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CONVENÇÃO
169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO DISCUTE QUESTÃO INDÍGENA
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2003
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Com a recente entrada
em vigor no país deste instrumento internacional,
o Instituto Socioambiental (ISA), o Warã
Instituto Indígena Brasileiro e a Rainforest
Foundation/US promoveram na última semana
um seminário para discutir as novas bases
do direito indígena no Brasil, assim como
apresentar experiências relacionadas à
aplicação deste acordo no Peru e no
Equador.
Um público de 170 pessoas esteve reunido
no auditório da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) em Brasília
nos dias 11 e 12/8 para participar do seminário
A Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho: experiências internacionais
e as novas bases do direito indígena no Brasil,
organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA),
Warã Instituto Indígena Brasileiro
e Rainforest Foundation/US, com o apoio da OIT,
da Indian Law Resource Centre e da Oxfam. Entre
os presentes, representantes indígenas de
diversas etnias - Xavante, Wapichana, Terena, Tremembé,
Tukano, Baniwa, Tariano, Kaingang, Guarani,Sateré-Mawé,
Krikati, Munduruku, Karajá, Apurinã,
Mayoruna, Fulniô, Baré e Xerente.
Christian Ramos Veloz, especialista em Normas Internacionais
de Trabalho e Assuntos Indígenas da OIT,
deu início ao primeiro painel do seminário,
intitulado A OIT, os instrumentos de Direito Internacional
e a Convenção 169 e também
composto por Ana Valéria Araújo, diretora-executiva
da Rainforest Foudantion/US, e Jorge Terena, assessor
da Fundação Estadual de Política
Indígenista do Amazonas (FEPI).
Veloz abriu a sua fala explicando a origem da relação
da OIT com questões indígenas. Para
isso, remeteu o público ao início
do século passado, quando começaram
a surgir, segundo ele, problemas com trabalhadores
nativos em certos países em descolonização,
citando como exemplo as condições
abusivas de trabalho nas plantações
de açúcar na América Latina.
Em seguida, explicou detalhadamente o processo que
resultou na aprovação em 1989 da Convenção
sobre Povos Indígenas e Tribais em Países
Independentes, conhecida como Convenção
169, que entrou em vigor no Brasil no dia 25/7.
A Convenção 169 revisou a Convenção
sobre Populações Indígenas
e Tribais em Países Independentes - Convenção
107, que foi ratificada por 27 países, entre
os quais o Brasil, muito criticada por ter sido
elaborada sem a participação dos povos
indígenas, além de ser considerado
um instrumento voltado à integração
dos povos indígenas.
O representante da OIT passou então a comentar
as principais diferenças entre os dois acordos
e os principais avanços da Convenção
169. Abordou inicialmente a polêmica causada
para que fosse aceita a adoção da
palavra povo em substituição a população.
“Povo tem identidade cultural, tem coerência
social, tem tradição; população
dá idéia de algo passageiro, não?”,
questiona. Segundo Veloz, muitos países,
como o Peru e Brasil, temiam que a adoção
da terminologia implicasse na aceitação
da autodeterminação dos povos. Neste
sentido, o departamento jurídico da OIT esclareceu
que a convenção garante direitos econômicos,
sociais e culturais, mas definiu a autodeterminação
como um critério político que foge
às competências da organização.
A questão da terra foi outro ponto segundo
ele bastante controverso, que gerou a criação
de um Grupo de Trabalho específico e a preparação
de um texto de consenso, assim como o que define
os conceitos do processo de consulta para a exploração
de recursos naturais em terras indígenas.
De acordo com Veloz, esse mecanismo já teve
desdobramento positivo em locais como Groenlândia,
Noruega e Dinamarca, onde nenhuma exploração
mineral no subsolo pode ser feita sem o consentimento
e gerência dos povos indígenas.
Ele explicou ainda que a OIT conta com mecanismos
de supervisão da adoção das
convenções, por meio da produção
de relatórios anuais por peritos internacionais,
onde são colocadas observações
sobre sua aplicação ou violação
nos países onde foram ratificadas. Os governos
que não cumprem as convenções
podem ser chamados a dar explicações
a essa comissão tripartite nas conferências
anuais da organização, onde são
escolhidas as observações mais graves.
Em sua opinião, o Brasil foi chamado diversas
vezes a dar explicações; a última
vez foi em 1999. O primeiro relatório sobre
a aplicação da Convenção
169 no país deverá ser entregue entre
junho e setembro de 2004.
“Motor de
avanço do direito interno”
A advogada Ana Valéria
Araújo considera que o maior benefício
da Convenção OIT 169 foi ter consolidado
um instrumento de padrões mínimos
de direitos coletivos internacionais dos povos indígenas.
Para a diretora-executiva da Rainforest Foundation/US,
o direito internacional não só cria
oportunidades internacionais de reivindicações
de direitos, mas também é um motor
de avanço do direito interno no país.
“Ao entrar em vigor no Brasil, ela não só
passa a ser lei interna e portanto passível
de ser utilizada em nossos tribunais, como abre
a possibilidade de ser utilizada em fóruns
internacionais para a discussão de um eventual
direito que não esteja sendo bem interpretado
ou violado”, afirmou.
Ela discorda da opinião de pessoas que dizem
que o acordo internacional não traz muita
inovação para o país por contarmos
com uma legislação avançada,
citando como exemplo o artigo 6º, que trata
do processo de consulta relacionada a medidas do
Legislativo e do Executivo que afetem povos indígenas.
“Diversos povos indígenas estão consultando
a OIT no sentido de conseguir um apoio para a interpretação
desse artigo porque essa é uma tremenda novidade.
Se interpretada ao pé da letra, possibilita
a participação ampla, geral e irrestrita
dos povos indígenas em todas as discussões
políticas que um determinado governo queira
fazer.”
Tutela e
auto-identificação
O segundo painel
Impactos da Convenção 169: o que muda
na legislação brasileira? teve a primeira
parte voltada a discutir capacidade civil indígena,
tutela e auto-identificação. O palestrante
foi Carlos Frederico Marés, procurador geral
do Instituto de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) e sócio fundador do
ISA e teve como debatedores Henyo Barretto, professor
do Departamento de Antropologia da Universidade
de Brasília (UnB) e secretário da
Associação Brasileira de Antropologia
(ABA); Sérgio Sérvulo, chefe de gabinete
do Ministério da Justiça; Vilmar Guarani,
da Coordenação Geral da Defesa dos
Direitos Indígenas da Funai; e o escritor
Daniel Munduruku, autor de livros como Coisas de
Índio e Sinal do Pajé.
De acordo com Marés, o Código Civil
brasileiro de 1916, que estabelecia serem os indígenas
relativamente capazes para os atos da vida civil,
surgiu da lógica do século XIX, que
preconizava que os povos indígenas deveriam
deixar de existir para se integrar na comunhão
nacional. Ele explica que a Constituição
Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas
a possibilidade de autodeterminação,
uma vez que passaram a ter direito de continuar
a ser povos indígenas, independentemente
da possibilidade e da “querência” de que fossem
integrados à sociedade brasileira.
“A partir disso, criou-se na sociedade brasileira
a possibilidade de uma pluraculturalidade e de plurietnicidade”,
afirmou, embora alertando que a maior parte do Estado
acha que continua vigente a norma impositiva de
integração.
Em relação à questão
da auto-identificação, Marés
declara que não é possível
nem ao Estado brasileiro, nem a uma convenção
internacional definir quem é outro. “Se deixássemos
para a lei definir exatamente quem é o outro
estaríamos anulando o conceito de outro.
Isso significa que não é possível
imaginar uma aceitação de pluralidade
se não for aceita a idéia de auto-identificação”.
Para ele, esse é um enigma mais ou menos
claro de desvendar, pois só é possível
reconhecer como povos aqueles que se dizem como
tal e reconhecem determinados indivíduos
como seus integrantes e vice-versa.
Sobre este tema, Henyo Barretto destaca um trecho
do texto O Direito de Ser Índio e o seu Significado,
da procuradora da República Débora
Duprat: “a autonomia dos povos indígenas
não se esgota no reconhecimento de um território
no qual permaneça, nem tão pouco a
ele se limita. O reconhecimento de seus usos, costumes
e tradições evidencia que os índios
enquanto grupos formadores da sociedade brasileira
têm direito em suas relações
com os demais segmentos constituintes desta nação
de exigir observância aos seus modos de criar,
fazer e viver e de fazer-lhes ver como a eles índios
se representam os modos de criar, fazer e viver
desta sociedade que integram de um modo diferenciado.
Resulta desta análise que, a par de lhes
reconhecer o direito a uma existência diferenciada,
a Constituição outorgou aos próprios
índios o direito a dizer em que consiste
esta diferença.”
Barretto lembrou ainda que o ex-presidente da Funai,
Eduardo Almeida, encaminhou à ABA um ofício
no qual afirma que o órgão indigenista
estaria a partir de então acatando o que
preconiza a Convenção 169, que recomenda
a auto-identificação como critério
fundamental para o reconhecimento da identidade
étnica de um grupo.
Para Vilmar Guarani, a auto-identificação
é um tema importante considerando a diversidade
do país, onde há desde índios
isolados até os que estão vivendo
em centros urbanos ou em aldeias próximas
aos centros urbanos. Ele questiona o fato de algumas
pessoas considerarem a língua e o território
como critérios determinantes para a definição
de povos indígenas, exemplificando casos
de povos do Nordeste e do Centro-Sul que não
falam mais a língua em decorrência
de séculos de contato com não-índios
e de povos que não ficam estáticos
em suas terras, citando particularmente os Guarani.
Já Daniel Munduruku sugeriu, assim como diversos
participantes do evento, que as inovações
da convenção sejam levadas às
bases, às comunidades indígenas.
Direitos
trabalhistas e os povos indígenas
Último painel
do primeiro dia, O direito trabalhista e os povos
indígenas à luz da Convenção
169foi um dos que despertou grande interesse entre
os participantes. A razão é simples:
pouco se divulga sobre a questão da utilização
da mão-de-obra indígena por parte
de empregadores não-indígenas e mesmo
indígenas, seja na área rural ou urbana.
Esse item encontra-se na parte III do texto da Convenção
169, denominada Contratação e Condições
de Emprego.
Maria Aparecida Gurgel, subprocuradora do Ministério
Público Federal do Trabalho, foi a palestrante,
que contou com Cícero Rufino Pereira, Procurador
do Ministério Público do Trabalho
de Mato Grosso do Sul e Wilson Matos, advogado Guarani-Kaiowá,
como debatedores.
“Na parte que diz respeito ao trabalho, essa convenção
não traz absolutamente nada de novo”, acredita
a palestrante. Em sua opinião já existem
no país leis passíveis de serem utilizadas
em defesa dos direitos trabalhistas dos povos indígenas,
que vêm sendo adotadas por outros grupos.
“Para que a gente promova a verdadeira inclusão
social dos povos indígenas, a vontade política
está na medida exata da nossa organização,
da demanda que fizermos para que consigamos a inclusão
social, pois o caminho já existe."
Ela recomenda que seja promovida pressão
social para que essas medidas sejam colocadas em
prática, além de sugerir que sejam
apresentadas denúncias ao Ministério
Público de práticas discriminatórias.
O primeiro debatedor, Cícero Rufino Pereira,
relatou que o Estado de Mato Grosso do Sul possui
dez usinas de açúcar e álcool,
que usam quase que exclusivamente mão-de-obra
indígena no corte da safra da cana. Ele fez
um breve histórico lembrando que quando a
mão-de-obra indígena começou
a ser utilizada no estado, esse trabalho não
era remunerado. “Em 1992, uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) criada para investigar
trabalho infantil em carvoarias do Estado, acabou
chegando ao trabalho indígena nas lavouras
de cana”. O Mato Grosso do Sul, que possui a segunda
maior população indígena do
país – cerca de 50 mil – e aproximadamente
6 mil trabalhadores indígenas conviveu durante
30 anos com indígenas trabalhando em regime
de semi-escravidão nas usinas de açúcar
e álcool.
Essa situação começou a ser
revista em 1992, quando foi criada uma comissão
permanente de fiscalização e investigação
das condições de trabalho do Mato
Grosso do Sul. Em consequência disso, foi
estabelecido um pacto social com diversas entidades,
lideranças indígenas, caciques, Ministério
Público do Trabalho, INSS, governo do estado,
sociedade civil organizada, sindicatos, entre outros,
que estabeleceu o “contrato de equipe” para os trabalhadores
indígenas em usinas de açúcar
e álcool. O contrato de equipe é um
mecanismo previsto no Estatuto do Índio,
que determina respeito às peculiaridades
dos trabalhadores indígenas, que um líder
indígena seja o representante dos trabalhadores
com o empregador, estabelecendo que esse contrato
tenha o prazo máximo de 60 dias, determinando
ainda condições mínimas de
alojamento e alimentação, entre outros
pontos, e não admitindo que o trabalhador
indígena manuseie defensivos agrícolas
para evitar contaminação. Este último
ponto, aliás, é citado na Convenção
169.
Apesar de a comissão permanente viajar periodicamente
às usinas do Estado para verificar as condições
de trabalho dos indígenas, Rufino admite
que, hoje em dia, falta uma fiscalização
mais efetiva do Estado, que precisa de mais fiscais.
Ele citou que só na cidade de Amambai, há
800 novas ações de trabalhadores indígenas
que ingressaram na Justiça do Trabalho reclamando
seus direitos. Pior do que isso, as reclamações
trabalhistas dos indígenas apresentadas nos
últimos anos vêm sendo apelidadas de
“indústria de reclamação indígena”
pelos usineiros, que não estão querendo
rever o pacto social ameaçando substituir
a mão-de-obra indígena por trabalhadores
de Minas Gerais e do Nordeste.
Hoje filósofo e cursando o último
ano de Direito, o guarani-kaiowáa Wilson
Mattos, que foi cortador de cana por 16 anos, relatou
ao público as condições de
trabalho que teve de enfrentar, como se locomover
em caminhões destinados exclusivamente para
transportar cana-de-açúcar, o que
provocava diversos acidentes, mais especificamente
mutilações com os facões utilizados
nas lavouras. “Essas usinas se tornaram ricas, potentes,
e o nosso povo continua desastradamente nas estradas,
às margens, vendendo seus artesanatos, cada
vez mais pobre e sem terra. Há prostituição
infantil, há suicídio, toda a sorte
de malefícios”, desabafou.
Mattos também reproduziu uma reivindicação
que apresentou durante uma audiência pública
em Dourados e ainda sem desdobramento de que seja
instalada uma delegacia especializada do índio
no município, onde segundo ele existem 10,2
mil índios vivendo à margem do perímetro
urbano da cidade em condições subhumanas.
Nesta quarta-feira (20/8), será realizada
a primeira audiência trabalhista em uma terra
indígena. A audiência ocorrerá
na aldeia Jagupiru, localizada próxima a
Dourados, parte de uma série que ocorrerá
no local para tratar das ações ajuizadas
por indígenas contra empresários de
usinas de álcool e açúcar.
"Além de despertar os índios
para seus direitos, até então desconhecidos
pela maioria, a expectativa é que as visitas
às aldeias levem aos juízes um maior
conhecimento da realidade do trabalho indígena",
afirmou Vantuil Abdala, presidente em exercício
do Tribunal Superior do Trabalho, em nota produzida
pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Direitos
territoriais e a Convenção 169
Para abrir o painel
do segundo dia - Direitos Indígenas e Mecanismos
de Implementação da Convenção
169 -, Azelene Kaingang, presidente do Warã
Instituto Indígena Brasileiro; Sérgio
Leitão, advogado e sócio-fundador
do ISA; e Domingos Barreto, da diretoria da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn) falaram sobre Direitos Territoriais:
Propriedade, Posse, Remoção Forçada
e Soberania à luz da Convenção
169.
Em relação à questão
da soberania, Azelene reclamou sobre a presença
do Exército em Terras Indígenas. Além
disso, ela afirmou que o Brasil deve repensar como
os índios podem utilizar e usufruir da terra,
revendo os conceitos de ocupação e
desenvolvimento das TIs. A presidente do Warã
sugeriu também que os índios sejam
compensados pelos serviços ambientais que
realizam em suas áreas.
Para Sérgio Leitão, o debate entre
legislação interna e externa está
superado porque a convenção deve ser
considerada como lei. No que diz respeito à
questão de terras, os impactos do acordo
internacional são enormes, principalmente
porque este é um ponto de tensão em
qualquer governo e, particularmente neste momento,
diversos governadores estão pedindo a moratória
nos procedimentos de demarcação de
Terras Indígenas. Ele alerta que os projetos
de infra-estrutura previstos pelo governo vão
afetar TIs e vai ter problemas, principalmente na
Amazônia.
Peru: direito
territorial e mecanismo de consulta
Lorenso Ccapa Helachoqque,
representante da Confederación Campesina
del Péru, apresentou o primeiro estudo de
caso internacional, relacionado à lei peruana
de titulação de terras indígenas,
direito de consulta e respeito a direitos originários.
Helachoqque falou a respeito do questionamento que
a Confederación Campesina del Péru
apresentou à OIT em função
da aprovação de uma lei que possibilitava
a arrecadação pelo Estado de áreas
de terras indígenas que fossem consideradas
subutilizadas para fins de agricultura, com posterior
redistribuição a pessoas interessadas
em trabalhar nesses locais, o que representava uma
ameaça aos territórios indígenas.
O advogado Fernando Baptista, assessor do Programa
de Política e Direito Socioambiental (PPDS)
do ISA, e um dos debatedores, explicou que a confederação
entrou com a reclamação na OIT por
conta da observância do princípio da
coletividade do direito territorial que está
estabelecido na convenção. Ele comentou
que outro questionamento em relação
à lei é que estabelecia que todo e
qualquer conflito que surgisse seria resolvido por
um regime arbitral, impedindo o acesso dos indígenas
à Justiça.
Helachoqque explicou que a OIT tem prestado um papel
importante em recomendações aos diferentes
governos do Peru, embora tenha havido choques entre
o que recomenda e as ações governamentais.
“O governo não tem acolhido as recomendações
da OIT no que diz respeito a identificação
de terras, assim como tem desrespeitado a própria
Constituição peruana.”
O representante da Confederación Campesina
del Péru destacou ainda que um dos fatores
importantes na luta da identidade e defesa dos direitos
indígenas foi fazer aliança com os
movimentos sociais e o movimento sindical, porque
o movimento indígena sozinho não tinha
como reivindicar seus direitos frente ao Estado.
Ele acha determinante a construção
de organizações políticas fortes,
sendo para isso imprescindível um trabalho
de capacitação, educação
e formação política.
Baptista relativizou a efetividade das observações
da OIT, uma vez que só se desdobram em resultado
se houver pressão social muito forte, porque,
do contrário, não há nada que
a agência multilaterial da ONU possa fazer.
Aliás, o fato da apresentação
de denúncias à OIT estar restrita
apenas a associações de trabalhadores
ou de empregadores foi outro ponto abordado, pois
dificulta o acesso dos povos indígenas a
esse instrumento. No fim do evento, José
Carlos Pereira, diretor adjunto da OIT, informou
que a organização está estudando
como solucionar a questão.
Gestão
territorial e usufruto dos recursos naturais
“As Terras Indígenas
(TIs) ocupam hoje 12% do território nacional
e, deste total, mais de 95% está conservado.
Nós somos detentores de um potencial de recursos
naturais imensurável e queremos conhecer
o que nós temos”, afirmou Escrawen Sompré,
engenheiro florestal e presidente da União
dos Povos e Organizações Indígenas
do Araguaia e Tocantins (Upiat), ao falar sobre
a grande dificuldade dos povos indígenas
em mensurar o potencial existente em TIs e a falta
de apoio para que possam desenvolver esse conhecimento.
Sompré foi o palestrante da discussão
sobre Gestão Territorial: Usufruto dos Recursos
Naturais e Proteção do Meio Ambiente
à luz da Convenção 169, que
teve como debatedores André Lima, coordenador-adjunto
do PPDS, e Pedro Garcia, representante da Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn).
Citando o artigo 25, que fala sobre a participação
dos índios no uso, administração
e conservação dos recursos naturais,
o engenheiro florestal relatou que só tem
restado aos povos indígenas brasileiros o
peso de conservar, sem que lhes sejam oferecidas
ao menos condições para fazê-lo.
“O governo exige que façamos conservação,
mas eu ainda não vi participação
no uso e, principalmente, na administração.”
Em relação ao procedimento de consulta,
ironiza: “Isso tem acontecido conosco, do Norte
ao Sul do país. Reúnem centenas de
índios, falam o que bem entendem e aí
dizem que fomos consultados. São consultas
apenas para ratificar aquilo que pensa quem está
no poder.”
Sompré encerrou alertando que em relação
à retomada das grandes obras de infra-estrutura
é necessário que os povos indígenas
tentem impedi-las, o que se mostra ser praticamente
impossível, ou tentem fazer a melhor negociação
possível, exigindo indenização
e compensação pelos danos causados
pelos empreendimentos e, além disso, participação
nos lucros.
André Lima falou principalmente sobre a necessidade
de proteção do entorno das TIs. “A
lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação)
criou uma figura chamada zona de amortecimento e
essa zona de amortecimento se presta a dar a mesma
proporção às Unidades de Conservação
(Ucs). Se a lei prevê a necessidade de se
estabelecer um mecanismo de proteção
ao entorno das Ucs, por que não estabelecer
um mecanismo para as TIs?”
Lima citou a devastação que avança
sobre o entorno do Parque Indígena do Xingu,
onde praticamente todas as nascentes do Rio Xingu
estão fora do parque, e a qualidade da água
já começa a ficar comprometida por
produtos químicos e agrotóxicos utilizados
em fazendas da região.
Outro ponto levantado pelo advogado diz respeito
à capacitação indígena.
O advogado defendeu o acesso dos indígenas
e de populações tradicionais aos conhecimentos
não-tradicionais para que possam trabalhar
no desenvolvimento de alternativas econômicas
em suas terras a partir do uso sustentável
dos recursos naturais. “Precisamos ter 'cientistas'
indígenas aprofundando levantamentos, fazendo
estudos, identificando os potenciais econômicos
desses recursos.”
Equador:
burlando o mecanismo de consulta
A advogada Isabela
Figueroa, coordenadora do Programa de Direito da
Rainforest Foundation/US, apresentou o estudo de
caso do Equador, que envolve a exploração
de recursos em terras indígenas, direito
de consulta e participação. A mesa
também foi integrada por Joênia Wapichana,
advogada do Conselho Indígena de Roraima
(CIR); e Bonifácio José Baniwa, presidente
da Fundação Estadual de Política
Indigenista (FEPI).
Em janeiro de 2000, a Confederación Ecuatoriana
de Organizaciones Sindicales Libres, representando
a Federación Independiente del Pueblo Shuar
de Ecuador (FIPSE), recorreu à OIT contra
contrato firmado entre o governo e a Companhia Arco
Oriente para a exploração de recursos
no subsolo de uma terra indígena dos Shuar,
que tenham sido informados ou consultados.
A OIT recomendou que o governo equatoriano aplicasse
plenamente o artigo 15 da convenção,
que trata consultas prévias em caso da exploração
de recursos naturais que afetem populações
indígenas. Recomendou também que buscasse
soluções aos problemas que afetem
o povo Shuar por conta dessas atividades e que se
dirigisse às organizações representativas,
inclusive à FIPSE, e permitisse às
partes interessadas estabelecer um diálogo
construtivo.
Segundo Isabela, como desdobramento, as próprias
companhias petrolíferas começaram
a pressionar o governo equatoriano a elaborar uma
lei de consulta. Para discutir sua elaboração,
o governo convidou as empresas e os povos indígenas,
que decidiram abandonar o processo, pois não
concordavam com a participação das
petrolíferas. Apesar de ter sua legitimidade
questionada pelos índios, a proposta de regulamento
de consulta foi decretada pelo governo e está
vigente no país.
Precisamos
de um novo Estatuto do Índio?
A mesa de encerramento
foi composta por Márcio Santilli, coordenador
do Programa de Política e Direito Socioambiental
(PPDS) do ISA; Fernando Dantas, procurador geral
da Fundação Nacional do Índio
(Funai); André Lima, coordenador-adjunto
do PPDS; e José Carlos Pereira, diretor-adjunto
da OIT n o Brasil.
“Diante da vigência da Convenção
169, ainda faz sentido para o movimento indígena
e para as organizações de apoio investirem
em uma lei tal como o Estatuto dos Povos Indígenas?”,
questionou Santilli. “Nós tínhamos
e temos boas razões para defender um estatuto,
uma lei geral. A gente sempre imaginou que por esse
caminho pudéssemos dar um pouco mais de coerência
à legislação infraconstitucional,
fazendo com que o tratamento das várias interfaces
dos direitos indígenas fossem dados a partir
de certos conceitos comuns. Creio, entretanto, que
chegou a hora da gente refletir um pouco sobre o
que significa a promulgação da convenção
dentro do ordenamento jurídico brasileiro.”
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristina Fontes