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MINISTRO
DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO LANÇA
PROJETO DE ASSENTAMENTO FLORESTAL (PAF)
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Dezembro de 2003
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O PAF, que será
lançado hoje, às 17 horas, na sede
do Ibama, em Brasília, integra o Plano Nacional
de Reforma Agrária, um dos principais assuntos
abordados por Miguel Rossetto, durante a entrevista
concedida à equipe do Instituto Socioambiental
(ISA), em Brasília, no início de dezembro.
O ministro falou também sobre o ordenamento
territorial da BR-163, os transgênicos, a
Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (RR),
quilombos e governo Lula.
Acompanhado da ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, e do presidente do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
(Incra), Rolf Hackbart, o ministro do Desenvolvimento
Agrário, Miguel Rossetto, lança o
novo modelo de assentamento agrário para
áreas de florestas, o Projeto de Assentamento
Florestal (PAF), nesta sexta-feira (19/12), às
17 horas, na sede do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), em Brasília.
O primeiro PAF será implantado no Acre; posteriormente
a experiência será estendida ao Amazonas
e Rondônia. O PAF funciona da seguinte maneira:
lotes de florestas serão concedidos por 30
anos, com possibilidade da renovação
da concessão por mais 30 anos, para extrativistas
e agricultores, que poderão manejar sustentavelmente
os recursos naturais e desmatar 5% da área
total para a construção de casas,
centros comunitários e produzir agricultura
de subsistência.
Elaborado por um Grupo de Trabalho (GT) Interministerial
que reuniu também organizações
não-governamentais, o novo modelo de assentamento
florestal inclui a exigência da apresentação
de um diagnóstico que ateste a viabilidade
econômica e ambiental do assentamento, assim
como estabelece entre seus critérios contar
com infra-estrutura para o escoamento da produção,
estar localizado próximo de mercados e possibilitar
o manejo de 300 metros cúbicos de madeira
por ano para cada família em 20 hectares
de terra.
Em entrevista ao jornal acreano Página 20,
o diretor executivo do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) para as Regiões
Norte e Centro-Oeste, Raimundo de Araújo
Lima, afirmou que o Estado dispõe de 320
mil hectares, ou mais de 2% das terras para serem
transformados em assentamentos florestais.
“O Acre foi escolhido por conta da experiência
acumulada em manejo florestal sustentável,
capacidade de gestão de projetos e das ações
do governo da florestania”, explicou Rossetto, durante
entrevista concedida ao Instituto Socioambiental
(ISA), em Brasília, no início de dezembro.
Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, de
um total de 1.609 assentamentos na Amazônia
Legal foram desenvolvidas cerca de 10 experiências
pilotos de Projetos de Assentamentos Agroextrativistas
(PAE) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável
(PDS).
O novo modelo a ser adotado na Amazônia faz
parte da adequação dos assentamentos
aos diferentes biomas, medida considerada por Rossetto
uma das principais conquistas do Plano Nacional
e Reforma Agrária (PNRA), lançado
pelo presidente Lula no dia 21/11, durante a Marcha
de Brasília, manifestação do
Fórum Nacional pela Reforma Agrária
e Justiça no Campo. O ministro menciona experiências
em andamento no Acre, no Sul do Pará e no
Mato Grosso, onde a liberação de crédito
para os assentametos está atrelada à
produção agrícola tradicional,
muitas vezes geradora de novos desmatamentos.
“O PNRA é diferente do primeiro plano nacional
de reforma agrária, de 1985. Além
de assegurar direito à terra e à recuperação
dos assentamentos, estamos falando em capacidade
de produção e ofertas de serviços
públicos, como saúde e educação.
Das 584,6 mil famílias assentadas durante
o governo anterior, 90% não dispõem
de abastecimento de água e cerca de 80% não
têm acesso à energia elétrica
e estradas”, destacou Rossetto, detalhando a integração
entre política fundiária, agrícola
e produtiva do plano, que alia viabilidade econômica
e acesso à infra-estrutura.
A elaboração do plano ficou sob a
responsabilidade do ex-deputado petista Plínio
de Arruda Sampaio, um dos fundadores do partido,
cuja proposta original envolvia o assentamento de
1 milhão de famílias até o
fim de 2006. Já o plano divulgado pelo presidente
Lula é uma versão numericamente reduzida,
mas é a “reforma agrária possível”,
segundo declarações de Rossetto à
imprensa. Entre suas metas, o PNRA inclui o assentamento
de 400 mil novas famílias, o acesso à
terra de 130 mil famílias por meio de crédito
fundiário, a regularização
fundiária da terras de 500 mil famílias,
o reconhecimento, demarcação e titulação
de comunidades quilombolas e a geração
de mais de 2 milhões de postos de trabalho
no meio rural.
Regularização
fundiária
A regularização
fundiária é outro ponto importante
do PNRA, cuja prioridade é a implementação
do Cadastro Nacional de Terras, que envolve o georreferenciamento
de todos os imóveis do país e conta
com US$ 500 milhões, financiados pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“Este projeto permitirá que a sociedade se
assenhore da sua estrutura fundiária. Temos
850 milhões de hectares no território
brasileiro, mas, se você tirar desses 850
milhões tudo o que está cadastrado
no Incra e somar as áreas demarcadas, cidades,
lagos, rios, estradas, ferrovias, entre outros,
fica faltando identificar 200 milhões de
hectares, que não aparecem em nenhum registro
público. Pode ser que o Estado tenha feito
um parque estadual em uma área devoluta e
não tenha registrada; pode ser que tenha
uma área de posseiro que não esteja
registrada, mas o fato é que o Estado não
sabe o que está acontecendo com quase uma
quarto da área total do país.”
A meta do PNRA de regularizar a situação
de 500 mil famílias deve priorizar Estados
como a Bahia, Pernambuco, Ceará e Maranhão,
onde, segundo Rossetto, há uma grande concentração
de posseiros. Outras prioridades são as áreas
de conflito fundiário no Arco do Desmatamento,
especialmente Rondônia e a área de
influência da BR-163 no Pará.
BR-163
Sobre o ordenamento
territorial da BR-163, uma das reivindicações
das instituições que organizaram recentemente
o Encontro BR-163 Sustentável, o ministro
afirmou: “Eu penso que a nossa responsabilidade
é criar as condições para o
conhecimento da estrutura fundiária daquela
área, priorizando o levantamento geoferrenciado
das propriedades e da ocupação mais
recente.
Talvez, ainda em dezembro, nós já
possamos colocar as equipes para iniciar esse processo;
em janeiro, certamente, elas estarão por
lá. A partir disso, nós teremos condições
para debater as opções, levando em
consideração o Zoneamento Econômico-Ecológico,
a infra-estrutura existente e as demais questões
ambientais”.
No caso específico do Pará, Rossetto
acredita que deverá haver um amplo diálogo
para a tomada de decisões, envolvendo o Governo
do Estado, as prefeituras e as representações
socioeconômicas da região, uma vez
que há na região uma série
de áreas devolutas com questionamento judicial.
“De qualquer maneira, temos boas possibilidades
de construir uma referência importante de
debate sobre o desenvolvimento do Estado, com estratégia
política e legitimidade social.”
Para o ministro, os embates decorrentes das ações
de combate à exploração ilegal
de madeira na região de Altamira (PA) são
inevitáveis. “Os conflitos ocorrem porque
estão percebendo que o Estado está
chegando. O Ministério do Desenvolvimento
Agrário, até agora, ganhou todos os
11 processos contra a grilagem de terras neste Estado.”
Quilombolas
“A novidade boa é
que o Governo passa a incorporar a desapropriação
para as áreas quilombolas”, comentou sobre
o Decreto 4887/03, assinado pelo presidente Lula
no Dia da Consciência Negra (20/11), que inclui
a participação do Incra no processo
de titulação das terras de quilombolas,
anteriormente sob a responsabilidade da Fundação
Cultural Palmares, instituição vinculada
ao Ministério da Cultura. De acordo com Rossetto,
o Ministério do Desenvolvimento Agrário
aguarda apenas uma documentação da
fundação para estabelecer uma equipe
para tocar essa questão dentro do Incra.
“Esse é um bom momento para trabalharmos
em áreas públicas ou devolutas de
estados e, posteriormente, avançarmos, na
implementação da desapropriação
dos quilombos.”
Para ele, a possibilidade do estabelecimento de
convênios com órgãos Estados
para o desenvolvimento de atividades com as quais
o Incra não está acostumado ou não
tem pessoal qualificado, como a identificação
antropológica e avaliação ambiental
de um território, representa um avanço
da titulação de quilombos no país.
A Fundação Cultural Palmares já
identificou no Brasil cerca de 700 quilombos, dos
quais apenas 31 foram titulados pelo governo federal.
De acordo com Maria Aparecida Mendes Silva, da Articulação
Estadual das Comunidades Quilombolas de Pernambuco,
já foram auto-identificados no país
cerca de 4 mil quilombos.
Caso Araupel
Além da experiência
dos assentamentos florestais na Amazônia,
Rossetto acredita que o assentamento da Fazenda
Araupel, em Quedas do Iguaçu (PR), uma área
de 25 mil hectares, com mastas nativas, que atenderá
a cerca de 2 mil famílias, também
deverá se tornar referência.
O assentamento em uma área de Mata Atlântica
e o pagamento de R$ 132 milhões pela desapropriação
da área geram polêmica. Em julho deste
ano, a Miriam Prochnow, coordenadora da Rede de
ONGs da Mata Atlântica,, em audiência
com a ministra do Meio Ambiente, solicitou que não
fossem implantados projetos de reforma agrária
em áreas de floresta da Mata Atlântica,
expondo, entre outros, a preocupação
com as invasões da Fazenda Araupel e da fazenda
Santa Maria, vizinha à Estação
Ecológica Mico-Leão-Preto, no Pontal
do Paranapanema (SP).
De acordo com dados do Atlas dos Remanescentes Florestais
da Mata Atlântica, da Fundação
SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), os assentados da
Fazenda Araupel desde 1997 foram responsáveis
pelo desmatamento de 20 mil hectares de vegetação
primária ou em estágio avanço
de regeneração da área, o maior
em área contínua do bioma dos últimos
15 anos.
“Na verdade, o custo real, líquido daquela
área é de R$ 70 milhões, o
que é baratíssimo, porque já
há ali estrada feita e área reflorestada
com araucárias e pinus para manejo sustentável,
além da Reserva Particular de Patrimônio
Natural (RPPN).” Segundo Rossetto, o restante corresponde
à terra nua, que será pago com Títulos
da Dívida Agrária (TDAs), sendo uma
parte abatida da dívida de R$ 50 milhões
da Araupel com o Banco Regional de Desenvolvimento
do Extremo Sul (BRDE).
Ele também apontou que o assentamento da
Araupel irá adotar um modelo de qualidade
ambiental e socioeconômico desenvolvido pela
ONG WWF-Brasil e pela Organização
das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO). Será administrado
por um conselho de gestão tripartite envolvendo
os governos federal, estadual e os assentados e
contará com câmaras técnicas
sobre geração de renda, inovações
e comercialização; qualidade de vida,
direitos sociais e infra-estrutura; e gestão
ambiental. Além do manejo sustentável
da áreas reflorestada, serão desenvolvidas
outras atividades produtivas, entre as quais soja
orgânica, fitoterápicos e apicultura.
TI Raposa/Serra
do Sol (RR)
Em relação
à homologação da TI Raposa/Serra
do Sol, Rossetto informou que o presidente do Incra,
Rolf Hackbart, esteve recentemente em Roraima, onde
constatou que não há mais debate entre
os ocupantes sobre a homologacão da TI em
área contínua. “A preocupação
deles agora é saber onde serão realocados.”
Segundo ele, o governo, no momento, está
trabalhando no mapeamento das áreas ocupadas
pelos não-índios.
Transgênicos
Para Rossetto, a
adoção dos transgênicos pode
representar um desastre para países onde
a agricultura familiar ainda é significativa,
como Brasil e Índia. “Aceitar o monopólio
na comercialização de sementes significa
ampliar o grau de dependência e transferência
de renda para as grandes multinacionais do agronegócio
e estimular a monocultura extensiva, única
capaz de suportar esse padrão tecnológico,
pois, a medida que se reduz a renda do hectare produzido,
só se torna viável o padrão
produtivo de altíssima escala.”
O ministro acredita que a liberação
dos transgênicos no Brasil pode representar
a perda de uma grande vantagem comparativa, para
“adotar a linguagem de mercado”. “Não é
razoável que você balize nenhum setor
da economia pelos seus concorrentes e não
pelos seus consumidores. O olhar pragmático
de mercado deveria ser qual é a conduta do
meu consumidor. E os grandes consumidores, Europa
e Ásia, ainda debatem esse assunto, ainda
não se posicionaram a favor dos transgênicos.”
Segundo ele, o PL da Biossegurança é
equilibrado e traduz corretamente as competências
da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBiO) - ponto polêmico do projeto de lei,
alvo de críticas de alguns parlamentares
e cientistas, que exigem maior poder de decisão
no órgão. “Existe um novo padrão
tecnológico que exige uma observação
sobre o padrão tecnológico, ou seja,
a idéia de que a comissão avalie o
assunto stricto sensu, a natureza do produto alterado
geneticamente, ou seja, qual é o seu fator
interno de estabilidade. Mas não foi criada
e não dispõe de estruturas para fazer
uma avaliação do impacto ambiental
desse produto e dos riscos à saúde.”
Otimismo
“A gente encerra
o ano com mais força, mais recursos para
a agenda popular, com e uma estratégia de
integração muito importante, especialmente
com o Ministério do Meio Ambiente. Órgãos
como o Ibama e Incra não conversaram entre
si. Isso é um marco”, afirmou Rossetto, otimista.
Função
social da terra como desafio
“O desafio para o
ano que vem na nossa agenda é recuperar com
mais força a idéia do que é
a função social da terra, que justifica
o direito à propriedade, aproveitando os
debates e as ações contra o trabalho
e escravo em propriedades rurais no Brasil.”
O presidente Lula lançou, em março,
o Plano Nacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo, com 75 medidas para punir empregadores
com trabalhadores em regime análogo ao de
escravidão. De acordo com a Comissão
Pastoral da Terra (CPT), existem cerca de 25 mil
pessoas submetidas ao regime de trabalho escravo,
das quais 80% na Amazônia Legal.
Assim como contém disposições
que regulam as relações de trabalho
e exploração que favoreça o
bem estar dos proprietários e dos trabalhadores,
o artigo 186 da Constituição de 1988
define a conservação ambiental e o
uso adequado dos recursos naturais como requisitos
fundamentais para o cumprimento da função
social da propriedade rural. Entretanto, caso sejam
produtivas economicamente, as propriedades rurais
que não cumprem suas funções
sociais não estavam sendo objeto de desapropriação
de reforma agrária.
Não será, realmente, uma tarefa fácil.
Mal foi lançado e o Plano Nacional de Reforma
Agrária já está sendo contestado
por representantes da bancada ruralista da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, entre os quais,
o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB/SP),
que prometeram, na semana passada, recorrer à
Justiça.
Fonte: ISA – Instituto Sócioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Cristiane Fontes