econômico vai acirrar-se no mercado
brasileiro de produtos agrícolas com a entrada
dos transgênicos. Sementes e insumos essenciais
vão ser produzidos e vendidos como bens conjuntos
indissociáveis por uma mesma empresa que
passará a coordenar segmentos vinculados
na forma de monopólios. Monsanto, Aventis
e Syngenta tendem a dominar o setor com operações
de escala, facilidades de financiamento a produtores,
poder de inovação e geração
de tecnologias, abrangência nacional e internacional,
entre outros fatores de explícito poder empresarial.
Toda atividade econômica concentrada em um
reduzidíssimo número de empresas,
principalmente para o caso dos complexos agroindustriais
com ações interdependentes à
montante e à jusante do setor agrícola,
suscita e propicia o surgimento de graves riscos
de sustentabilidade do sistema sócio-econômico
setorial envolvido. Com o produto combinado (semente
e insumo) estabelece-se o poder desigual de barganha
entre empresas de biotecnologia (sementes e pesticidas),
comerciantes de insumos e agricultores. Mas o perigo
maior dessa concentração exacerbada
decorre, exatamente, do poder de padronização
e massificação de variedades em pouquíssimo
grupo de alternativas de germoplasmas. Em termos
de riscos biológicos isto favorece a ocorrência
de rupturas na teia de vidas, uma vez que a variedade
transgênica permanece fixa ao longo de sua
validade útil (distinta, homogênea
e estável) enquanto os genes de infinidade
de seres inimigos ou concorrentes recombinam-se
em permanente agitação. O surgimento
eventual de doenças, reações
adversas e suscetibilidades a estresses variados
pode afetar um número significativo de populações
em diversas áreas homogêneas de cultivo,
expondo os agricultores a riscos desnecessários.
Toda padronização em grande escala
em uma mesma região e com reduzido número
de variedades tende a enfraquecer a biodiverdidade,
aumentando as chances de efeitos indesejáveis
na produção, em decorrência
de marolas evolutivas e de diuturnas mudanças
nas forças bióticas e abióticas
da natureza. No caso de agricultura tradicional
com sementes convencionais são vários
produtores empregando técnicas, sistemas
e sementes de diversas origens em uma rica diversidade
de procedimentos e condições de desenvolvimento
das lavouras. Já em cultura transgênica,
por imposição legal (direito de patente
sobre sementes e defensivos simultaneamente), os
agricultores não têm alternativas diferentes
das preconizadas em contrato e todos se subordinarão,
sob penas de sanções, aos métodos
e condições estabelecidas pela empresa
contratante. Nesse sistema, a agricultura familiar
ficará totalmente a reboque das decisões
e orientações, tanto tecnológicas
como de mercados da empresa na região. Uma
variedade de soja de sucesso, por exemplo, hoje
é produzida por vários sementeiros
de uma região. Apesar de usar uma mesma variedade
eles semeiam, adubam e cuidam de acordo com as especificações
microclimáticas e edáficas de suas
propriedades. No caso de essa mesma variedade tornar-se
transgênica os sementeiros vão usar
a mesma semente e forçosamente o mesmo herbicida
na quantidade prescrita pelo fabricante, e adotarão
os mesmos tratos culturais. O conjunto semente e
herbicida constitui, por si só, um pacote
tecnológico de largo espectro de ação
a ser empregado por todos os agricultores de uma
mesma região. Nessas condições,
o setor de produção de sementes assume
novos parâmetros e enfrenta particularidades
inéditas no franco desenvolvimento de suas
atividades. Orientações técnicas
de campos de sementes, planejamento de medidas da
biossegurança, sistema de credenciamento
de produtores, padronização e difusão
de técnicas de produção e controle,
assistência técnica, acompanhamento
de efeitos nos ecossistemas, avaliação
sócio-econômica setorial, cláusulas
específicas e novos direitos e obrigações,
entre outros aspectos, compõem o vasto cenário
de profundas alterações na produção
de sementes e que precisarão de ajustamentos
legais e de regras e regulamentos operacionais de
pleno funcionamento. A própria lei de cultivares,
portarias e atos administrativos pertinentes terão
que ser revistos e atualizados, coadunando-se às
finalidades e necessidades práticas dos tempos
de transgênicos.
e) Necessidade de
permanente vigilância sanitária
O assunto transgênico
envolve um aspecto totalmente distinto de atividade
econômica no cenário agrícola
mundial. Sua influência pode ultrapassar os
limites geográficos de um país, tanto
na forma de produtos in natura ou processados como,
principalmente, de doenças infecto-contagiosas
letais. Riscos biológicos decorrentes de
evoluções indesejadas ou surgimento
de novas e inéditas moléstias e pragas
não podem ser descartados nem na agricultura
convencional. Efeitos catastróficos da vaca
louca na Europa e da febre aftosa no Brasil são
um bom exemplo para reflexão e ponderação
acerca dos efeitos epidêmicos de grandes proporções.
A imagem de animais sendo mortos e empilhados para
incineração, fazendeiros indo à
falência, fechamento de fronteiras, interdição
de comércio, causando enormes prejuízos,
e vidas humanas sendo inapelavelmente interrompidas
mostram o quadro dantesco das conseqüências
de uma epizootia em uma região ou país.
Hoje, as possibilidades de disseminação
planetária de qualquer patógeno mortífero
são reais em decorrência das alterações
climáticas, diminuição do espaço
vital dos predadores naturais, intensificação
das rotas comerciais e dos sistemas de transportes
e ocorrências de fenômenos abióticos
de grande magnitude (furacões, terremotos,
tempestades, nevascas, correntes aéreas,
correntes marítimas, grandes secas etc.).
O aperfeiçoamento da legislação
e da organização de instâncias
de vigilância e controle de doenças
e pragas, tanto animais como vegetais, é
exigência moderna que se tem que enfrentar
com planejamento, qualificação técnica
e infra-estrutura de apoio logístico e laboratorial.
Com a revolução na biotecnologia torna-se
essencial a implantação de um programa
de adequação de estruturas ágeis
e funcionais, e a atualização de leis
e normas de biossegurança, de vigilância,
monitoramento e controle sanitário. Sua viabilização
técnica e operacional exige, ainda, um esforço
de gerenciamento de pontos críticos e participação
responsável de todos aqueles diretamente
envolvidos com atividades econômicas de natureza
biológica. Trata-se de uma nova realidade,
com um novo contexto de problemas, desafios e oportunidades
em um novo patamar de relacionamentos entre países,
empresas, produtores rurais, consumidores, técnicos
e cidadãos de uma forma geral.
f) Modernização
e adequação institucional e organizacional
O advento dos transgênicos
no Brasil impõe uma profunda avaliação
das instituições e organizações
que trabalham com ciência e tecnologia na
área biotecnológica. Estruturas de
instalações, aparelhagens, laboratórios,
computadores e outros dispositivos de alto desempenho
precisam ser atualizados e dimensionados para dotação
de condições adequadas de trabalhos.
Igualmente, programas de formação,
treinamento e reciclagem, especialmente voltados
para os quadros de pesquisa e desenvolvimento de
tecnologias, envolvendo todos os aspectos multidisciplinares
inerentes à atividade, devem ser devidamente
avaliados e objetivamente programados. O conhecimento
e a experiência adquiridos com os trabalhos
de seqüenciamento genômico do homem,
de pragas e plantas pelos pesquisadores nacionais
devem ser aprimorados e incentivados. Agora, com
muito maior relevância quando se parte para
a análise proteômica - análise
de todas as proteínas de uma célula
ou tecido, uma nova e complexa etapa de investigações
científicas. Mecanismos de estímulos
e modalidades de intervenções públicas
devem ser avaliados e ordenados em ações
programáticas para o progresso do setor.
Negociações internacionais, com apoio
explícito do governo, na forma de intercâmbios,
projetos de desenvolvimento, financiamentos públicos
e não governamentais, criação
de linhas de crédito e estímulos para
empresas de biotecnologia devem ser agilizados e
ordenados em uma plataforma de ações
da biotecnologia. A criação de pólos
ou regiões de excelência em pesquisa
e desenvolvimento em biotecnologia, voltados para
diferentes áreas de aplicação,
notadamente nas áreas de saúde pública
e saneamento básico, pode ser uma estratégia
de concentrar recursos e maximizar efeitos de interdependência
e multidisciplinaridade dos trabalhos. Mas para
isso torna-se essencial a montagem de uma rede informatizada
de laboratórios e centros de excelência
em biotecnologia. Igualmente devem ser preconizadas
condições de contratações
de especialistas de toda área pertinente
ao campo de pesquisas, de qualquer lugar de centros
avançados no Brasil e no exterior.
Para poder acompanhar todo esse processo de desenvolvimento
tanto os órgãos do governo como do
legislativo e judiciário devem ser atualizados
e devidamente estruturados, com vistas ao cumprimento
eficiente de suas atribuições em novas
áreas e particularidades. Bibliotecas virtuais,
cadastros de pesquisadores e instituições
de pesquisas, rede de contatos com especialistas
em áreas estratégicas, sistemas informatizados
de comunicação on line, dentre outras
providências, devem ser disponibilizados aos
técnicos responsáveis para as novas
missões. Tal como a revolução
da informática na sociedade, a biotecnologia
moderna de proteômica tende a influenciar
e a modificar o próprio conceito de vida
na Terra. Com isso, são reavaliados e reclassificados
conceitos e opiniões de sustentabilidade,
ecossistemas, oportunidades de negócios e
projetos pessoais e sociais que tenham qualquer
relação com a misteriosa natureza.
g) Políticas
de biotecnologia para o Brasil
Com tantos fatos
e experiências de sucesso no campo da biotecnologia
ocorrendo no Brasil é perfeitamente concebível
a preparação, mesmo em caráter
preliminar e a despeito da política neoliberal
da economia, de uma política de biotecnologia
para o País. A idéia de um programa
ou plano estratégico do setor para as necessidades
e estratégias de desenvolvimento do País
poderia ser materializada através de uma
comissão especial para tratar desse assunto
no Congresso Nacional, reunindo especialistas de
diversas áreas e setores empresariais, instituições
de ensino, consumidores, centros de desenvolvimento
e apoio técnico-científico, entre
outros. Esse grupo de trabalho promoveria seminários,
debates, conferências e estudos especiais
com vistas à elaboração de
um programa de ação de longo prazo
do tipo Plano Plurianual em biotecnologia, definindo
objetivos, prioridades, recursos necessários,
medidas legislativas, medidas administrativas, projetos
e setores essenciais, público-alvo, calendários,
estratégias, consecução de
metas e benefícios, entre outros pontos programáticos.
Seria uma prévia de uma programação
setorial para o PPA 2003, que vai ter que ser feita
de qualquer forma. A montagem de uma política
de biotecnologia para o Brasil facilitaria expressivamente
tanto a negociação de propostas orçamentárias
específicas como daria indicações
objetivas de prioridades e relevâncias setoriais
para a iniciativa privada, além de dispor
de um eixo, de um norte para a promissora trajetória
desse segmento técnico-científico
para o País, de forma abrangente, transparente,
objetiva e participativa.
Conclusão
O tema transgênico
é complexo, atual, polêmico e muito
envolvente. Como segmento da biotecnologia seu alcance
é extraordinário, com aplicações
em vários campos de interesse do homem: agropecuária,
silvicultura, aqüicultura, médico-farmacêutica,
veterinária, industrial e ambiental. Desses
campos, provavelmente o setor rural é o de
menor projeção (alimento é
limitado pelo estômago e apresenta elasticidade-renda
negativa) e, de longe, o de maior expressão
é o setor de saúde (diagnóstico,
nutrição, médico-farmacêutico).
O campo de aplicações industriais
em vários segmentos e produtos é infindável
- mineração, tratamento de efluentes,
obtenção de enzimas e catalizadores,
produtos de limpeza e higiene etc. No campo de tratamento
da poluição e dejetos de várias
procedências a tecnologia de biorreatores
e fitorremediadores, usando fungos, bactérias,
algas, plantas e insetos é uma alternativa
cada vez mais real. Os esforços de organização,
sistematização e estruturação
de campos de ação dos transgênicos,
de forma coordenada e disciplinada, exigem novas
posturas administrativas e princípios de
gerenciamento ajustáveis a uma nova realidade
com uma visão inédita da vida. Os
desafio são enormes. São necessárias
novas leis, portarias, atos administrativos, regulamentos
e novas formas de convivência entre diversos
grupos de interesse no setor com o surgimento de
novos e poderosos agentes econômicos. Em uma
revolução de conceitos, de idéias
e de oportunidades de negócios surgem, também,
possibilidades efetivas de efeitos socialmente e
ambientalmente indesejáveis para a sociedade
e para o País. Esse ambiente de diversidade
de opiniões, interesses, necessidades e realidades
torna o Congresso Nacional um foro adequado e oportuno
para o tratamento racional, lógico, ético,
justo e sensato das questões complexas de
transgênicos, em benefício de todos
os cidadãos e, principalmente, para a natureza,
patrimônio de todos os seres vivos do Planeta.
Brasília,
16 de agosto de 2001
Fonte: Alberto Nobuoki Momma,
economista e engenheiro agrônomo
doutor em desenvolvimento agrícola