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PLANTAS
TRANSGÊNICAS – MARKETING E REALIDADES
Panorama Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Outubro de 2003
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I - INTRODUÇÃO
A eloqüência
do discurso e a retórica das maravilhas das
plantas transgênicas para o agronegócio,
propaladas aos quatro ventos pelos arautos do livre
mercado global, procuram pintar um quadro de "avant-garde"
da biotecnologia como um poderoso elixir para os
problemas da alimentação e saúde
humana. Redução de custos, aumento
de produtividade, melhoria do meio ambiente pela
diminuição de pesticidas, alimentos
saudáveis e nutritivos, plantas multifuncionais
de largo espectro de produção em qualquer
clima e solo, genética de precisão
e outros atributos altamente improváveis
em condições naturais entusiasmam
os próceres da engenharia genética.
Por outro lado, opiniões não tão
eufóricas, fundamentadas na precaução,
prudência, bom senso, princípios, escala
de valores, pragmatismo cartesiano e convicções
político-ideológicas contracenam argumentos
de que a opção transgênica encontra-se
nos albores bruxeleantes de uma nova era com um
longo e árduo caminho a percorrer. Trata-se
de uma obra que promete grandiosidade e suntuosidade
mas, ainda, incipiente, inacabada e carente de grandes
investimentos para almejar o status de obra-prima
"hors concours". Apesar dos enormes esforços
alocados na matéria nos últimos vinte
e cinco anos no mundo todo e conquistas fantásticas
- plantas resistentes a herbicidas, tomate longa
vida, algodão e milho com fator letal a insetos,
hortaliças resistentes a enfermidades, por
exemplo - o fato concreto é que a tecnologia
de plantas transgênicas acha-se mais fortemente
carregado de tintas de marketing que suaves pinceladas
de realidades objetivas do desenvolvimento do sistema
agroindustrial moderno.
É preciso, portanto, escoimar das promessas
e esperanças oníricas da engenharia
genética a dimensão humana do agronegócio
que tem origem no processo agronômico de fazer
prosperar a terra, enquanto natureza viva, de forma
diuturna e incansável em meio ao sol, poeira,
chuva, ventos, pragas, doenças, ervas daninhas,
atravessadores, juros, bancos, burocracias governamentais,
mão-de-obra, impostos, políticas econômicas
desastradas, concorrentes estrangeiros, subsídios
e sobretaxas de países industrializados,
e outras vicissitudes da arte de sobrevivência
nacional. Ressalte-se que nesse cenário da
"vida cotidiana como ela é" encontram-se
em jogo o emprego, a renda, o bem-estar social,
a qualidade de vida, a ética, a eqüidade
de oportunidades, o senso de justiça e as
perspectivas de desenvolvimento, entre outras realidades
da complexa dinâmica do mundo competitivo,
obsecado por crescentes performances econômico-financeiras,
onde tudo passa a ser acessório, secundário.
II - REDUÇÃO
DE CUSTOS
Uma das grandes
virtudes das plantas transgênicas resistentes
a herbicidas, conforme relatos correntes, diz respeito
à redução de custos para os
produtores rurais. Apontam vantagens da ordem de
10% a 20% na diminuição de custos
no combate a invasoras com herbicidas de pré-emergência
e de pós-emergências seletivos. Citam,
ainda, que, em 75% dos casos, os agricultores americanos
fazem uma única aplicação do
herbicida Roundup Ready nas culturas de soja. Isto
permite reduzir drasticamente o custo de aquisição
e manuseio de diversos herbicidas da sistemática
tradicional, por envolver um único produto
de fácil manipulação e horas-máquina
concentradas, igualmente, em uma única operação.
Essas vantagens, colocadas de forma genérica
e sem maiores detalhes, seduzem técnicos
e agricultores interessados na nova tecnologia,
além de ser útil e oportuno para a
propaganda dos méritos agronômicos
da planta transgênica. Mas, trata-se de uma
meia-verdade que não condiz com a realidade
do agricultor nem da agricultura, especialmente
no conceito de desenvolvimento agroindustrial sustentado.
A redução de custo no controle de
ervas daninhas com a planta transgênica em
relação à planta convencional
não se resume a herbicidas e gastos com suas
aplicações. Para ser efetiva e metodologicamente
consistente com os gastos, a análise comparativa
deve levar em conta o custo combinado "semente
de soja + herbicidas" nas alternativas de cultivo
tradicional e cultivo de soja RR. O emprego simultâneo
dos dois insumos (semente e herbicida) constitui
exigência técnica, pois a soja RR foi
especialmente aprimorada ou travestida para cumprir
a missão de resistência ao herbicida
RR. Trata-se de caso de bens conjuntos ou complementares
que são interdependentes e relacionados na
sua gênese de agronegócios.
A planta geneticamente modificada vai afetar em
graus significativos as vendas de herbicidas e,
por conseqüência, os resultados financeiros
das empresas envolvidas. Essa "perda"
relativa vai ser compensada, pelo menos na fase
de acomodação e consolidação
de mercado, pelo incremento no valor comercial das
sementes engenheiradas. Uma empresa de engenharia
genética, por exemplo, dificilmente venderá
um "herbicida-cúmplice" (que é
distinto do usualmente existente) por um preço
inferior ao atualmente praticado, nem venderá
a semente com fator de resistência pelo mesmo
preço da semente convencional. Os bilhões
de dólares investidos na biotecnologia e
na aquisição de companhias de sementes
precisam apresentar retornos econômico-financeiros
a uma taxa compatível com as expectativas
dos acionistas. E a receita operacional deve originar-se
da venda casada "semente-cúmplice"
mais" herbicida-alvo", com a semente desempenhando
o papel de carro-madrinha do "gran prix"
transgênico.
Um raciocínio tecnicamente correto, politicamente
transparente e comercialmente franco deve computar
o custo da semente e o custo de controle das ervas
daninhas. Tome-se, por exemplo, a semente de soja
tradicional variando, conforme cultivares e ciclos,
entre R$ 25,00 a R$ 35,00 para 60 kg, em média,
necessária para um hectare, e um custo de
controle de ervas daninhas na cultura de soja em
plantio direto, nos cerrados, em torno de US$ 40/ha
com herbicidas de pré-emergência e
pós-emergência seletivos. E compare-se,
com base em informações de assistência
técnica e de empresas de insumos, com a semente
de soja RR estimada entre RS$ 50,00 a RS$ 70,00
por hectare, conforme variedades e ciclos, e o custo
do controle de ervas com o herbicida RR balizado,
preliminarmente, em torno de US$ 20/ha, com margens
de US$ 5/ha para mais ou para menos, para duas aplicações
em sistema de plantio direto com produtores eficientes.
O custo combinado sementes + herbicidas resulta,
a grosso modo e conforme estimativas preliminares,
a título de exemplo, em uma média
de custos na faixa de US$ 55 a US$ 70/ha, para as
duas alternativas consideradas - soja convencional
e soja RR. É bom atentar para o fato de que
em algumas configurações agronômicas
a tecnologia transgênica pode sair significativamente
mais cara que a tecnologia convencional, se considerada
a semente RR superior a RS$ 60,00 a saca de 50 kg,
obviamente muito acima do preço de referência
estimado em torno de RS$ 45,00/saca.
Na prática, em condições de
campo, a utilização do herbicida Roundup
envolve uma série de condições
de uso que podem influir na avaliação
de custos, tais como:
a) cultivo precedente ou precursor, com ênfase
para o problema da soca ou restos (perdas) de colheita,
plantio direto irrigado e alternâncias culturas
de verão e culturas de inverno ou safrinhas;
b) população, grau de infestação
e biologia das plantas daninhas;
c) qualidade da água (pH, pureza, fontes),
que pode exigir de um litro a cinco litros de Roundup
por hectare em função da característica
dessecante do glifosate;
d) sistema de plantio convencional ou plantio direto
e renovação de pastagens degradadas
(sério problema do Centro-Oeste);
e) custo total do serviço de controle de
ervas (suprimento de água, trator, pulverizador,
mão-de-obra etc.);
f) necessidade de considerar o ano-agrícola
e não simplesmente uma única safra
de soja, tendo em vista o uso de, no mínimo,
dois tipos distintos de herbicidas, em conseqüência
da rotação de culturas (safras de
verão e safras de inverno ou sequências
com irrigação) e problemas de socas
da soja RR, que vão exigir, obrigatoriamente,
um outro herbicida.
O argumento de que a soja RR diminuirá sensivelmente
as despesas com herbicidas precisa ser ponderado
no sistema de produção de uma determinada
exploração (plantio convencional,
plantio direto, irrigação, escala
de cultura, planejamento de rotações
etc.) e, principalmente, no contexto de resultados
operacionais de um ano-agrícola, envolvendo
toda a planilha de despesas, inclusive custos financeiros
e reposição de investimentos, como
em qualquer outra atividade econômica. A influência
da despesa "semente + herbicida" no cômputo
geral de gastos na propriedade confere uma avaliação
privada das vantagens da tecnologia transgênica.
Mas, para uma análise econômica dos
seus efeitos na sociedade, isto não é
suficiente, em face das suas implicações
em termos de custo-benefício. A tecnologia
de resistência endógena ou geneticamente
modificada vai, lastreada em correlações
e inferências de experiências históricas
de inovações tecnológicas,
acarretar uma mudança em todo o sistema de
produção, propiciada pela praticidade
do método (aplicação em qualquer
estágio da planta, com grande faixa de condição
climática, ganho de tempo, economia de máquinas
e mão-de-obra) que, por sua vez, termina
por afetar a escala operacional da exploração
agrícola com novos sistemas de mecanização
e práticas de fitotecnia de melhor desempenho.
Em agricultura, quando se muda significativamente
uma determinada tecnologia - como a dos transgênicos
- muda-se, invariavelmente, todo o sistema de produção,
com a readequação de processos, máquinas
e equipamentos, técnicas de plantio, programação
de culturas, escala de operações,
modelos de gestão, necessidades de investimentos
complementares e novas necessidades de mão-de-obra.
E essas mudanças culminam repercutindo no
nível de preços, emprego e renda,
tanto da agricultura como da própria economia
do país. É o que ocorreu com o soja
e com as tecnologias, biológica e mecânica,
que acenderam os holofotes da agricultura de exportação;
com a cana-de-açúcar com o proálcool,
que alterou todo o sistema de produção
agrícola e agroindustrial, tornando a atividade
sucro-alcoleira nacional a mais competitiva do mundo;
com a introdução do pivô central
e outros sistemas de irrigação, que
permitem a produção agrícola
ao longo do ano sem sobressaltos de abastecimento,
principalmente do problemático feijão;
com a tecnologia do café irrigado superadensado,
que altera a organização da produção
da cultura na propriedade; com a plasticultura;
com a hidroponia; com a tecnologia de aplicação
de defensivos agrícolas por empresas especializadas.
Assim, fica evidente que uma análise parcial
(ou cross-section) da redução de custos
defendida pelos transgênicos não tem
sustentabilidade técnica diante de uma metodologia
de avaliação econômica, privada
ou social, que leve em devida conta a lógica
do processo de desenvolvimento nacional no contexto
mundial.
III - AUMENTO
DE PRODUTIVIDADE
Durante os debates
e reuniões que ocorrem ultimamente com razoável
freqüência em várias instituições
nacionais disseminou-se a idéia de que a
soja RR contribui significativamente para o aumento
da produtividade das lavouras. Como as informações
não são, na maioria das vezes, suficientemente
esclarecedoras quanto a minúcias técnicas
de eficiência e eficácia de combate
a ervas daninhas e capacidade de resposta agronômica
de variedades, fica a impressão geral de
que a produtividade seja um atributo natural da
soja RR. Isto deriva do pressuposto de que a soja
RR, ao facilitar o controle das invasoras, apresenta
níveis de produtividade superiores às
variedades convencionais. Sabe-se, no entanto, que
existem no mercado diversas maneiras de manter uma
cultura livre da concorrência de pragas e
que elas atendem às distintas necessidades
e condições financeiras dos produtores,
tais como: capina mecânica, capinas manuais,
gradagem, herbicidas de pré-emergência,
herbicidas de pós-emergência, filmes
plásticos etc. Todos os métodos envolvem
em proporções variadas, materiais,
mão-de-obra, produtos acessórios,
como veículos ou coadjuvantes técnicos,
tempo, equipamentos e máquinas apropriadas,
conhecimentos e outros itens que levam a resultados
concretos em termos de custos e obtenção
de culturas com alto padrão de desenvolvimento
agronômico. Além disso, lavouras limpas
facilitam e permitem maximizar a operacionalização
das colheitadeiras, pela ausência de embuchamento,
velocidade uniforme de colheita, ausência
de paradas freqüentes para limpeza de componentes,
eficiência na eliminação de
impurezas de grãos etc.
Um determinado sistema de controle de ervas daninhas
incorre em um certo montante de despesas para se
lograr um dado nível de eficiência
de resultados (grau de reinfestação,
espécies recalcitrantes, rebrotas, falhas
operacionais). Em outras palavras, o que difere
um método de controle para outro é
o custo envolvido e a sua praticidade em termos
de escala do empreendimento agrícola. Um
método (capina manual, mulching, lâmina
plástica) pode ser perfeitamente adequado
para pequenas áreas, mas totalmente improcedente
para dimensões maiores. Mas, em termos de
eficiência relativa (controle total de invasoras
e resposta produtiva), uma lavoura livre de pragas
com capina mecânica vai apresentar a mesma
produtividade que outra conduzida com herbicidas
em igualdade de condições (solo, época
de plantio, adubação, densidade, controle
de pragas e moléstias etc). O método
de controle de invasoras não consegue, por
si só, aumentar o potencial produtivo de
uma planta. A quantidade de colheita obtida de uma
mesma variedade em igualdade de condições
não pode apresentar diferenças estatísticas
significativas conforme métodos distintos
de controle de ervas daninhas tecnicamente conduzidos,
uma vez que o potencial genético é
o mesmo.
A produtividade ou rendimento por hectare de uma
planta decorre de uma conjugação de
diversos fatores intrínsecos ou genéticos
da própria planta em meio apropriado ao seu
franco desenvolvimento. A produtividade, agronomicamente,
resulta de um efeito poligênico, da interação
de vários genes que, estrategicamente aprimorados
e combinados em um dado germoplasma, permitem elevados
índices de desempenho. De uma forma geral,
uma planta altamente produtiva apresenta as seguintes
características, nos cerrados:
a) resistência a estresse hídrico,
tolerando níveis aceitáveis de insuficiência
(ou excesso) hídrica, como veranicos de certa
intensidade;
b) resposta a fotoperíodos, maximizando a
capacidade fotossintética do seu ciclo vegetativo
em período de intensa luminosidade, como
no verão;
c) tolerância à toxidade de certos
elementos minerais, como alumínio, ou a acidez
crítica de certas áreas;
d) capacidade de resposta eficiente a fertilizantes
ou a micronutrientes;
e) adequada arquitetura, com vistas à eficiência
na captação de luz e potencial produtivo
em termos de perfilhamento, ramificação,
inserção de vagens etc;
f) grau de adaptabilidade às variações
de amplitudes térmicas, tanto de máximas
como de mínimas, e a outras características
sazonais;
g) resistência a pragas e moléstias,
como, por exemplo, nematóides de cisto, cancro
da haste, percevejos, lagartas etc;
h) resistência a acamamentos ou tombamentos
e quebras de ramos ou perfilhos;
i) outras qualidades agronômicas superiores:
ciclo da planta, rapidez de desenvolvimento, capacidade
regenerativa a extresse físico, uniformidade
de maturação, resistência mecânica
na colheita, características dos grãos
etc.
Por outro lado, a planta transgênica resistente
ao herbicida, no caso a soja RR, foi especialmente
manipulada para dispor de resistência ao herbicida
RR. Sua grande virtude ou trunfo mercadológico,
nas condições e propostas técnicas
apresentadas, prende-se ao gene de tolerância
ao herbicida RR, que não interfere em nenhuma
outra característica da planta. Não
há, conforme relatos a respeito, efeitos
pleiotrópicos, isto é, o gene de tolerância
ao herbicida não exerce influência
em outros genes responsáveis pelas características
diferentes das variedades convencionais. Por isso,
as características de cor, textura, teor
de proteína, composição de
aminoácidos e outros não são
alteradas na soja RR. Em conseqüência,
não é de bom alvitre divulgar que
a soja RR aumenta a produtividade das culturas por
controlar as ervas daninhas, porque a soja geneticamente
modificada não foi aprimorada para aumentar
a produtividade (que é resultado de um efeito
poligênico), mas tão-somente para conferir
resistência ao herbicida RR. Ressalte-se,
ainda, que o gene do fator de resistência
ao herbicida é introduzido em qualquer variedade
ou cultivar de soja de reconhecido sucesso comercial
em uma dada região, apenas agregando às
características pré-existentes um
atributo complementar de herbicida RR. Portanto,
qualquer informação de aumento de
produtividade da soja RR assemelha-se mais a uma
força de expressão ou de marketing
tendencioso, uma vez que a realidade dos fatos mostra
que produtividade não é qualidade
ou característica intrínseca da soja
engenheirada.
IV - ENGENHARIA
GENÉTICA COMO ÚNICA FORMA DE RESOLVER
O PROBLEMA DA FOME
Um dos argumentos
utilizados na defesa da importância dos transgênicos
concerne à idéia de que essa tecnologia
constitui a única forma de resolver o problema
da fome no mundo. Estima-se que a população
mundial passe dos cerca de 6 bilhões de habitantes
atuais para aproximadamente 9 bilhões em
2.020, 75% dos quais vivendo em países em
desenvolvimento. O solo agricultável vai
progressivamente diminuindo à medida em que
cresce a população e as exigências
urbano-industriais - represas, estradas, núcleos
urbanos, ferrovias, pólos industriais etc.
- além de significativas baixas de fertilidade
natural causadas pela erosão, salinização,
usos inadequados, imperícias ambientais e,
principalmente, disponibilidades hídricas
de qualidade. O aumento da população,
variável dinâmica, pressiona uma natureza
finita que se encolhe diuturna e implacavelmente,
tornando latente a fatalidade inexorável
da teoria malthusiana. Diante do desafio da produção
alimentar, o trunfo biotecnológico, notadamente
através da engenharia genética, revela-se
arma de inestimável valor. Muitos acreditam
que só a tecnologia, como sempre tem ocorrido
na história da humanidade, possa equacionar,
com razoáveis níveis de confiabilidade,
o dilema de suprimentos agroalimentares de um mundo
faminto e, ao mesmo tempo, gerador de montanhas
de resíduos de toda ordem em escala crescente.
As tecnologias convencionais de melhoramento genético,
controle de pragas e moléstias, de aumento
da produção e produtividade, de equacionamento
de problemas agronômicos de adaptabilidade
a condições bióticas e abióticas,
de disponibilidade de produtos ricos em elementos
essenciais à vida, entre outras, não
serão capazes de oferecer respostas eficazes
à altura das necessidades concretas da humanidade.
No entanto, uma breve análise da história
da alimentação e da agricultura mundial
mostra-nos que a solução da fome do
mundo não depende apenas do equacionamento
da oferta satisfatória de alimentos. Em todos
os países o suprimento alimentar é
equacionado pelas forças de mercado, sob
uma relativa supervisão do poder público
- vigilância sanitária, defesa do consumidor,
licenças ambientais, fiscalizações,
políticas econômicas etc. - onde interagem
produtores, consumidores, distribuidores, processadores,
vendedores e instâncias reguladoras que a
teoria econômica convencionou chamar de sistemas
agroindustriais.
O fator técnico, a exemplo da tecnologia
dos transgênicos, responde por apenas uma
parte do complexo dilema da organização
de uma produção que é função,
como ensinado nos manuais de microeconomia, de terra,
capital, mão-de-obra e tecnologia. E a oferta
de um bem ou serviço no mercado é
uma função de quantidades disponíveis
em um certo período de tempo de um dado produto
entre produtos similares substitutos ou a ele relacionados,
de preços dos insumos e de preços
dos produtos pertinentes praticados no comércio.
Essa oferta precisa ser confrontada com a demanda,
uma equação que contempla consumidores,
renda disponível e preços, de tal
forma que se encontre uma quantidade e um preço
que satisfaçam compradores e vendedores interessados
em um dado bem de um mercado específico em
um momento preciso. Interessa, por exemplo, o mercado
físico da soja tipo superior no Centro-Oeste,
no dia 15 de maio de 1999, a R$ 15,00 a saca, pagamento
à vista e entrega imediata. Produto, tempo,
localidade, consumidor, vendedor, preço,
condições de pagamento e entrega,
constituem variáveis-chave de qualquer produto
alimentar e resultam de fenômenos como consumo,
investimento, elasticidade-renda ou elasticidade-preço,
população-alvo, concorrência
e políticas macroeconômicas.
O problema da fome não se resume, portanto,
à produção de alimentos enquanto
fluxo de um processo sócio-econômico.
A fome resulta de inadequação no funcionamento
geral de políticas econômicas que não
conseguem equacionar, no tempo e no espaço,
as questões de renda, emprego e estabilidade
monetária. O mercado de produtos agroalimentares,
em qualquer país do mundo, funciona segundo
as regras de uma economia de livre iniciativa, onde
a rentabilidade relativa das atividades orienta
o processo alocativo de recursos produtivos. Por
essas razões, não se produz de forma
sustentável ou economicamente viável
um bem ou serviço que não atenda às
exigências de rentabilidade privada no contexto
de outras opções factíveis
nas mesmas condições pelos distintos
agentes econômicos presentes em uma economia.
Diante desse fato, um dos grandes problemas da agricultura
mundial consiste em convencer os agricultores de
que a alternativa "produtor agrícola"
ainda é interessante e que pode atender às
suas expectativas de renda, apesar de outras oportunidades
no comércio, na indústria ou simplesmente
como especulador financeiro. Não se produzem
alimentos pensando em saciar a fome das pessoas,
mas como atividade econômica sustentável
que permita uma remuneração capaz
de satisfazer às necessidades das pessoas
diretamente concernentes. Na ausência de retornos
compatíveis com os investimentos e recursos
alocados na produção agrícola,
os produtores, como agentes econômicos racionais
e pragmáticos, deslocam-se para outros afazeres
mais promissores no país ou no mundo. A produção
de alimentos é, portanto, um problema de
vontades individuais, de políticas públicas,
de concertações internacionais, de
existência de alternativas técnicas
e econômicas viáveis, de poder aquisitivo
e da dinâmica empresarial possível
no País. É por isso que a fome ou
a subnutrição em camadas carentes
ainda não foi devidamente solucionada no
mundo.
Nessas condições, a planta transgênica
não vai resolver o problema da fome, nem
atenuar o desnível tecnológico entre
estratos de produtores. Pelo contrário, o
transgênico pode agravar ainda mais a competitividade
de muitos produtores, que ficarão totalmente
dependentes de suprimentos de insumos técnicos
(sementes e defensivos) de reduzidíssimo
grupo de fornecedores em um mercado totalmente monopolizado
ou cartelizado, se providências de controle
ou regulamentação social não
forem eficazes. Ressalte-se, ainda, que o nível
de preços finais de um produto agrícola
não resulta somente de um melhoramento em
ganhos de produtividade da agricultura. O preço
final resulta de um somatório de eventos
em toda a cadeia de agronegócios, isto é,
de todos os aperfeiçoamentos possíveis
à montante e à juzante da agricultura.
A melhoria e uma maior disponibilidade de infra-estrutura
econômica, como pesquisa, assistência
técnica, energia elétrica, estradas,
hidrovias, ferrovias, portos, telefonia e outros,
repercutem diretamente na redução
de preços, com aumentos significativos na
competitividade dos produtos. Uma política
tributária e cambial em um contexto de estabilidade
econômica pode influir significativamente
nos níveis da competitividade dos produtos
agrícolas de forma mais representativa que
uma expressiva melhoria tecnológica tomada
isoladamente. A melhoria relativa da agricultura
não decorre, portanto, somente de resultados
na tecnologia agronômica como dos transgênicos,
mas, de toda a cadeia do agronegócio no tempo
e no espaço.
V - BONDE
DOS TRANSGÊNICOS - É AGORA OU NUNCA
O movimento de açodamento
e de inquietações que marcam a chegada
das plantas transgênicas no país não
constitui comportamento atípico no mundo
dos negócios, onde o limite de atitudes das
pessoas acha-se delimitado pelas leis, pela concorrência
e pela vontade dos consumidores. Diversas estratégias
- aquisições, alianças, parcerias
com instituições públicas ou
privadas, lobby, marketing - procuraram imprimir
uma dinâmica sui generis com vistas à
imediata liberação das plantas transgênicas
para plantio comercial no Brasil. A ansiedade e
a vontade de testar imediatamente o mercado brasileiro,
ampliando a faixa de domínio geoeconômico
da nova tecnologia, justificam todos os meios e
métodos para alcançar objetivos comerciais
estabelecidos há muito tempo na matriz. O
mercado-alvo da vez é o Brasil, como segundo
maior produtor de soja do mundo. Obsecadas e determinadas
a conquistar, consolidar e expandir um mercado global
de transgênicos, estimado em US$ 8 bilhões
em 2.005 e em US$ 25 bilhões em 2.010, as
empresas líderes no setor travam luta sem
tréguas para fincar suas bandeiras comerciais
no promissor espaço de agronegócios
nacional.
A área cultivada de transgênicos, segundo
dados disponíveis para 1998, envolve cerca
de 30 milhões de hectares no mundo, dos quais
20,5 milhões de hectares (74% do total) nos
Estados Unidos, 5,5 milhões de hectares na
Argentina e cerca de 4 milhões de hectares
no Canadá. Uma área de lavouras transgênicas
dessa magnitude, com grandes produtores de grãos,
constitui o principal argumento de que o Brasil,
também, deve ingressar decididamente nesse
mercado o mais rápido possível, com
vistas à competitividade internacional. A
Argentina já cultiva transgênicos em
cerca de 75% da área de soja em 1998 e os
Estados Unidos, em torno de 35%, devendo atingir
aproximadamente 70% em 1999. Segundo adeptos dos
transgênicos, notadamente de algumas lideranças
rurais mais afoitas, qualquer atraso ou demora suplementar
nas definições só tendem a
agravar as condições competitivas
do país, já, que a nova tecnologia
possibilita aceso a uma série de vantagens
agronômicas, segundo informações
correntes. Por isso, não se pode perder o
bonde tecnológico; urge tomar as decisões
adequadas ao caso brasileiro, sob pena de perder
partes substanciais de mercados de commodities.
O momento é agora ou nunca, uma vez que mais
tarde os mercados estarão plenamente atendidos
pelos produtores de commodities transgênicos.
Mas será que é isso mesmo?
Quando as questões que envolvem diferentes
alternativas são colocadas de forma dual
e excludente- do tipo "agora ou nunca, a saúva
ou o Brasil, a ferrugem ou o café"-
as proposições soam fatalísticas
e messiânicas, próprias de carência
de pensamento criativo ou coragem de buscar novos
horizontes. Um alinhamento automático às
causas transgênicas com base em pesquisas,
dados, informações e referenciais
técnicos do exterior marginaliza considerações
das realidades intrínsecas do Brasil, como
fatores sócio-econômicos, culturais,
ambientais e agronômicos, que não guardam
muita correlação com os correspondentes
alienígenas. Uma determinada variedade de
soja ou milho não é agronomicamente
cosmopolita porque, como todo organismo vivo, ela
é o resultado da interação
entre informações biológicas
hereditárias e condições do
meio ambiente. Uma soja BR16, por exemplo, não
é capaz de vegetar e, principalmente, de
expressar todo o seu potencial produtivo e qualitativo
em qualquer região do país. Uma variedade
de soja de ótimo desempenho no Rio Grande
do Sul não vai apresentar o mesmo padrão
de desenvolvimento no Mato Grosso ou em Goiás,
em razão de diferenças significativas
de solo, clima, temperatura, fotoperíodo,
altitude e complexas interações abióticas
e bióticas.
Experiências, testes e pesquisas diversas
encetadas em condições edafoclimáticas
e biológicas tão díspares das
do Brasil não constituem argumentos suficientemente
convincentes de que o transgênico com fator
de resistência ao herbicida (e muito pior
no caso a insetos) não oferece nenhum risco
à saúde humana ou animal e ao meio
ambiente. Mesmo nos Estados Unidos, onde os plantios
comerciais de soja começaram, com intensidade
efetiva, em 1996, quando foram plantados cerca de
400 mil hectares e tenham atingido cerca de 9 milhões
de hectares em 1998, os ajustamentos continuam sendo
realizados e aprimorados. Integram esses procedimentos:
a dosagem correta de herbicidas apropriados a uma
dada configuração de fitotecnia e
condições agronômicas; a aplicação
combinada de diferentes herbicidas com vistas à
eficiência de controle de ervas daninhas,
uma vez que uma ou duas espécies em cada
grupo de 1.000 espécies de ervas são
naturalmente resistentes ao glifosate; a prática
de rotação de cultura; a não
repetição do mesmo herbicida para
a mesma cultura durante longos períodos e
a realização de práticas integradas
de controle biológico de pragas e moléstias
como vetores prováveis de transferência
horizontal de genes de resistência ao herbicida.
Dessa forma, como nada disso foi adequadamente pesquisado
nas diversas condições territoriais
do Brasil, é válido, com muita pertinência,
questionar se o bonde dos transgênicos não
estaria um pouco adiantado na estação
do agronegócio brasileiro. Transplantar modelos
exógenos de elevada especificidade biodinâmica
entrópica (interação abiótica
e biótica, envolvendo solos, biodiversidade,
biotas, microorganismos, condições
hidrogeológicas etc) não constitui
ato de bom senso, racionalmente correto e politicamente
satisfatório. Ensaios e pesquisas com material
transgênico levados a efeito à revelia
de considerações técnicas e
científicas ou mesmo legais, que culminaram
na destruição policial de campos experimentais
de arroz e de soja no Rio Grande do Sul, constituem
sinais evidentes de pressa, de displicência
e de deliberada omissão ou negligência
com assuntos de elevada magnitude para o agronegócio
brasileiro, que deve apresentar sustentabilidade
econômico-financeira em perfeita harmonia
com o meio ambiente. E, ainda, como justificar para
a sociedade que um experimento com soja tenha 435
hectares, uma área superior à média
da agricultura em muitos Estados, mesmo nos cerrados?
Como uma empresa divulga uma meta de comercialização
de sementes transgênicas antes do registro
oficial no órgão competente e sem
a liberação e autorização
hábil no Ministério da Agricultura
? Como se justifica um aumento de índice
residual de glifosato para soja de 0,2 ppm (parte
por milhão), então vigente, para 20
ppm (um aumento de 100 vezes) e posteriormente para
2 ppm, ainda assim cerca de 10 vezes superior ao
índice original ?
Não se toma um bonde sem saber o destino,
sem programar a finalidade da viagem, sem examinar
outros meios alternativos de locomoção
e sem analisar custos e benefícios das diferentes
opções existentes. É preciso,
ainda, ressaltar que existe o livre arbítrio
do passageiro em decidir, pela sua própria
vontade ou decisão, se deseja embarcar nessa
viagem ou em outro horário.
A questão de perder a chance do momento,
de perder o bonde da tecnologia transgênica,
não se revela apropriada nos termos colocados
por muitas pessoas. Mesmo a questão de produção
de commodity tradicional (ou naturalmente obsoleto)
não constitui fator de demérito, uma
vez que o mercado de grãos, enquanto matéria-prima
para a alimentação humana ou arraçoamento
animal, encontra-se sob domínio de seleto
grupo de empresas de ação global (Cargill/Continental
Grain, ADM e Dreyfus), que preocupam os próprios
países importadores. Além disso, tem-se
a questão delicada do valor agregado das
exportações de grãos em mercados
largamente dominados pelos países industrializados,
que impõem sérias restrições
à livre entrada de produtos mais refinados
com grau de processamento e que envolvem marketing,
embalagem, marca, distribuição e outros
procedimentos comerciais que permitem aumentar de
3 a 5 vezes o valor da matéria-prima original.
Esses dois aspectos - produtor e exportador de matérias-primas
em mercado oligopolizado/cartelizado e globalizado,
e capacidade de exportar valor agregado - é
que constituem o fulcro do verdadeiro problema do
agronegócio brasileiro. A questão
transgênica, como a proposta atualmente pelas
empresas dominantes, revela-se meramente operacional
de como fazer essa tecnologia, quando o essencial
reside na definição ou resolução
do que fazer com o agronegócio. A preocupação
é prioritariamente de ordem estratégica.
Por isso, o bonde da história pode não
ser a locomoção mais indicada para
o agronegócio nacional neste momento.
VI - ENGENHARIA
GENÉTICA É UMA TECNOLOGIA DE PRECISÃO
Muito se tem discutido
sobre o caráter determinístico da
engenharia genética durante os depoimentos
das audiências públicas na Câmara
dos Deputados em novembro de 1998 e em princípios
de maio de 1999. De uma maneira geral, as alterações
do material genético podem ser causadas por
mutações e fenômenos deliberados,
como a recombinação gênica,
fluxo gênico e oscilação gênica.
Com a chamada engenharia genética, tem-se
a possibilidade prática de fazer uma sorte
de "cirurgia molecular" nos constituintes
biológicos da hereditariedade das espécies
através da manipulação do DNA,
alterando, controlando e transferindo informações
genéticas dos sistemas vivos. Através
de enzimas específicos, técnicas apropriadas
e instrumentos de alta precisão, é
possível cortar, quebrar, ligar, religar,
inserir e reinserir segmentos ou fragmentos de moléculas
de DNA, provocando, conscientemente, alterações
bioquímicas no curso natural da genética.
A pesquisa genômica, com auxílio de
poderosos instrumentos modernos como microscópios
eletrônicos, de transmissão e de varredura,
que fornecem uma visão de alta resolução
de átomos ligados em moléculas, e
a mais avançada tecnologia de computação,
reunindo tanto cientistas como técnicas de
informática cada vez mais sofisticadas, procura
seqüenciar e mapear todos os genomas de interesse
da humanidade. Animais, plantas, microorganismos,
insetos, protozoários e demais seres vivos
constituem alvos da análise genômica,
sendo o do genoma humano o de maior complexidade
pelo número de genes e bases envolvidos (cerca
de 100.000 genes e mais de 3 bilhões de nucleotídeos).
Surgem, assim, termos estranhos à população,
como marcadores moleculares baseados em microssatélites
(ou análise de seqüências simples
repetitivas), técnicas de mapeamento genético
para programas de melhoramento tipo AFLP (polimorfismo
no tamanho de fragmentos ampliados) ou RFLP (polimorfismo
no tamanho de fragmentos restritos), avaliação
de diversas moléculas obtidas e testadas
em suas potenciais aplicações pelo
screening, impressões digitais de material
genético (fingerprint de DNA), desdobramento
ou divisão de moléculas (gene splitting),
avaliação de determinados genes de
interesse nos cromossomos (cariotipagem) através
de genes marcadores identificados de soja ou milho,
para efeito de acompanhamento de suas características,
entre outras, do dinâmico campo de pesquisas
biotecnológicas. O envolvimento de diversos
especialistas das áreas de bioquímica,
biofísica, genética, microbiologia,
ecologia, biologia molecular, matemática
e ciência da computação, mostra
que a engenharia genética constitui uma tecnologia
complexa, onde a genética convencional passa
a ser comparada a um teco-teco diante de uma nave
interplanetária. Para muitos, a engenharia
genética moderna é determinística,
muito diferente da genética clássica
que é probabilística, rudimentar e
muito demorada. No entanto, apesar de todos os avanços
e os recursos disponíveis da bioinformática,
a engenharia genética ainda resta expressivamente
estocástica, probabilística, sem lograr
uma alta margem de precisão. Pode-se afirmar,
no máximo, que se trata de primórdio
de uma nova era de profundas metamorfoses, de incrível
impacto na humanidade. A realidade é que
a engenharia genética não atende,
ainda, aos requisitos básicos de uma ciência
exata fundamentada em cálculos pontuais e
precisos a um dado nível de segurança
estatisticamente confiável. Dos cerca de
50.000 genes do genoma da soja, muito resta a fazer
em termos de seqüenciamento (ordem das bases
químicas que constituem o código genético
da soja) e mapeamento (descobrir todos os genes
do DNA, sua localização, seus componentes,
funções e demais atributos) dos seus
constituintes genéticos. Pouco se sabe do
efeito posicional de um dado gene na famosa dupla
hélice da soja ou milho nem as interrelações
específicas que se estabelecem entre os genes,
afetando funções ou caracteres vitais
de desempenho agronômico, nem mesmo com o
recurso de marcadores genéticos. Sabe-se
que, dos 20 cromossomos de cada metade do material
genético da soja, foi possível identificar
apenas certos genes de expressão agronômica
relevante para produtividade e resposta eficiente
às condições ambientais ou
a fatores bióticos (pragas e moléstias).
Esses genes foram identificados, isolados e monitorados
nos diversos experimentos realizados em melhoramento
de soja ao longo dos últimos anos. A análise
genômica funcional, que se assemelha a avaliação
do ecossistema dos genes, faculta ao homem o conhecimento
das funções dos diferentes genes,
interdependências, efeitos conjuntos ou combinados,
seqüência, localização
e demais características do material hereditário
de um ser vivo. O estágio atual de recursos
tecnológicos, embora notável, não
permite intervenções cirúrgicas
de DNA absolutamente confiáveis do ponto
de vista de resultados esperados e efetivamente
alcançados.
O processo de inserção de caracteres
de interesse em uma planta (resistência a
herbicida ou fator letal a insetos), se efetiva
através da biobalística. Trata-se
de um método de bombardeamento de genes para
dentro da célula desejada, junto com partículas
de ouro ou tungstênio, que se integram ao
genoma da planta. A eficiência desse método
atinge 20% para a soja. No caso do algodão,
obtém-se uma variedade para cada cem tentativas
de transformação genética,
conforme relatos do Cenargen (Genebio março/99).
Apesar dessa margem de eventos desejáveis,
não é possível, hoje, saber
a exata localização dos fragmentos
ou segmentos de DNA no genoma da planta-alvo. Isto
evidencia o caráter estocástico da
engenharia genética e o longo caminho que
se deve percorrer para realmente melhorar a "pontaria"
da artilharia biotecnológica.
Um trabalho de seqüenciamento de genes de relevante
impacto técnico e científico é
o que está sendo ultimado em São Paulo
com a bactéria Xylella fastidiosa, causadora
do amarelinho (clorose variegada de citros), moléstia
que contamina cerca de um terço dos laranjais
paulistas, causando significativos prejuízos
à economia cítrícola. Congregando
cientistas de institutos de pesquisa, fundações
e universidades, com diversos laboratórios
interligados via Internet a uma central de processamento,
procura-se, desde o final de 1997, descobrir a seqüência
dos cerca de 2.000 genes do genoma da bactéria.
Depois dessa complexa operação multiinstitucional
e multidisciplinar, espera-se realizar um outro
trabalho, igualmente complexo, de mapeamento de
todos os genes, identificando aqueles que escrevem
a receita das proteínas prejudiciais à
lavoura citrícola. Do conhecimento da estrutura
do genoma da Xylella e das funções
dos seus genes torna-se possível estabelecer
um programa de ações de expressiva
capacidade resolutiva graças à possibilidade
de intervenções precisas em fatores,
elementos e mecanismos bioquímicos da moléstia
do amarelinho. Outros trabalhos semelhantes, destinados
ao combate do tradicional nefasto cancro cítrico
e ao melhoramento das características agronômicas
da cana-de-açúcar estão em
curso de desenvolvimento no Estado. O interessante
a observar nessa estratégia de trabalhos
reside no desenvolvimento pari e passu da ciência
e tecnologia, aprimorando conceitos, teorias, questionamentos,
linhas de pesquisas, metodologias, aparelhagens
e instrumentos, técnicas laboratoriais, modelos
e técnicas computacionais, gerenciamento
de equipes, interligação de laboratórios
virtuais e gerenciamento de recursos humanos, materiais
e financeiros, entre outras iniciativas. Trata-se
de um programa exemplar de pesquisa e desenvolvimento
com efeitos multiplicadores não só
para ciência e tecnologia, mas para toda a
sociedade em termos de impacto na cadeia de agronegócios
do País. É um grande início
de um destino que a criatividade e a determinação
das pessoas envolvidas saberão definir.
VII - REFLEXÃO
CRÍTICA DE UMA REALIDADE DOS TRANSGÊNICOS
Em um primeiro momento,
as plantas transgênicas resplandecem o "glamour
high tech" da sagacidade humana como organismos
geneticamente modificados sedutoramente superiores
às da natureza. Mediante técnicas
apropriadas convertem-se possibilidades em realidades
e projetos de pesquisas em invejáveis oportunidades
de negócios. Gigantes do mundo das ciências
da vida e do agronegócio, com faturamentos
superiores ao PIB de muitos países, como
o Monsanto, Novartis, Agrevo, Rhône-Poulenc,
Cargill, DuPont, Zeneca e outros, orquestram o ritmo
de desenvolvimento da engenharia genética
encetando operações de megafusões
e incorporações bilionárias,
independentemente de posições nacionalistas,
sentimentais ou ideológicas. As iniciativas
perseguem focos empresariais precisos em áreas
mercadológicas de alta densidade de capital
e de retornos a taxas crescentes, decorrentes do
domínio de tecnologias de ponta asseguradas
por patentes e alianças estratégicas.
Tais ações se desenrolam em um cenário
de livre mercado global com políticas de
investimentos multilaterais e ampla liberdade de
movimentos, tanto no comércio como nas alocações
financeiras, onde a expressão da vontade
dos governos nacionais tem reduzida efetividade
prática em conseqüência da supremacia
das orientações emanadas em foruns
internacionais: OMC - Organização
Mundial do Comércio; FMI - Fundo Monetário
Internacional; FAO/OMS - órgãos das
Nações Unidas para alimentação
e agricultura e Organização Mundial
da Saúde; BIRD - Banco Mundial; UPOV - União
para Proteção das Obtenções
Vegetais; Acordos; Convenções e Tratados
Internacionais de que o Brasil é signatário.
Esse conjunto de marcos institucionais no concerto
das relações entre países influencia,
por sua vez, o arcabouço jurídico-institucional
interno, a exemplo da lei de patentes, lei de cultivares
e biossegurança. Em um mundo cibernético
desregulamentado onde tudo se processa instantaneamente
graças à teleinformática, o
País é, ainda, um mero coadjuvante
da grande peça econômica que se representa
no palco capitalista internacional, dominado por
condições concorrenciais ditadas pelas
grandes potências-líderes.
A engenharia genética e a tecnologia da informação
constituem armas extremamente versáteis de
alto impacto no mundo dos negócios. Elas
revolucionam conceitos, princípios éticos
e filosóficos, referência de valores,
competitividade, senso de justiça, liberdade
de ação e, principalmente, chances
de progresso em uma aldeia econômica homogeneizada
que se mostra terrivelmente cruel com os inabilitados
para a nova dinâmica internacional do século
XXI. O jugo do mercado sem fronteiras conta, como
no caso das plantas transgênicas, com expressivos
recursos da mídia eletrônica e com
a força avassaladora do marketing para granjear
mais consumidores e obter crescentes resultados
em seus balanços anuais. Mas muitos não
compartilham dessa visão mercantilista e
consumista dos valores humanos e da própria
natureza por opção ao direito inalienável
à vida, à livre determinação
dos povos, consciência ambiental e preservação
da biodiversidade para as futuras gerações.
A odisséia no campo da biotecnologia do século
XXI comporta riscos e incertezas inerentes a toda
atividade científica e relembra uma peripécia
de rafting (canoagem) em rio encachoeirado, cheio
de pedras, árvores e montanhas de uma inóspita
região. As sensações de liberdade,
de perigo consciente e de prazer de dominar as forças
das águas revoltas retemperam o espírito
irrequieto de homens arrojados permanentemente ligados
a desafios. A percepção de liberdade,
êxtase em participar de um esporte radical
e a ânsia de explorar os limites das maravilhas
do mundo são comuns em canoagem, em mergulho
submarino em Fernando de Noronha, em um safári
na África e, principalmente, nos inebriantes
êxitos das descobertas científicas
e tecnológicas. Descobrir, inventar, criar,
recriar, fazer, conhecer e explicar como as coisas
existem ou funcionam, perscrutando o infinitamente
pequeno como a molécula de um DNA ou o infinito
das galáxias, constituem traços indefectíveis
da própria condição humana,
mormente dos cientistas. Com a manipulação
do DNA, combinando ou recombinando material genético
de espécies afins e/ou de espécies
diferentes, o homem é capaz de decretar,
literalmente, o fim das espécies e criar
organismos vivos segundo a sua necessidade e conveniência
de uso particular. Uma nova revolução
agrícola, de imprevisível impacto
sócio-econômico e cultural nos sistemas
agroalimentares globalizados, muito mais importante
que a revolução verde dos anos 60,
tem início efetivo com o advento de plantas
transgênicas.
Do lançamento comercial de variedades e cultivares
geneticamente modificadas, fruto do domínio
da engenharia genética, surge, agora, um
momento de reflexão, de ponderação
e de avaliação crítica do emprego
generalizado desse trunfo tecnológico. Questionamentos
de ordem ética, religiosa, econômica,
social, política, legal, sanitária
e ecológica evidenciam o caráter polêmico
das manipulações genéticas
alterando o curso normal da natureza, mesmo considerando
as melhores intenções das descobertas
científicas. Artefatos nucleares de destruição
de massa, armas biológicas fatais, armas
químicas, bombas e mísseis a laser,
GPS para guidagem de mísseis intercontinentais
de longo alcance, e outros, são exemplos
dos perniciosos desvios das conquistas tecnológicas.
Assim, temas como o neodarwinismo, reducionismo,
o que é a vida, biotecnologia para quê,
a lógica da vida, brincando de Deus, franksteinização
da natureza, produzir alimentos para quem, público-alvo
dos produtores de plantas transgênicas, impacto
no emprego rural das novas tecnologias, riscos à
saúde humana e ao meio ambiente, poluição
e erosão genética, redução
da biodiversidade, níveis mínimos
da biossegurança, cartéis e monopólios,
bancos de germoplamas privados, globalização
genética, o gene como moeda de valor do agronegócio,
privatização e patenteamento de genes,
e tantos outros, procuram contrapor argumentos em
defesa de pontos de vista ou pareceres conclusivos
de uma dada posição. Conhecer o universo
das colocações multifacetadas sobre
as plantas transgênicas, separando marketing
e realidades, constitui necessidade e importância
estratégica para o desenvolvimento de uma
consciência crítica embasada em conhecimentos
técnicos. Saber decidir e saber conviver
em um mundo complexo significa também dispor
de consciência crítica das idéias
dominantes, contradições, esperanças,
fantasias, dúvidas e realidades intrínsecas
das plantas transgênicas.
A planta transgênica não constitui
panacéia para a agricultura, nem se resume
a uma variável tecnológica de produção
que se esgota por si só. Ela se integra sistematicamente
a um conjunto de tecnologias e políticas
econômicas que, se devidamente coordenadas
e sistematizadas pela ação diligente
do homem, têm o poder de alcançar objetivos
de desenvolvimento em escala, rapidez, eficiência
e abrangência democrática de uma forma
nunca antes registrada na história da própria
humanidade. Uma compreensão crítica
e pragmática da engenharia genética
do DNA recombinante vis-à-vis da realidade
brasileira revela-se oportuna e necessária
para um adequado posicionamento institucional na
formulação de políticas públicas
consentâneas com os desafios do País
na economia mundial do limiar de um novo século.
VIII - CONCLUSÃO
A moda atual no
agronegócio e na alimentação
humana é a planta transgênica. Muito
se tem propalado e abominado as virtudes e contingências,
positivas ou negativas, de suas implicações
na sociedade. As maravilhas fantásticas da
biotecnologia, fortemente impulsionadas pelo marketing,
devem ser racionalmente cotejadas com a dura realidade
da economia de um país de contrastes, de
assimetrias sociais gritantes, detentor da maior
biodiversidade e do maior potencial agrícola
do mundo. O Brasil é um grande ator na cena
do agribusiness mundial e desempenha seu papel no
turbilhão da globalização e
da virtualização avassaladora das
redes digitais. Estimular um pouco a consciência
crítica das pessoas, perscrutar um olhar
reflexivo sobre a dinâmica do desenvolvimento
e levantar questões práticas de políticas
públicas, foram os objetivos deste documento.
Tem caráter, forçosamente, preliminar
em função da precariedade das informações
de campo disponíveis até o momento.
Muito do que se tem noticiado sobre os transgênicos
deve ser relativizado à exata dimensão
dos fatos como a questão da redução
dos custos, aumento da produtividade, tecnologia
de precisão, única forma de reduzir
o problema da fome e do bonde da história.
O mundo, globalmente, nunca produziu tanto alimento
como atualmente, com muitos produtos registrando
as menores cotações dos últimos
23 anos. Um mercado pletórico e práticas
protecionistas dos países desenvolvidos levam
à formulação de questões
como: produzir alimentos para quê, para quem,
com que níveis de remuneração
e a que custos? A produção de alimentos
não é um ato de caridade ou causa
humanitária. A produção agrícola
é essencialmente mercantilista, baseada em
resultados práticos vis-à-vis de alternativas
alocativas de renda e emprego. O poder aquisitivo
da população estribado em uma justa
distribuição da riqueza nacional respalda
a afluência de um mercado que, por sua vez,
determina o ritmo de progresso da agricultura. São
as condições vigentes nos mercados
consumidores que moldam a dinâmica da sustentabilidade
econômico-financeira da produção
agropecuária, sabidamente sazonal, intensiva
em capital e tecnologia, subordinada aos caprichos
da natureza e dependente dos humores das políticas
econômicas de governos locais e das conveniências
internacionais. É esse, de forma muito sintética,
o contexto de ações das plantas transgênicas.
Se há um aumento significativo de produtividade
e redução de custos igualmente importante,
por que uma agricultura tão brilhante como
a americana precisa de subsídios e mecanismos
de proteção à produção
agrícola e de incentivo à exportação,
estimados em torno de US$ 69 bilhões (editorial
Estado de São Paulo, 18 de abril de 1999)?
O certo é que, mesmo com tecnologias de alto
impacto como as transgênicas, a agricultura
americana não consegue manter uma razoável
sustentabilidade econômica sem o apoio expressivo
de recursos governamentais. Para a safra 1999, somente
a política de preços mínimos
(loan prices) vai exigir um subsídio superior
a US$ 5 bilhões, em função
das baixas cotações dos produtos agrícolas.
Nota-se, assim, que o livre mercado que exalta a
eqüidade de oportunidades econômicas
e as regras eqüânimes de práticas
comerciais não passa de uma retórica,
de um discurso político de países
hegemônicos que insistem em pautar suas ações
segundo interesses conjunturais próprios.
Mas, afinal, qual o trunfo real das plantas transgênicas
de resistência aos herbicidas, considerando-se
a redução de custos ao longo do ano
agrícola e não somente em uma única
safra? A resposta a essa questão e também
ao aumento de produtividade, que é falsa,
prende-se ao argumento de conveniência prática,
independentemente de despesas diretas, de elevação
de desembolsos financeiros imediatos. O raciocínio
é o mesmo das lojas de conveniência,
lojas 24 horas, delivery e outros sistemas de satisfação
das necessidades dos clientes. O que importa é
a praticidade, aliando comodidade e funcionalidade
de um estilo de vida moderno, onde se procura a
maximização de tempo e a otimização
de alternativas de satisfação pessoal.
Mesmo pagando mais caro, o consumidor vai exigir
produtos e serviços de alta praticidade e
economia de tempo. Os argumentos que corroboram
essa idéia são inúmeros: comida
pronta congelada, pratos dietéticos balanceados
que só precisam de aquecimento, hortaliças
fresch cut prontas para salada temperada, carne
maturada ou temperada para churrascos, frangos e
peixes com cortes especiais prontos para assar ou
servir, sopas e massas de rápida preparação,
e assim por diante. Até nas máquinas
e equipamentos agrícolas esse fenômeno
guarda o mesmo sentido e abrangência: praticidade,
funcionalidade, facilidade de manutenção
e manuseio, desempenho operacional, rapidez de trabalho
etc. Apesar de serem expressivamente mais caros
que os modelos anteriores, os agricultores vão
procurar atualizar o parque de máquinas e
equipamentos, como ocorreu no Agrishow 99 de Ribeirão
Preto, ocasião em que colheitadeiras simples
foram vendidas por cerca de R$ 190.000,00 (cerca
de 13.500 sacas de soja), quando a correspondente
em dezembro de 1998 era encontrada por cerca de
R$ 130.000,00 (ou cerca de 10.500 sacas de soja).
A significativa diferença nas relações
de trocas (sacas necessárias para o equipamento)
em reais deve-se à queda nas cotações
internacionais e à desvalorização
cambial, uma vez que o valor em dólar sofreu
um reajuste de, aproximadamente, 15%. As máquinas
de maior valor, que custavam em 1998 em torno de
R$ 200.000,00, pularam para cerca de R$ 350.000,00.
Mas, mesmo assim, esses equipamentos continuarão
a ser comercializados simplesmente porque, sobretudo
os modelos recentes, são mais práticos
e funcionais, apresentam maior capacidade de operação,
reduzem perdas na colheita etc. A praticidade e
a comodidade representam tempo, dinheiro e, principalmente,
custos de oportunidades nas decisões empresariais
e pessoais. O investimento não é resultado,
apenas, de um cálculo de viabilidade econômico-financeira
restrita, de custos e benefícios da máquina
em si. A decisão é fruto também
de custos de oportunidades para o agricultor e para
a propriedade ao longo de um determinado período.
Portanto, horizonte de tempo, necessidade, oportunidade
e estratégia operacional é que definem
o investimento.
É por essas razões que a tecnologia
da engenharia genética tende a afetar todo
o sistema de produção e a escala de
valores da cultura agroindustrial à semelhança
do advento de herbicidas há cerca de 25-30
anos, quando essa inovação permitiu
uma acentuada mecanização nas lavouras,
ampliando a área de cultivo com um menor
contingente de mão-de-obra. É só
imaginar o trabalho, mecânico e manual, de
controle de ervas nas lavouras de milho, soja, feijão
ou algodão, por exemplo, quando o tamanho
de uma plantação era determinado,
em grande parte, pela capacidade de mantê-la
livre da concorrência de pragas. A tecnologia
transgênica pode favorecer o aumento da escala
de produção em decorrência da
criação de condições
operacionais mais propícias a novas máquinas
(trator/colheitadeiras) de maior desempenho, do
emprego de novas variedades com arquitetura maximizadora
de fotossíntese, da possibilidade de aumentar
a área média de cultivo das lavouras,
e da necessidade de reprogramar investimentos e
instalações, entre outras mudanças
adaptativas. As plantas transgênicas podem,
a exemplo de outras inovações históricas,
causar um sério impacto nos sistemas de produção
atuais, uma vez que, invariavelmente, toda inovação
tecnológica de impacto tende a alterar todo
um sistema agrícola vigente. É o que
ocorre quando se introduz a irrigação
por pivô central, se usa a técnica
do café superadensado, se usa a plasticultura
ou se faz plantio direto. A mudança de padrão
tecnológico significa, igualmente, mudança
nos padrões gerenciais e na cultura empresarial
do produtor rural. O acesso a uma nova tecnologia
pode significar, também e infelizmente, o
acesso a um nível de incompetência
gerencial e técnica, fatal em muitos empreendimentos
no agronegócio moderno.
Quando as questões relativas à biossegurança,
especialmente no tocante a riscos à saúde
humana e animal e ao meio ambiente, forem devidamente
equacionadas e cientificamente calibradas às
necessidades dos produtores e consumidores, as plantas
transgênicas tenderão, portanto, a
revolucionar a agricultura de forma mais contundente
que a própria revolução verde
dos anos 60. Mas, no longo prazo, prevalece a lei
do retorno à média, isto é,
um nível de equilíbrio e de ajustamento
de variações biológicas e sócio-econômicas.
É por isso que os monopólios não
são eternos, nem mesmo a virulência
altamente letal do HIV que tende a sofrer metamorfoses
adaptativas em função dos mecanismos
evolutivos do próprio vírus e dos
avanços da ciência e medicina. Particularmente
à agricultura, o retorno à média
da sustentabilidade econômico-financeira da
atividade produtiva dar-se-á no contexto
dos padrões de desenvolvimento do País.
Nele, somente os mais dinâmicos, integrados
de alguma forma com a geração de valor
agregado têm alguma chance de sobrevivência
empresarial. O retorno à média pode
ser acelerado com os mecanismos de autocontrole
ou autoregulação presentes em qualquer
atividade econômica em uma dada sociedade,
através de políticas distributivas
de renda, combate ou restrição ao
abuso de poder econômico, grau de conscientização
e exercício de cidadania, existência
de leis e instituições públicas
eficazes, nível educacional e cultural do
povo, vontade e determinação política,
abrangência efetiva de justiça e igualdade
de oportunidades econômicas. Em suma, liberdade
competitiva e responsabilidade social em um ambiente
jurídico-institucional consentâneo
com a democracia e a livre determinação
dos povos.
Por último, a engenharia genética
que permite a obtenção de plantas
transgênicas não constitui a panacéia
da agricultura e da alimentação mundial.
Sozinha, sua capacidade resolutiva de desafios é
limitada. Mas o processo de congregar cientistas
de várias áreas profissionais relacionadas
com a ciência da vida e com a informática
e com o imprescindível desenvolvimento de
aparelhos e instrumentos de alta precisão
tem muito a contribuir para o progresso e bem-estar
do mundo. Modelos computacionais complexos e computadores
ultra sofisticados precisam ser continuamente aprimorados
para viabilizar o seqüenciamento de bilhões
de nucleotídeos presentes em um DNA de um
genoma determinado e para fazer o mapeamento genômico
para conhecer o ecossistema dos genes, identificando
interrelações, funções
e demais atributos genéticos. Uma auto-estrada
de conhecimento e de possibilidades práticas
descortina-se à frente das pessoas e da sociedade.
Mas é só o princípio de um
mega investimento. Desenvolvê-lo significa
determinação, ousadia, objetividade,
bom senso, ética e um misto de aventura meticulosamente
calculada, onde riscos e incertezas possam ser minimizados.
O progresso da nave da engenharia genética
será tripulado, então, pela criatividade,
sagacidade e capacidade de gerenciar conhecimentos
complexos de ciências da vida, tendo como
auxiliares diretos instrumentos, técnicas,
modelos e processos interrelacionados de pesquisa
e desenvolvimento. Com um detalhe: a nave-mãe
que dá retaguarda e suporte logístico
à nave da engenharia genética chama-se
Terra.
IX - OBSERVAÇÕES
E SUGESTÕES PRELIMINARES
Ao longo do desenvolvimento
das idéias sobre o tema proposto foram surgindo,
aleatoriamente, várias observações
passíveis de um tratamento ulterior como
subsídios para o desenvolvimento da engenharia
genética nacional. Algumas são pertinentes
e outras, apenas, preocupações preliminares.
Assim, sem a pretensão de constituir proposta
de qualquer finalidade, têm-se as seguintes
observações que podem, eventualmente,
evoluir para sugestões de ações
em engenharia genética:
a) importância de um Plano Básico de
Engenharia Genética, enfocando princípios,
diretrizes, objetivos, papel do Governo, fontes
de financiamento, programas e projetos prioritários,
e outros temas de relevante interesse na matéria.
Poderia, inclusive, ser parte do próprio
PPA - Plano Plurianual de Investimentos;
b) revisão
e atualização ou adequação
da legislação sobre áreas de
interesse da engenharia genética: lei de
patentes, lei de proteção de cultivares,
lei de sementes, lei de biossegrança, lei
de biopirataria, biodiversidade, funcionamento de
áreas de preservação ambiental
etc;
c) reforço
dos bancos de germoplasma: reestruturar e redimencionar
as áreas de intercâmbio, quarentena
e conservação de germoplasmas com
vistas aos desafios da engenharia genética
- infra-estrutura laboratorial, instalações
apropriadas, equipamentos, veículos, instrumentos,
pessoal técnico e de apoio, e outras providências
administrativas. Interligação de sistemas
oficiais, privados ou fundacionais e internacionais
etc.;
d) constituição
de um Fundo Especial de Pesquisas em Engenharia
Genética, para desenvolvimento de pesquisa
básica e desenvolvimento técnico e
científico. Esse fundo será constituído
de recursos orçamentários, doações,
taxas e contribuições dos usuários
de plantas transgênicas, receitas especiais
e outras;
e) readequação
e reestruturação do sistema de Vigilância
Sanitária do Ministério da Agricultura
e do Abastecimento, ajustando a estrutura institucional
às novas finalidades com uma ampla modernização
administrativa em termos de organização,
infra-estrutura de apoio, legislação,
atualização tecnológica, logística
e demais providências em busca de eficiência
e eficácia;
f) constituição
de comitês, comissões ou câmaras
específicas de engenharia genética
com vistas à formulação, acompanhamento,
avaliação de políticas de desenvolvimento
em ações estratégicas;
g) constituição
de equipes profissionais setoriais ou específicas
de gestão da engenharia genética,
com objetivos de acompanhamento, monitoramento,
fiscalização e controle dos projetos
de engenharia genética envolvendo todos os
órgãos e instituições
oficiais pertinentes;
h) integração
de instituições públicas em
engenharia genética através de uma
rede virtual de pesquisas e bancos de dados sobre
o assunto;
i) definição
e estabelecimento de programa (ou programas) prioritário
em engenharia genética distinto de programas
de recursos genéticos e de biotecnologia;
j) criação
de mecanismos de estímulo e incentivos fiscais
ao desenvolvimento da engenharia genética,
examinando temas como instalações,
infra-estrutura laboratorial, deduções
fiscais, joint-ventures, programas de aperfeiçoamento,
acordos de cooperação entre empresas
e instituições oficiais etc. Revisar
e adequar providências nas áreas legislativa
(leis, portarias, decretos) e administrativa;
k) cadastro nacional
de genes de interesse técnico, econômico
ou científico que estão sendo pesquisados,
introduzidos, testados e liberados para comercialização;
l) desenvolvimento
de especialistas, tipo MBA, de gerenciamento de
propriedade intelectual em biotecnologia para avaliação
de tecnologias de interesse mercadológico,
proteção jurídica às
invenções das universidades e instituições
públicas de pesquisas, investimentos em desenvolvimento
tecnológico e científico, marketing
de tecnologias, negociação de acordos
e licenciamentos, violação de direitos
de propriedade intelectual, acordos internacionais
etc;
m) formulação
e desenvolvimento de projetos de engenharia genética
para solução de problemas de relevante
impacto na agricultura, como a bactéria do
amarelinho de citros e o cancro cítrico,
por exemplos. Projetos de seqüenciamento e
mapeamento de genes de espécies específicas
constituem casos concretos de pesquisa e desenvolvimento;
n) desenvolvimento
de programas de cooperação técnico-científico
internacional com instituições públicas
e privadas;
o) desenvolvimento
de programas integrados de cooperação
econômico-financeira com organismos internacionais,
governos, corporações privadas e organizações
não governamentais, com vistas a estudos
de biodiversidade, recursos genéticos, ecologia
e outras áreas conexas;
p) projetos estratégicos
de prospecção de genes de interesse
científico, agronômico ou de saúde
pública no País e no mundo;
q) programa de formação,
treinamento, reciclagem e aperfeiçoamento
em áreas estratégicas para o desenvolvimento
da engenharia genética;
r) programa de alianças
estratégicas e parcerias com empresas e outras
instituições privadas ou públicas
nacionais ou estrangeiras;
s) criação
de centros de excelência de pesquisa e desenvolvimento
em engenharia genética;
t) programa de ensaios,
testes e avaliação de projetos ou
ações de engenharia genética;
u) programa de desenvolvimento
de negócios tecnológicos com engenharia
genética;
v) estratégia
de comunicação institucional em assuntos
de engenharia genética: governo, órgãos
públicos, Congresso Nacional, organismos
internacionais, ONG's, comunidades e associações
diversas; e
w) estabelecimento
de um código de ética e de responsabilidades
entre os diversos agentes envolvidos com a engenharia
genética.
Essa listagem apresentada,
ressalte-se, tem finalidade meramente ilustrativa
das imensas possibilidades e desafios de ordem estratégica,
política e organizacional da engenharia genética
no Brasil. São assuntos que demandam tempo,
reflexão, muita discussão, negociações
complexas e seguramente muito trabalho. A tarefa
é imensa, mas necessária, oportuna
e fundamental para a própria engenharia genética.
Fazer engenharia genética apenas pragmaticamente,
embalado pelas pressões da moda dominante
pode levar a resultados pouco animadores. A questão
vital da engenharia genética no momento prende-se
à definição do que se quer
dessa tecnologia, da razão de ser dela mesma.
Engenharia genética para quê, para
quem e com que objetivos? A questão operacional
de como fazer a engenharia genética é
a que menos importa na discussão de uma revolução
tecnológica de impacto crucial para a sociedade.
A inversão dessa lógica de entendimento
pode conduzir a resultados erráticos, de
efeitos miméticos como meros seguidores totalmente
entregues à vontade de empreendedores líderes
e hegemônicos na matéria.
Cabe a nós determinar, imbuídos de
espírito ético e princípios
de justiça e bem-estar social, o que queremos
da engenharia genética, definindo objetivos
e meios de realizá-los.
Brasília,
18 de maio de 1999.
Fonte: Alberto Nobuoki Momma,
economista e engenheiro agrônomo
doutor em desenvolvimento agrícola