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ROTULAGEM
DE PLANTAS TRANSGÊNICAS
E O AGRONEGÓCIO
Panorama Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Outubro de 2003
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1- INTRODUÇÃO
O advento das plantas
transgênicas vai, aos poucos, tomando forma
e vulto na sociedade, através de grandes
culturas alimentares, como soja, milho e arroz,
produtos de expressivo impacto no sistema agroindustrial
pelas oportunidades de negócios no mercado
de proteínas de alto valor biológico,
de oleaginosas apropriadas à saúde
humana e de alimentos que pesam na cesta básica
da população. Além do fator
de resistência a herbicidas, charme da polêmica
em voga, nada de significativamente relevante em
termos de propriedades bioquímicas, organolépticas
ou agronômicas tem programação
de lançamentos a curto prazo. Mais de 90%
dos investimentos em engenharia genética
na agricultura referem-se a um único caráter,
isto é, a herbicidas (cerca de 70%) e inseticidas
(em torno de 20%), cabendo menos de 1% para objetivos
de qualidade (por exemplo, aumento de proteína
ou determinado tipo de óleo). No entanto,
o sistemático bombardeio de notícias
prolixas e pouco objetivas sobre as promessas da
engenharia genética confunde a opinião
pública, levando-a a adotar posturas conservadoras
de precaução e bom senso. Receios
de variados matizes e angústias do desconhecido
culminam, finalmente, por impor a necessidade de
providências institucionais de natureza jurídico-administrativas
para todos os agentes econômicos envolvidos
com as plantas transgênicas e, por extensão,
com a engenharia genética com vistas ao estabelecimento
conspícuo de responsabilidades e transparência
de ações.
No bojo dessas considerações
surge a questão da rotulagem ou identificação
dos transgênicos como forma de exigir o cumprimento
do Código de Defesa do Consumidor e fazer
prevalecer a vontade do cidadão no seu processo
decisório de consumir com base em informações
seguras e precisas (Lei nº 8.078, de 11.09.90
- art. 6º, III, e art. 8º). Com a estabilidade
monetária e a gradativa inserção
nos hábitos de consumo global - internet,
acesso a importação, turismo, shopping
centers, super e hipermercados, redes de varejo,
lojas de conveniência - a população
brasileira torna-se mais esclarecida, exigente,
racional e mais consciente com a qualidade de vida
e satisfação do bem-estar social.
Mas no caso dos transgênicos é realmente
procedente a exigência de rotulagem quando
similares convencionais acham-se dispensados dessa
medida? Muitos argumentos, tanto os de rotulagem
como os de não rotulagem, precisam ser ponderados
dentro de uma visão holística de processos
de desenvolvimento da sociedade onde se interrelacionam
idéias e projetos, individuais e corporativos,
movidos por ambições e sentimentos
de homens sequiosos por objetivos que nem sempre
são determinísticos de expressão
de vontades unilaterais.
2- CONCEITO
DE EQÜIVALÊNCIA, SUBSTANTIVA E TOTAL,
NA ROTULAGEM
Como a soja RR não
difere de uma soja tradicional nos aspectos de cor,
textura, teor de óleo, composição
e teor de aminoácidos essenciais e de nenhuma
outra qualidade bioquímica, há uma
eqüivalência total entre os produtos,
dispensando-se qualquer identificação.
Segundo esse conceito, uma soja Br 16 convencional
em nada, agronomicamente, difere de uma Br 16 engenheirada,
o mesmo ocorrendo com outras variedades de soja
que venham a sofrer semelhantes transformações.
As características básicas da planta
modificada vão manter-se, por determinado
período de vida útil comercial, razoavelmente
imutáveis dentro do conceito DHE - distinta,
homogênea e estável. Segundo essa corrente
de pensamento, admitindo-se equivalência entre
cultivares convencionais e modificadas, não
haveria necessidade de segregação
com identificação específica.
No entanto, o conceito
de eqüivalência entre plantas naturais
e engenheiradas envolve dificuldades práticas
de um entendimento objetivo do próprio termo
"eqüivalência". Eqüivalência
significa dispor de igual valor, peso, força
ou atributo específico, e normalmente se
expressa, para ser preciso, em unidades ou parâmetros
concretos: um dólar equivale a um real e
setenta centavos, o rendimento de um litro de álcool
combustível equivale a 80% do rendimento
da gasolina comum, a potência de um Gol mil
é razoavelmente equivalente ao do Palio mil,
e assim por diante. Equivalência se refere
sempre a quantidade ou algo mensurável a
que corresponda um sentido tecnicamente comparável.
Esse valor pode assumir conotações
amplas, difusas e díspares : valor real,
valor absoluto, valor relativo, valor primário,
valor nominal, valor positivo, valor atual, valor
de face, valor potencial etc. Mas, do ponto de vista
do genoma, da análise do DNA, uma planta
natural e outra modificada são intrinsecamente
distintas pelo fato de uma conter o gene de resistência
ao herbicida, além do marcador molecular
que o "identifica" como planta transgênica
de propriedade, por exemplo, da Monsanto. A rigor,
genomicamente, elas não são iguais
nem equivalentes. Teriam equivalência total
se fossem obtidas por multiplicação
vegetativa, tipo enxertia ou clonagem ou cultura
de tecidos de células adultas. Ainda segundo
a lógica da equivalência, um homem
e um macaco seriam seres equivalentes enquanto seres
vivos superiores, já que 98,4% dos seus genes,
conforme alguns cientistas e 99,9%, conforme outros,
são iguais nessas espécies. A diferença
entre uma e outra espécie decorre do número,
posição, seqüência, forma
de encadeamento e funções estruturantes
dos genes codificadores, entre outros fatores, na
unidade genômica. E é isto que confere
as especifidades de "ser" humano ou símio,
apesar da vasta identidade dos constituintes genéticos.
Além disso, se o conceito de equivalência
gera preocupações para uma única
expressão ou caráter genético
- tolerância a herbicidas ou resistência
a insetos, por exemplo - esperam-se acirradas discussões
quando objetivos como produtividade ou qualidade
forem alcançados em virtude da abrangência
das interrelações de vários
genes distintos envolvidos na transgenia. Nesses
casos, o conceito de equivalência não
terá nenhum sentido.
3 - MARKETING
NEGATIVO DA SEGREGAÇÃO
As empresas ou pessoas
adeptas dos transgênicos procuram, por todos
os meios, misturar de forma dissimulada ou ostensiva
os seus produtos no seio da agricultura mundial
como sendo uma simples commodity igual a outra qualquer.
Para esse grupo de defensores, a discriminação
de produtos em uma fase inicial de penetração
e conquista de mercados não é conveniente
nem lógica. A segregação pode
desencadear um processo aleatório de reações
meramente instintivas de forte conteúdo ideológico,
sentimental, ético, religioso, cultural,
psicológico. As reações populares,
geralmente, assentam-se em colocações
leigas, alheias às considerações
científicas ou técnicas. Uma excessiva
generalização pode influenciar viesadamente
no curso normal de uma opinião pública
diligente e responsável, isenta de preconceitos.
Para os que advogam em prol da não rotulagem
uma commodity é uma commodity e não
tem sentido fazer qualquer discriminação
ou exigências complementares, além
das constantes nas regras vigentes no funcionamento
desses mercados - grau de pureza varietal ou de
materiais estranhos, teor de umidade, uniformidade/homogeneidade
de grãos, sanidade, resíduos de pesticidas
ou agentes microbianos, peso e outros, tradicionalmente
estabelecidos nas bolsas de cereais ou bolsas de
mercados futuros.
Por outro lado, a linha de raciocínio adotada
na não - rotulagem estimula uma série
de contra-argumentos, igualmente racionais e objetivos,
mas sob óticas não estritamente setoriais
ou estáticos de ordem mercantilista. Em primeiro
lugar, todo lançamento comercial de produtos
tem como objetivo maior a satisfação
do cliente/consumidor, de sorte a granjear simpatia,
preferência, lealdade e assiduidade de compras
que, estrategicamente articuladas, possam traduzir-se
em níveis crescentes de faturamento ou melhoria
da posição relativa na participação
da empresa no mercado. Para isso refinam-se nas
estratégias mercadológicas e cuidam
dos mínimos detalhes das táticas comerciais
para mostrar ao mercado que o seu produto ou serviço
é melhor e reúne benefícios
superiores aos da concorrência. E a base de
toda essa guerra de convencimento fundamenta-se
no fato de que o seu produto é "diferente",
"distinto" de qualquer outro no mercado.
E o que propõem os produtores de transgênicos?
Adotam duas estratégias distintas, uma voltada
para grãos e outra, radicalmente oposta,
para sementes. Para grãos, procuram simplesmente
misturar-se às outras, confundir-se na multidão
de desconhecidos, sem nenhuma preocupação
com diferenciação, segmentação
ou marketing específico. Se é commodity
a ênfase deve recair no custo mínimo
possível e todos os esforços devem
concentrar-se nesse objetivo. Já para o segmento
de sementes prevalece a idéia de produto
"taylor made", isto é, especiaria
onde se ganha com a maximização do
valor agregado, na capitalização do
conhecimento, e não com as quantidades comercializadas.
Para isso, lança-se mão de um arsenal
de convencimentos: materiais, financeiros, logísticos,
técnicos, gerenciais - para demonstrar ao
mundo rural que a planta transgênica é
muito mais lucrativa que a convencional, por reduzir
custos, facilitar operações e, sobretudo,
aumentar as margens de rentabilidade operacional.
As plantas transgênicas jogam, portanto, em
duas frentes, brandindo argumentos parciais conforme
as circunstâncias do jogo de interesses no
mundo dos negócios. Assim, a mensagem para
os agricultores é uma e a para os consumidores,
outra. Mas os produtores e suas famílias
são também consumidores, dentro do
enfoque de sistemas agroindustriais, além
de eleitores e formadores de opinião que
podem acabar repercutindo no mundo político.
Em conseqüência, coerência e consistência
de argumentação não guardam
nenhuma correlação com a realidade
dos fatos, mas tão- somente com as motivações
práticas de uma economia de livre mercado
globalizado.
Em segundo lugar, conceitos modernos de customização,
isto é, de atribuir custos a cada linha de
produtos ou a de desenvolver produtos especiais
sob encomenda, conforme especificação
do cliente/consumidor, já são largamente
utilizados na agricultura mundial com a chamada
agricultura orgânica e agricultura funcional.
A aplicação de conceitos de atendimento
ao consumidor e de desenvolvimento de produto "taylor
made" (ou à la façon) é
uma exigência crescente no agrobusiness brasileiro,
notadamente com a evolução da agricultura
contratual: café, horticultura, flores, semente,
cana, citros e alguns cereais - que especifica o
pedido "à la carte" de uma produção
- variedade, quantidade, época, qualidade,
tipo/categoria, embalagem, condições
agronômicas de cultivo, controle técnico,
etc. Em linhas gerais, algumas dessas características
já se encontram presentes em grandes culturas
"cash crops" como soja, milho ou arroz
que são, em última instância,
realizadas através de cultivares /variedades
específicas que tiveram origem contratual.
E isto decorre do fato de cada variedade dispor
de uma faixa ótima de potencial produtivo
- ciclo de cultivo, fotoperíodo, exigência
nutricional, densidade populacional, época
de cultivo, produtividade, altitude, stress hídrico
etc. É por isso que se fala em agricultura
de precisão como resposta à particularidades
geofísicas e minerais de uma área
compatibilizada com as necessidades, igualmente,
específicas das culturas para uma dada configuração
de técnica agronômica. O franco atendimento
da especificidade agronômica da cultivar vai,
por sua vez, traduzir-se em colheitas de alta qualidade
e rendimento que podem, muito bem, ser diferenciados
e discriminados na comercialização
em função, por exemplo, de teor de
proteínas, de teor de sacarose aproveitável,
de rendimento industrial, de teor de óleos,
de qualidade de aminoácidos, de tempo de
cozimento, de sabor etc. O arroz, por exemplo, é
uma grande commodity, mas boa parte de sua comercialização
se dá através de marcas próprias
ou de distribuidores/ atacadistas que procuram padronizar
as características culinárias desejadas
pelos consumidores. Assim, o arroz de qualidade
superior tem nome e marca comercial, com controle
de origem, e sua aquisição no supermercado
subordina-se às motivações
e ao poder aquisitivo da população.
Então, negar ou minimizar a customização
e a tendência de marcas, providências
explícitas da discriminação,
dos produtos no agronegócio nacional, e sobretudo
mundial, não parece consentâneo nem
coerente com a realidade econômica. Produtos
alimentícios com marcas próprias giram
em torno de 30% na Alemanha e Suíça
e em 50% na Inglaterra (Preços Agrícolas,
janeiro/99).
Um terceiro argumento da discriminação
ou distinção objetiva dos produtos
agrícolas diz respeito ao conceito de rastreabilidade,
em que se procura descrever na embalagem toda a
cadeia produtiva envolvida em termos de origem,
local de processamento, indústria, agente
distribuidor e outras informações
que permitam rastrear prováveis fontes indesejáveis
de ameaça à saúde da população.
Este conceito, associado à segurança
alimentar, é consentâneo com a preocupação
dos consumidores quanto à origem dos produtos,
à presença de resíduos tóxicos
e patogênicos, ao estado de conservação
dos produtos, à forma de manipulação/transporte
e a outras ações potencialmente danosas
à preservação da saúde
humana e animal. Para o caso notório das
plantas transgênicas a aplicação
desse conceito deveria ser obrigatória e
fora de qualquer cogitação em contrário,
se quer acompanhar, monitorar, avaliar e fiscalizar
a efetiva inocuidade desses produtos para a saúde
humana e animal no longo prazo. O alcance prático
da identificação corresponde à
importância estratégica dos marcadores
moleculares, essenciais na biotecnologia para acompanhar
o percurso e o destino final de uma dada intervenção
humana em projetos de pesquisa. Ainda relacionado
com a segurança alimentar, mas especificamente
voltado para a vigilância sanitária,
tem-se o HCCP - hazard analysis and critical control
point- ou avaliação de riscos e controle
de pontos críticos, como forma de atuação
sistemática e busca de controle de qualidade
dos produtos, tanto de origem animal como vegetal.
A tônica desse sistema acha-se focada na saúde
agrícola e animal e não no controle
de moléstias/pragas/doenças em algum
ponto do mercado - geralmente fronteiras - da estratégia
praticada até há pouco tempo. Com
uma nova visão na abordagem da vigilância
sanitária, priorizando a estratégia
de segurança alimentar, derivada dos entendimentos
com a OMC/FAO, procura-se a qualidade total na agropecuária
nacional através, notadamente, da tecnologia
e da eficiência gerencial da cadeia agroindustrial
até o consumidor final. A implantação
dessa nova estratégia de vigilância
sanitária ressalta a importância de
certos tratamentos operacionais, como a rotulagem
ou código de barras, contendo elementos técnicos
fundamentais para um eficiente planejamento de ações
na busca de agilidade e racionalidade de um eventual
processo investigatório. Hoje, a preocupação
maior reside nas plantas geneticamente modificadas
para tolerância a herbicidas que, em princípio
e segundo fontes oficiais, ainda não registraram
efeitos colaterais indesejáveis à
saúde humana ou ao meio- ambiente. Conforme
informações disponíveis em
estudos técnicos, não se tem registros,
de efeitos pleiotrópicos, isto é,
o gene de fator de resistência ao herbicida
não exerce influência em outros genes
da planta acarretando manifestações
genotípicas ou fenotípicas distintas
das cultivares originais. Mas, com a chegada para
breve de plantas modificadas com fator de resistência
ou de letalidade para insetos, fungos, bactérias
e até vírus, reversões de expectativas,
decorrentes da imprevisibilidade evolutiva da ciência
e tecnologia, suscitam questionamentos de ordem
sanitária e efeitos no longo prazo tanto
para o homem como para a natureza. Se um inseto
ou agente microbiano sofre efeitos letais quando
se alimenta de plantas transgênicas, uma pessoa
ingerindo-as sistematicamente nas suas refeições
habituais não poderia acusar algum tipo de
impacto deletério? E por que um consumidor
que goste de cenouras ou batatas, mas geneticamente
modificadas para servir de veículo de vacinas
ou antibióticos ou inocentes vitaminas ou
sais minerais, deve consumi-las ignorando a existência
desses elementos? Em condições de
total inexistência de informações
corretas e apropriadas, o direito do consumidor
de exercer um ato de consumo consciente, racional
e deliberado estará sendo locupletado por
força dos agentes econômicos, à
revelia de qualquer consideração ética
ou legal, uma vez que a definição
do que (convencional, orgânica, funcional
etc), como (cozida, crua, torrada, in natura, processada,
conserva, congelada etc.), quando (diária,
habitual ou sazonal), quanto (quilo per capita),
onde consumir (doméstico, restaurante, fast
food, comida por quilo, conveniência), é
atribuição privativa da vontade soberana
das pessoas no pleno exercício de sua cidadania.
Um quarto argumento em oposição ao
marketing negativo da discriminação
refere-se ao conceito de agricultura funcional,
isto é, o desenvolvimento de uma agricultura
capaz de oferecer produtos de alta qualidade, com
propriedades específicas, para finalidades
e mercados específicos como, por exemplo:
plantas com alto teor de óleo ou qualidade
de óleo especial; plantas com propriedades
medicinais e voltadas para saúde e qualidade
de vida - os nutracêuticos - como alto teor
de ferro, licopeno, vitaminas, sais minerais ou
veículos de vacinas; plantas de alto teor
de frutose ou sacarose ou sólidos solúveis;
plantas com determinado tipo e concentração
de aminoácidos; plantas adaptadas para áreas
de alta concentração salina; plantas
com alta resistência a estresses hídricos
ou térmicos; e assim por diante. Nesses casos,
o próprio objetivo comercial com o aprimoramento
de produtos-alvo se encarrega, paradoxalmente, de
enveredar-se pelo caminho da discriminação
tão contestado hoje, explorando ao máximo
as virtudes de exclusividade, de novidade biotecnológica,
de notório diferencial mercadológico.
No mundo dos negócios, a distinção
de ser, fazer ou agir de forma eficaz e eficiente
traduz-se em sucesso e saúde econômico-financeira
de uma empresa. O avanço da agricultura funcional
e, por conseqüência, da dinâmica
desse mercado não só exigirá
a plena identificação dos "produtos-alvo"
como concederá prêmios de qualidade
para aqueles de interesse e oportunidade de negócios
do novo agribusiness. E aí, como ficará
a "teoria" da não- rotulagem?
Por último, tem-se o marketing da discriminação
para sobressair-se da média geral do mercado
global, procurando uma identificação
mais estreita com os consumidores de modo a desenvolver
uma imagem de qualidade, de origem, de valores,
de marca ou região, através do Certificado
de Controle de Origem. Trata-se de um poderoso instrumento
de marketing que age na fixação da
imagem ou conceito de um produto, influenciando
significativamente nas decisões de consumo
em meio ao mar de similares genéricos. Paga-se
mais e melhor, ou adquire-se um produto mentalmente
familiar a outro disponível no mercado, mesmo
tratando-se de commodities. Exemplo desse marketing
é o café colombiano, que se acha presente
nos principais mercados do mundo com uma aura de
superioridade inigualável em termos de qualidade
e valor comercial. Outros cafés, muitas vezes
até melhores que os colombianos, como alguns
da região dos cerrados, não conseguem
lograr êxitos apreciáveis em mercados
competitivos. Outro exemplo de flagrante sucesso
é o caso dos vinhos de origem controlada
na França, estratégia que permite
a manutenção de competitividade dos
produtores franceses diante da concorrência
da Europa ampliada com países com menores
custos de produção. Mas qualidade,
marcas e origem resultam em confiabilidade e credibilidade
comercial que se refletem em preços e valores
de mercado.
4-IMPRATICABILIDADE
DE DISTINÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS
É um
argumento que vem perdendo força entre os
defensores da não- -rotulagem em decorrência
da evolução dos equipamentos e técnicas
laboratoriais no campo da biologia molecular. À
primeira vista, no seu estado natural no campo ou
no comércio, é impossível a
detecção de qualquer diferença
entre as plantas, já que a cultivar modificada
possui as mesmas características agronômicas
da cultivar original. A diferença, invisível,
encontra-se no germoplasma com o fator de resistência
ao herbicida no caso da soja RR. No visual, esse
atributo pode ser checado com a pulverização
do herbicida, como fez a Polícia Federal
no Rio Grande do Sul no episódio de contrabando
de soja transgênica. No entanto, testes mais
eficazes e expeditos podem ser realizados com o
auxílio de sondas moleculares em laboratórios
especializados. O desenvolvimento de kits de análise
de DNA, munidos de computadores portáteis
e ligados a rede de laboratórios virtuais
via internet ou outro sistema de teleprocessamento
de informação, segundo especialistas,
pode viabilizar uma nova rotina de fiscalização,
monitoramento e avaliação de moléstias,
pragas ou ocorrência de plantas transgênicas
em qualquer lugar do país. Ainda, como as
variedades da planta transgênica são
protegidas por leis de propriedade intelectual,
esses kits e essa sistemática de ações
vão ser operacionalizadas pelas próprias
empresas envolvidas nos negócios dos transgênicos-
tanto sementes como defensivos - que não
vão admitir o uso de suas tecnologias sem
o devido pagamento a cada safra agrícola.
A fiscalização de uso indevido ou
irregular será processado por firmas especializadas
dos detentores das patentes e registros de proteção
de cultivares. Ressalte-se que o agricultor não
poderá usar a semente transgênica sem
pagá-la, mesmo como semente própria,
facultado pela lei de cultivares. Nesse caso, prevalecerá
a lei de patentes, salvo modificações
legais pertinentes já em tramitação
no Congresso Nacional. As transgênicas gozam,
portanto, de dupla proteção além
dos segredos estritamente comerciais e elas vão
fazer valer os seus direitos.
5 - ELEVAÇÃO
DE CUSTOS COM A IDENTIFICAÇÃO
A identificação
de plantas transgênicas implica em separar
comercialmente os produtos, de tal sorte que a qualquer
momento e em qualquer fase da cadeia do agronegócio
seja possível saber onde e como ele se encontra.
Isto significa operações, separadas
de colheita, armazenamento, transporte, processamento,
embarque e outras operações que vão
requerer meios e instalações apropriadas
para o fiel cumprimento dessa distinção.
No final, haveria um fatal encarecimento do produto,
o que afetaria a sua competitividade vis-à-vis
de outras commodities convencionais. Em princípio,
tais explicações revelam-se razoáveis
e convincentes. Mas uma análise ponderada,
equilibrada, objetiva e, sobretudo, comercial em
um contexto sistêmico da realidade do concorrido
mercado de grãos indica possibilidades de
estratégias alternativas. Em primeiro lugar,
nenhum produtor competente cultiva um único
produto, isto é, só soja, só
milho ou só arroz. Ele pratica a rotação
de culturas, faz plantio direto, planeja as diferentes
culturas anuais, distribui riscos entre culturas
ou mesmo entre cultivares de um mesmo produto. A
cooperativa ou empresa agroindustrial, ciente dessa
realidade, estrutura-se para uma ação
multiprodutos e multifinalidades, em razão
de preços diferenciados, períodos
distintos de comercialização, programação
do cash-flow, programação de atividades
etc. Opera-se, assim, com vários tipos de
arroz (que não podem ser misturados), vários
tipos de feijão (preto, de cores) e tipos
diferentes de grãos (soja, milho, sorgo,
trigo). Em termos de região produtora, um
armazém graneleiro convencional era dimensionado
para cerca de 36 mil a 50 mil toneladas de capacidade
estática, com septos diversos, sistemas complexos
de termometria e controle de umidade, transportadores
subterrâneos e aéreos, equipamentos
complementares e demais instalações,
que resultavam em investimentos da ordem de US$
50/tonelada. Atualmente, a armazenagem se processa
em baterias de células metálicas com
capacidade individual de 2.500 a 10.000 toneladas,
estrategicamente dimensionadas e construídas
para máxima funcionalidade, com custos em
torno de US$ 15/tonelada.; e são programadas
para atender a vários produtos dentro da
dinâmica do mercado de diferentes grãos,
que é naturalmente instável, sazonal
e pouco previsível, principalmente no médio
e longo prazos. Então, para muitos operadores
do agronegócio, providências adicionais
para mais uma separação de produto
não envolvem alterações substantivas
de ajustamentos a uma nova realidade comercial.
A competitividade de um determinado grão/cultura
não depende apenas de custos no setor primário
ou industrial, mas da maximização
de ações em toda a cadeia do agronegócio
- isto é, à juzante e à montante
da agricultura - em um ambiente macroeconômico
favorável ao florescimento da criatividade
e sagacidade empresarial em bases altamente dinâmicas:infra-
estrutura eficaz, carga tributária racional,
clima jurídico-institucional promissor, educação
e qualificação de mão-de-obra
ágil e competente, regras econômico-financeiras
claras e estáveis, etc.
Em segundo lugar, tem-se o desenvolvimento e aprimoramento
da logística, isto é, planejamento
e implantação de ações
de modo a fazer a produção ou produto
desejado chegar ao consumidor final no tempo certo,
na qualidade requerida e a custos competitivos.
A logística pode, por exemplo, envolver sistema
de transporte intermodal, passando por toda a cadeia
de valores, como porto, retroporto, ferrovia, locomotiva
e vagão, armazenagem, navio, porto de destino,
carga de retorno e outros elementos passíveis
de otimização desde, por exemplo,
a produção do minério de ferro
na jazida até o destino final na siderúrgica
no exterior.
No caso de um produto perecível, como suco
cítrico a granel, a logística envolve
a unidade processadora, a estocagem em ambiente
controlado, caminhão-tanque refrigerado,
armazém portuário, sistema de embarque
no cais, navio graneleiro apropriado para a carga
e igual aparato no porto de recepção
no exterior. O produto (suco de laranja, suco de
limão ou tangerina) precisa ser transportado
no tempo certo, nas condições adequadas
para não comprometer a qualidade, com segurança
e com custos mínimos para que se alcance
uma elevada performance operacional no suprimento
do suco cítrico nos principais mercados consumidores
mundiais. Outro exemplo de logística é
o que está ocorrendo com a rota alternativa
da hidrovia do Amazonas (Porto Velho/Santarém)
ao viabilizar competitivamente a produção
de grãos da região Centro-Oeste e
da própria Amazônia que dispunha, até
então, de rotas convencionais de alto custo.
Combinando estradas alimentadoras regionais, armazéns
coletores, terminais de carga em Porto Velho e Santarém,
embarcações apropriadas para a região,
instalações funcionais devidamente
equipadas e sistemas de gerenciamento de cargas,
entre outras iniciativas, torna-se plenamente otimizável
todo o processo de produção e exportação
de grãos da imensa região do Centro-Oeste
e Norte, redinamizando oportunidades econômicas
e criando um novo ambiente de investimentos. Assim,
para um dado produto claramente distinto dos outros
e perfeitamente discriminado, como por exemplo,
soja orgânica, algodão fibra extra-longa
ou soja transgênica, a viabilidade de uma
logística operacional estará, certamente,
relacionada com a escala, existência de economias
externas compatíveis, programação
de ações previsíveis, confiabilidade
comercial da cadeia e comportamento da dinâmica
de produtos concorrentes alternativos.
Uma outra vertente de logística, o gerenciamento
da cadeia de suprimentos - supply chain management,
constitui uma técnica de alta utilidade na
otimização de operações
de compras e vendas de produtos. Dispondo, racionalmente
e pragmaticamente, de uma visão abrangente
e integrada de todas as atividades associadas ao
fluxo de materiais ou mercadorias e informações
da cadeia de suprimentos, é possível
determinar níveis de custos, ganhos de tempo
e eficiência que resultam em apreciáveis
vantagens competitivas. É de utilização
corrente na reposição de estoques
(que envolve uma unidade industrial ou comercial
e um ponto de venda) e na renovação
freqüente de produtos nas prateleiras de supermercados,
farmácias e grandes lojas de varejo. Com
o conhecimento sobre mercadorias (tipo, natureza,
quantidade, qualidade, peso, tamanho, preço
etc) e informações sobre quem compra,
quando, como, o que e com que freqüência,
identificam-se as principais variáveis objetivas
e subjetivas dos consumidores. Uma técnica
de análise dessa gama de informações
existentes em um processo de logística no
sistema agroindustrial consiste no chamado ECR -
efficient consumer response (respostas eficientes
ao consumidor). Contando com os novos e modernos
recursos empresariais, que aliam automação
digitalizada e teleprocessamento, é possível
avaliar e tratar um volume considerável de
informações sobre o varejo em termos
de produtos, hábitos de compras, condições
sócio-econômicas, relacionamento com
a empresa, tipos de consumo e montantes de despesas,
entre outros, em uma verdadeira tarefa de garimpagem
de dados relevantes para o negócio. Chamado
de "Data Mining" ou mineração
de dados, essa sistemática de prospecção
de informações procura identificar,
catalogar e conhecer estrategicamente as principais
variáveis envolvidas em um dado comércio.
Junto com o EDI - Exchange Data Information - ou
troca eletrônica de dados e informações
entre distribuidores (varejo) e indústria
é possível refinar, calibrar, dimensionar
e programar cientificamente a atividade comercial
em termos de promoção, estoques, produto-alvo,
público-alvo preferencial, propaganda etc
de forma a reduzir custos, ganhar tempo, minimizar
perdas e otimizar padrões relacionais indústria-distribuidor-
consumidor. A atuação de um Pão
de Açúcar ou Carrefour situa-se na
vanguarda da modernidade de um setor que opera com
base em custos expostos à sensibilidade de
orçamentos domésticos e com margens
operacionais ditadas pela concorrência entre
gigantes. E para alcançar performances significativas
no mundo empresarial em um setor complexo, constituído
de milhares de produtos atomizados em itens e subitens,
devidamente discriminados e guarnecidos por centenas
de fornecedores habilmente cadastrados, contam com
técnicas e recursos de alta eficiência
,como automação de suprimentos (cadeia
de suprimentos, ECR, EDI, Data Mining), caixas registradoras
óticas automatizadas, pagamentos on line,
vendas eletrônicas via internet e delivery,
lay out funcional com marketing sensorial, funcionamento
24 horas e outras estratégias comerciais.
6 - CONCLUSÃO
As plantas transgênicas
devem ser vistas em um contexto de grandes mudanças
que estão em marcha na humanidade neste limiar
de um novo século. O sistema agroindustrial
brasileiro, campo de ação das plantas
transgênicas, acha-se por sua vez subordinado
aos grandes movimentos de metamorfoses evolutivas
como a globalização econômica
com a universalização de mercados,
leis, regulamentos e procedimentos sócio-culturais;
a liberalização geral da sociedade
com a redefinição do papel do Estado
em domínios passíveis de ação
pela iniciativa privada, limitando-se às
funções reconhecidamente típicas
do Poder Público; a realidade virtual do
mundo da teleinformática e da automação
digital onde tudo passa a ser instantâneo,
prático, funcional, cômodo e eficaz
em qualquer lugar do mundo e em qualquer ação
humana imaginável; o novo mundo das ciências
da vida com a biotecnologia ditando, notadamente
através da engenharia genética, novos
valores e padrões de conduta na economia,
política, justiça, ética, relações
internacionais e na própria vida do planeta.
Nesse contexto de instabilidades, com tendências
inéditas em amplas áreas do conhecimento
humano, e de conformidade com as razões expostas
nas linhas anteriores, nota-se que os argumentos
de não-rotulagem ou não- identificação
de plantas transgênicas não se coadunam
com os fenômenos contingentes do agronegócio
moderno (segmentação, diferenciação,
customização, segurança alimentar,
vigilância sanitária, logística,
código do consumidor).
Ao examinar a lei agrícola (Lei n° 8.171,
de 17.01.91) - nos seus pressupostos quanto a normas
e princípios de interesse público,
de forma que seja cumprida a função
social e econômica da propriedade (art. 2º),
nos objetivos constantes no art. 3º (promover,
regular, fiscalizar, controlar, avaliar atividade
e suprir necessidade - item I; eliminar as distorções
que afetam o desempenho das funções
econômica e social da agricultura - item II;
proteger o meio ambiente, garantir o seu uso social
e estimular a recuperação dos recursos
naturais - item IV) e nos objetivos da defesa agropecuária
com vistas a assegurar a identidade e a segurança
higiênico-sanitária e tecnológica
dos produtos agropecuários finais destinados
aos consumidores (art. 1º da Lei 9.712, de
20.11.98, alterando a Lei nº 8.171) - constata-se
que não se pode exercer essas atribuições,
com um mínimo de seriedade e eficácia
institucional, à margem de uma clara rotulagem
das plantas transgênicas. Misturada, embaralhada,
confundida com as convencionais não se teria
condições operacionais de exercer
uma efetiva ação de fiscalização,
monitoramento, controle e avaliação
das plantas transgênicas, principalmente daquelas
de caráter poligênico, tornando letras
mortas dispositivos da lei agrícola. Igualmente,
seria totalmente inócua a vigilância
sanitária do Ministério da Agricultura,
regida doravante, pela sistemática HCCP -
avaliação de risco e controle de pontos
críticos, acertado com a OMC e FAO. A identificação
das plantas transgênicas é necessária
não somente por uma postura técnica
ou legal, mas, principalmente, por uma questão
de precaução (princípio de
ouro da regra ambiental) em relação
ao desconhecido, que só será aprimorada
com o avanço da ciência e tecnologia
em seus imprevisíveis desdobramentos, além
da própria evolução do sistema
agroindustrial brasileiro, às voltas com
agricultura de precisão, agricultura funcional,
segmentação e diferenciação
de mercados, zoneamento de produção,
certificado de controle de origem, customização,
logística, mudança na composição
etária da população, restrições
ambientais, direitos dos consumidores, biossegurança,
bioética, lei de propriedade intelectual,
lei de acesso a recursos biotecnológicos
e crescente ação nas salvaguardas
de preservação do planeta.
Toda e qualquer aplicação
tecnológica comporta desvios entre a realidade
dos fatos e a mais perfeita das invenções
humanas. E para a administração desse
risco, notadamente quando as implicações
podem envolver o destino da própria humanidade,
toda medida de precaução merece ser
encarada com seriedade e equilíbrio.
Brasília,
13 de abril de 1999.
Fonte: Alberto Nobuoki Momma,
economista e engenheiro agrônomo
doutor em desenvolvimento agrícola