Panorama
 
 
 

CÂMARA DOS DEPUTADOS PROMOVE AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE OS DIREITOS INTELECTUAIS DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2003

Eduardo Véles Martin, secretário-executivo do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), e a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora da Universidade de Chigaco (EUA), foram os convidados do evento organizado pela Comissão de Direitos Humanos e pela Comissão da Amazônia e Desenvolvimento Regional na quinta-feira (21/8).
Pouquíssimos parlamentares compareceram à audiência pública Direitos Intelectuais das populações Tradicionais – Reconhecimento e Repartição de Benefícios, proposta pelo deputado federal Henrique Afonso (PT/AC). Muitos apontaram que o esvaziamento foi provocado por uma discussão sobre reforma tributária, que ocorreu simultaneamente em um outro plenário da Câmara dos Deputados, lotado.
Para marcar o evento, foi distribuído aos presentes, muitos integrantes da sociedade civil, como Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e Instituto Socioambiental (ISA); e de órgãos governamentais, entre os quais Embrapa Recursos Genéticos, Ministério da Cultura e Ministério das Relações Exteriores, suco e bombom de cupuaçu - fruta brasileira que teve o nome registrado por uma empresa japonesa e que por conta disso se tornou símbolo de uma campanha contra a biopirataria lançada recentemente.
Eduardo Véles Martin abriu o evento. Remeteu o público a algumas das diretrizes fundamentais da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) - lançada durante a Rio-92 e ratificada pelo Brasil em 1994 - , entre os quais as obrigações dos países signatários em respeitar, preservar e manter os conhecimentos tradicionais; incentivar a aplicação desses conhecimentos, desde com a aprovação de seus detentores; e garantir a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos do seu uso. “Acho que é uma tarefa de todos nós brasileiros entender que não se trata simplesmente de reconhecer direitos para conhecimentos que venham a ser objeto de estudo ou matéria-prima para o desenvolvimento da indústria e da pesquisa. Trata-se, sim, de reconhecer os povos indígenas e as populações tradicionais como detentores de informações de grande qualidade, com importância estratégica tanto para a conservação, como para o uso sustentável”, afirmou.
Martin explicou que somente após seis anos da ratificação da CDB, o Brasil passou a contar com um instrumento legal para tratar de alguns dos princípios da convenção. “Tivemos somente em 2000 pela primeira vez a edição da Medida Provisória (MP) 2.186, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, conhecimentos tradicionais associados e a repartição de benefícios. Essa MP, em que pese não tratar de forma totalmente adequada o tema, é a primeira iniciativa no Brasil no sentido de reconhecer direitos e estabelecer regras para o acesso a esses conhecimentos tradicionais.”
Após destacar alguns pontos positivos da MP, como a proteção aos conhecimentos tradicionais de ações lesivas e não-autorizadas, o direito das comunidades tradicionais decidirem sobre o uso de seus conhecimentos, a necessidade da elaboração de contratos de uso e de repartição de benefícios quando houver perspectiva comercial no aproveitamento do conhecimento tradicional, ele apontou alguns de suas lacunas. “O Brasil ainda se encontra vulnerável sob o ponto de vista legal para o amplo reconhecimento dos direitos e o exercício pleno da regulação do acesso a esses conhecimentos.”
Segundo Martin, a MP tratou de maneira imprópria, por exemplo, a questão do consentimento prévio e informado, chamado de anuência prévia e válido apenas apenas para Terras Indígenas (TIs), deixando de fora as populações tradicionais não-indígenas e o acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais indígenas em outras áreas. Outros dois pontos da considerados por ele muito complicados são a inexistência de sanções administrativas e penais para coibir a biopirataria e o fato de o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) – instância de gestão do patrimônio genético no Executivo previsto na MP, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente - não prever a participação da sociedade civil. Em relação a este item, a ministra Meio Ambiente, Marina Silva, assim que assumiu, determinou que fosse instituído no conselho a figura do convidado permanente, o que inclui representantes de entidades ambientalistas, organizações indígenas e comunidades tradicionais.

Tarefa prioritária: projeto de lei

Assim como abrir o CGEN para a participação da sociedade civil, Marina estabeleceu como tarefa prioritária do conselho a elaboração de um novo arcabouço legal sobre o tema. “Provavelmente, no fim de setembro a ministra encaminhará a proposta a esta casa, para que seja amplamente discutida, aperfeiçoada, complementada, para que o Brasil, possa contar com uma legislação definitiva”, afirmou Martin.
Segundo ele, é importante que, além da de uma nova legislação, também seja discutido o aprimoramento da gestão do Estado em relação ao tema. “Temos uma cultura de tratamento da biopirataria e de proteção de conhecimentos tradicionais, especialmente com relação à biodiversidade, muito focada na coerção. Precisamos articular um conjunto de ações para dar um tratamento estratégico para a gestão dos conhecimentos tradicionais.”
Neste sentido, Martin citou como necessário que o CGEN disponha de orçamento próprio, que os órgãos de fiscalização sejam capacitados para tratar de infrações de acesso aos conhecimentos tradicionais, que sejam desenvolvidas ações de educação ambiental e difusão de informações para os detentores de conhecimentos tradicionais, que seja estabelecido um sistema de informações oficiais sobre casos de biopirataria e que haja avanços na cooperação interministerial.
Outra discussão importante e necessária para o presidente do CGEN é de que forma garantir um mecanismo de usos do conhecimento, com consentimento prévio, viável do ponto de vista operacional. “Como estabelecer um processo que possamos colocar como parte de um contrato todos os povos e comunidades que compartilham determinado conhecimento? Isso tende a ser impraticável na maioria das vezes.” Ele apresentou uma sugestão; destinar uma parte dos recursos obtidos com os contratos de repartição de benefícios a uma conta específica do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), voltada à sustentabilidade econômica de comunidades tradicionais.

Soberania e conhecimentos tradicionais

Manuela Carneiro da Cunha lembrou que só com a Convenção sobre Diversidade Biológica os Estados passaram a ter soberania sobre os recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais, até então considerados propriedade comum da humanidade, apesar de os produtos finais gerados a partir desses elementos já estarem protegidos por toda a sorte de instrumentos de propriedade intelectual.
Segundo ela, em relação aos conhecimentos tradicionais, ainda restou uma grande dúvida: equipará-los aos conhecimentos tradicionais aos conhecimentos científicos e aos produtos resultantes e, portanto, privatizá-los, submetê-los aos mesmos tipos de instrumentos de propriedade intelectual que protegem os produtos finais? Ou, ao contrário, devemos declará-los como de usufruto de toda a sociedade e de toda a humanidade e portanto, de domínio público?
“É extremamente complexo organizar uma interface entre os vários sistemas de conhecimento tradicionais, uma vez que cada grupo tem o seu, e um sistema internacional de propriedade intelectual que é representado, talvez, de forma mais conspícua pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI).” Para Manuela, os conhecimentos tradicionais não poderem ser considerados um acervo fechado, mas sim algo em gestação. “O conhecimento tradicional é uma coisa dinâmica e é esse dinamismo que precisamos levar em consideração quando se pensa na sua proteção.”
De acordo com ela, a questão dos direitos intelectuais sobre a proteção dos conhecimentos tradicionais deve receber um tratamento 'sui generis', o que já vem sendo amplamente discutido pelos que trabalham com esse tema. Na abertura do livro Quem Cala Consente – Subsídios para a Proteção aos Conhecimentos Tradicionais, lançado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em junho deste ano, Nurit Bensusan, integrante do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA, cita que ainda não há clareza sobre o que significa o regime 'sui generis'. No texto, ela explica que muitas das discussões nacionais e internacionais interpretam regime 'sui generis' como um sistema que consistiria na criação de um outros instrumento de proteção intelectual dentro do modelo hoje posto, o que esbarra na dificuldade de que seja incorporada a noção de coletividade inerente aos conhecimentos tradicionais.

Conhecimentos tradicionais: de item secundário a assunto quente

“A questão dos conhecimentos tradicionais é uma questão global hoje em dia, não só global, mas de enorme importância.” Manuela afirmou que o tema deixou de ser um subitem secundário para se tornar um dos assuntos mais quentes das discussões das reuniões das partes da CDB, assim como começou a ser debatido por outros organismos internacionais, como OMPI, Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Quanto à atuação brasileira nos fóruns internacionais, a professora da Universidade de Chigaco explicou que o país vem liderando, juntamente com Índia, pressão na OMC para que as patentes internacionais descrevam a origem do material genético e do conhecimentos tradicionais eventualmente utilizados, algo que, segundo ela, deveria ser implementado também internamente. Na OMC, a questão dos conhecimentos tradicionais é tratada pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPs).
Manuela alertou que, de acordo com o TRIPs, patentes dos países que aderem à OMC tem de ser rejeitadas por outros membros dessa organização, mas o complementar dessa medida não existe, ou seja, o domínio publico não é respeitado. “Isso permite que uma palavra do dicionário como cupuaçu seja registrada fora do Brasil. Se o TRIPs valesse também para domínio público, isso não seria possível.”

Como valorar o uso do conhecimento tradicional?

Em relação à repartição de benefícios, apresentou um outro dilema: “a gente está completamente desinformado sobre o valor financeiros para as indústrias dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais. As companhias, sobretudo as farmacêuticas, são uma verdadeira caixa preta quanto a isso. Fazer uma avaliação sobre este assunto deveria ser uma prioridade do governo brasileiro.” Segundo ela, sem conhecer esses dados fica muito difícil se pensar em repartição de benefícios que não seja irreal, seja porque a expectativa está abaixo, seja porque está muito acima. “Eu acho que grande parte dos grupos indígenas está com uma expectativa muito acima, mas talvez não esteja.”
Manuela também considera vital que as populações tradicionais contem com assessoria legal para a elaboração dos contratos de repartição de benefícios. Segundo a antropóloga, esses acordos devem ser sempre estabelecidos por meio de contratos, pois são instrumentos com validade internacional.
A articulação entre os vários países da Bacia Amazônica, a exemplo dos países andinos, que já estabeleceram um pacto para tentar harmonizar as várias medidas em relação ao tema de cada um deles, foi outro item colocado como fundamental para evitar uma corrida de biopiratas a países que facilitem a coleta de recursos genéticos.
No encerramento de sua fala, Manuela destacou o envolvimento das populações na valorização, pesquisa e desenvolvimento do uso dos conhecimentos tradicionais como tão necessário e mais eficaz do que ações de fiscalização no combate à biopirataria. De cerca forma, seu posicionamento vai ao encontro de uma demanda apresentada por Escrawen Sompré, engenheiro florestal e presidente da União dos Povos e Organizações Indígenas do Araguaia e Tocantins (Upiat), em relação ao usufruto dos recursos naturais em TIs. Durante o seminário Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho: experiências internacionais e as novas bases do direito indígena no Brasil, realizado em Brasília na última semana, ele afirmou: "Nós somos detentores de um potencial de recursos naturais imensurável e queremos conhecer o que nós temos”, reclamando posteriormente da falta de apoio para que os índios possam conhecer, utilizar e administrar tal potencial.
Na próxima semana, o tema voltará a ser debatido. Entre 27 e 29/8, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) realiza o I Seminário de Propriedade Intelectual, Ciência e Conhecimentos Tradicionais na Amazônia.

Fonte: ISA – Instituto Sócio Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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