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ONG DIVULGA
NOTA DE ESCLARECIMENTO
SOBRE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
INDÍGENA
Panorama Ambiental
Boa Vista (RR) – Brasil
Novembro de 2003
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O texto da Urihi
– Saúde Yanomami, organização
não-governamental brasileira com atuação
em Roraima e Amazonas, é uma resposta a questionamentos
relativos à transferência para ONGs
de recursos financeiros da União, recentemente
publicados no jornal Folha de Boa Vista de Roraima.
A nota de esclarecimento
divulgada pela Urihi (leia abaixo) responde diretamente
à matéria "Saúde: ONGs
receberam mais verba que Estado", publicada
na Folha de Boa Vista de 12/11/2003 e que também
foi rebatida, prontamente, pelo Conselho Indígena
de Roraima. O conteúdo da notícia
veiculada pelo jornal roraimense manifesta compromisso
com a agenda política do senador Mozarildo
Cavalcanti (PPS –RR), conhecido por suas posições
anti-indígenas e atualmente ocupado com a
saúde indígena. No mesmo dia em que
a reportagem foi publicada, ele ocupou a tribuna
do Senado para reclamar que haveria muito dinheiro
público sendo gasto "para tratar da
saúde dos índios, que só representam
7% da população de Roraima".
Mozarildo utilizou a matéria da Folha de
Boa Vista como fundamento de seu pronunciamento
As iniciativas do senador e do jornal de Roraima
não são isoladas. Desde outubro, um
conjunto de matérias publicadas na imprensa
brasileira tem investido na tentativa de lançar
suspeitas sobre a atuação de organizações
do terceiro setor que executam serviços de
atendimento à saúde indígena.
Em 20/10, repórteres da Folha de S. Paulo
divulgaram matéria em que o diretor do Departamento
de Saúde Indígena da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), Ricardo Chagas,
caracterizava a atuação das ONGs que
trabalham com saúde indígena como
"poder paralelo" Poucos dias depois, nota
do site da Folha de Boa Vista afirmava que as não-governamentais
"que recebem recursos federais para prestar
atendimento aos indígenas estão usando
esse dinheiro para outros fins", emendando
que o governo Lula "prepara uma contra-ofensiva
para 2004, com o intuito de dar um basta nisso."
(seção Bom Dia, 29/10/2003).
Os esclarecimentos da Urihi vêm, portanto,
em boa hora. Colaboram, nas suas próprias
palavras, para trazer "ao debate a objetividade
necessária para o desenvolvimento e a consolidação
de uma política nacional de saúde
indígena que privilegie o bem-estar dos povos
indígenas e que não responda a outros
interesses ou prioridades". Eis a nota, na
íntegra:
A URIHI - Saúde
Yanomami denuncia a inconsistência dos ataques
à vigente Política Nacional de Saúde
Indígena
A URIHI - Saúde
Yanomami é uma organização
não governamental brasileira sem fins lucrativos,
formada por profissionais e intelectuais com uma
larga história de defesa dos direitos dos
índios Yanomami. A partir do ano 2000 assumiu,
através de um convênio com a Fundação
Nacional de Saúde (FUNASA/MS), a assistência
básica à saúde de aproximadamente
a metade dos 14.040 índios Yanomami residentes
no Brasil (Roraima e Amazonas).
Assistimos recentemente a um recrudescimento dos
ataques provenientes de diversos setores políticos
do estado de Roraima ao vigente modelo nacional
de assistência à saúde indígena.
Uma notícia publicada no jornal A Folha de
Boa Vista do dia 12 de novembro de 2003 questiona
os recursos financeiros que a União transfere
às ONGs do estado para a execução
dos convênios destinados ao atendimento em
saúde aos povos indígenas do estado.
Frente a estas informações tendenciosas
e politicamente manipuladas, a URIHI quer fazer
uma série de esclarecimentos sobre o seu
trabalho que tragam ao debate a objetividade necessária
para o desenvolvimento e a consolidação
de uma política nacional de saúde
indígena que privilegie o bem-estar dos povos
indígenas e que não responda a outros
interesses ou prioridades.
Os convênios entre a FUNASA e as organizações
não governamentais são o elemento
central da execução das ações
básicas de saúde nas comunidades indígenas
desde o fim de 1999 com a criação
dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas/DSEIs.
Conseqüentemente todos os recursos financeiros
que respaldam essas ações são
provenientes do orçamento geral da União.
Os recursos financeiros destinados aos convênios
são acompanhados por um Plano de Trabalho
que estabelece os objetivos, os resultados esperados
e as parcelas orçamentárias do convênio
e que tem de ser aprovado pelo Conselho Distrital
de Saúde Indígena do qual participam,
entre outros, os representantes das principais organizações
e grupos indígenas, a Secretaria Estadual
de Saúde, a FUNAI, as Forças Armadas,
além do chefe do Distrito Sanitário
Especial de Saúde Indígena/FUNASA.
As contas de todos os convênios são
submetidas, por parte da FUNASA, a um rigoroso controle
em tempo real, através de um sistema informatizado
on-line (SISCON), e a exaustivas prestações
de contas trimestrais, que incluem um severo controle
dos processos de compra e de contratação
de serviços. Estas prestações
têm de ser aprovadas pela FUNASA antes que
se disponibilizem novas parcelas do recurso financeiro
para a ONG.
O orçamento total da URIHI para o ano de
2003 é de R$ 8.466.010,56. Deste valor, 85,6
% é dedicado à atenção
básica à saúde na Terra Indígena
Yanomami, enquanto 10,5 % correspondem aos custos
da gestão. O restante do orçamento
corresponde aos gastos com controle social (reuniões
e assembléias dos conselhos locais e distritais
de saúde) e manutenção da infra-estrutura.
O número de profissionais de campo (médico,
dentista, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,
microscopistas, etc) responde à necessidade
de dar assistência em áreas de difícil
acesso a populações extremamente dispersas,
monolíngues e com experiência recente
de contato que dependem da supervisão direta
de um profissional de saúde na administração
de todos os tratamentos. Assim, até que os
investimentos em educação em saúde
resultem na incorporação dos Yanomami
às equipes de saúde, os custos de
manutenção do quadro de profissionais
da URIHI na Terra Indígena Yanomami correspondem
a 58 % do orçamento total.
As características geográficas da
área Yanomami determinam que todo o transporte
de profissionais, pacientes e materiais seja feito
por via aérea em aeronaves monomotor a partir
de Boa Vista e que o acesso a um terço das
comunidades assistidas se dê exclusivamente
por helicóptero. Por tudo isso, a parcela
de horas de vôo corresponde a 26,5 % do orçamento
total, sendo R$ 1.583.400,00 destinados aos vôos
de avião monomotor e R$ 657.000,00 aos vôos
de helicóptero.
Na década de 90 informações
oficiais sobre a saúde dos Yanomami, ainda
que precárias e parciais devido à
caótica assistência, davam conta de
um desastre epidemiológico, como resultado
da maciça invasão de garimpeiros.
Desde a implementação da atual política
de saúde indígena e a efetivação
do convênio entre a FUNASA e a URIHI em fins
de 1999, a situação de saúde
dos Yanomami tem experimentado uma grande melhoria
em relação a toda a década
de 90.
Nas regiões atualmente assistidas pela URIHI,
foram notificados em 1998 um total de 3.968 casos
de malária. No primeiro semestre de 2003
o total foi de 12 casos. A queda na incidência
de malária, resultante da assistência
da URIHI, é de 99 %, o que tem contribuído
também para diminuir o índice geral
de prevalência da enfermidade no estado de
Roraima. A mortalidade infantil foi reduzida em
cerca de 65 % e a redução do número
de casos de tuberculose em relação
à década passada é de 60 %.
Desde 2001 não ocorre uma só morte
por malária entre os Yanomami sob responsabilidade
sanitária da URIHI.
Estes indicadores representam uma extraordinária
melhoria das condições de saúde
dos Yanomami possibilitando a este povo condições
de voltar às condições de vida
dignas conforme seus padrões tradicionais
de organização social, depois de décadas
de dizimação injustiça e violência.
É importante lembrar que as forças
políticas do estado de Roraima, as mesmas
que hoje atacam a URIHI e o modelo de assistência
à saúde indígena, nunca agiram
em favor do bem-estar dos Yanomami e, pelo contrário,
sempre se mostraram coniventes com os agentes econômicos
invasores de suas terras (demarcadas em 1991 e homologadas
em 1992).
Para concluir, a experiência de implantação
da atual política de assistência à
saúde das populações indígenas
no Brasil representa um êxito coletivo dos
povos indígenas, das organizações
indigenistas, dos profissionais de saúde,
da União e da cidadania em geral. Esta política
inovadora pode e deve ser aperfeiçoada através
da continuação do debate sobre questões
chave como o papel do Ministério da Saúde
como órgão gestor dessa política.
Mas de forma alguma se pode colocar em perigo as
notáveis conquistas atuais que esta política
representa para os povos indígenas com argumentos
demagógicos e irresponsáveis que respondem
a interesses políticos manifestamente alheios
a toda a preocupação real com a saúde
e a sobrevivência dos povos indígenas
do Brasil.
URIHI – Saúde Yanomami
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Fernando Fedola Vianna