Panorama
 
 
 

CONVENÇÃO 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO DISCUTE QUESTÃO INDÍGENA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2003

Com a recente entrada em vigor no país deste instrumento internacional, o Instituto Socioambiental (ISA), o Warã Instituto Indígena Brasileiro e a Rainforest Foundation/US promoveram na última semana um seminário para discutir as novas bases do direito indígena no Brasil, assim como apresentar experiências relacionadas à aplicação deste acordo no Peru e no Equador.
Um público de 170 pessoas esteve reunido no auditório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Brasília nos dias 11 e 12/8 para participar do seminário A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho: experiências internacionais e as novas bases do direito indígena no Brasil, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), Warã Instituto Indígena Brasileiro e Rainforest Foundation/US, com o apoio da OIT, da Indian Law Resource Centre e da Oxfam. Entre os presentes, representantes indígenas de diversas etnias - Xavante, Wapichana, Terena, Tremembé, Tukano, Baniwa, Tariano, Kaingang, Guarani,Sateré-Mawé, Krikati, Munduruku, Karajá, Apurinã, Mayoruna, Fulniô, Baré e Xerente.
Christian Ramos Veloz, especialista em Normas Internacionais de Trabalho e Assuntos Indígenas da OIT, deu início ao primeiro painel do seminário, intitulado A OIT, os instrumentos de Direito Internacional e a Convenção 169 e também composto por Ana Valéria Araújo, diretora-executiva da Rainforest Foudantion/US, e Jorge Terena, assessor da Fundação Estadual de Política Indígenista do Amazonas (FEPI).
Veloz abriu a sua fala explicando a origem da relação da OIT com questões indígenas. Para isso, remeteu o público ao início do século passado, quando começaram a surgir, segundo ele, problemas com trabalhadores nativos em certos países em descolonização, citando como exemplo as condições abusivas de trabalho nas plantações de açúcar na América Latina.
Em seguida, explicou detalhadamente o processo que resultou na aprovação em 1989 da Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, conhecida como Convenção 169, que entrou em vigor no Brasil no dia 25/7. A Convenção 169 revisou a Convenção sobre Populações Indígenas e Tribais em Países Independentes - Convenção 107, que foi ratificada por 27 países, entre os quais o Brasil, muito criticada por ter sido elaborada sem a participação dos povos indígenas, além de ser considerado um instrumento voltado à integração dos povos indígenas.
O representante da OIT passou então a comentar as principais diferenças entre os dois acordos e os principais avanços da Convenção 169. Abordou inicialmente a polêmica causada para que fosse aceita a adoção da palavra povo em substituição a população. “Povo tem identidade cultural, tem coerência social, tem tradição; população dá idéia de algo passageiro, não?”, questiona. Segundo Veloz, muitos países, como o Peru e Brasil, temiam que a adoção da terminologia implicasse na aceitação da autodeterminação dos povos. Neste sentido, o departamento jurídico da OIT esclareceu que a convenção garante direitos econômicos, sociais e culturais, mas definiu a autodeterminação como um critério político que foge às competências da organização.
A questão da terra foi outro ponto segundo ele bastante controverso, que gerou a criação de um Grupo de Trabalho específico e a preparação de um texto de consenso, assim como o que define os conceitos do processo de consulta para a exploração de recursos naturais em terras indígenas. De acordo com Veloz, esse mecanismo já teve desdobramento positivo em locais como Groenlândia, Noruega e Dinamarca, onde nenhuma exploração mineral no subsolo pode ser feita sem o consentimento e gerência dos povos indígenas.
Ele explicou ainda que a OIT conta com mecanismos de supervisão da adoção das convenções, por meio da produção de relatórios anuais por peritos internacionais, onde são colocadas observações sobre sua aplicação ou violação nos países onde foram ratificadas. Os governos que não cumprem as convenções podem ser chamados a dar explicações a essa comissão tripartite nas conferências anuais da organização, onde são escolhidas as observações mais graves.
Em sua opinião, o Brasil foi chamado diversas vezes a dar explicações; a última vez foi em 1999. O primeiro relatório sobre a aplicação da Convenção 169 no país deverá ser entregue entre junho e setembro de 2004.

“Motor de avanço do direito interno”

A advogada Ana Valéria Araújo considera que o maior benefício da Convenção OIT 169 foi ter consolidado um instrumento de padrões mínimos de direitos coletivos internacionais dos povos indígenas. Para a diretora-executiva da Rainforest Foundation/US, o direito internacional não só cria oportunidades internacionais de reivindicações de direitos, mas também é um motor de avanço do direito interno no país. “Ao entrar em vigor no Brasil, ela não só passa a ser lei interna e portanto passível de ser utilizada em nossos tribunais, como abre a possibilidade de ser utilizada em fóruns internacionais para a discussão de um eventual direito que não esteja sendo bem interpretado ou violado”, afirmou.
Ela discorda da opinião de pessoas que dizem que o acordo internacional não traz muita inovação para o país por contarmos com uma legislação avançada, citando como exemplo o artigo 6º, que trata do processo de consulta relacionada a medidas do Legislativo e do Executivo que afetem povos indígenas. “Diversos povos indígenas estão consultando a OIT no sentido de conseguir um apoio para a interpretação desse artigo porque essa é uma tremenda novidade. Se interpretada ao pé da letra, possibilita a participação ampla, geral e irrestrita dos povos indígenas em todas as discussões políticas que um determinado governo queira fazer.”

Tutela e auto-identificação

O segundo painel Impactos da Convenção 169: o que muda na legislação brasileira? teve a primeira parte voltada a discutir capacidade civil indígena, tutela e auto-identificação. O palestrante foi Carlos Frederico Marés, procurador geral do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e sócio fundador do ISA e teve como debatedores Henyo Barretto, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) e secretário da Associação Brasileira de Antropologia (ABA); Sérgio Sérvulo, chefe de gabinete do Ministério da Justiça; Vilmar Guarani, da Coordenação Geral da Defesa dos Direitos Indígenas da Funai; e o escritor Daniel Munduruku, autor de livros como Coisas de Índio e Sinal do Pajé.
De acordo com Marés, o Código Civil brasileiro de 1916, que estabelecia serem os indígenas relativamente capazes para os atos da vida civil, surgiu da lógica do século XIX, que preconizava que os povos indígenas deveriam deixar de existir para se integrar na comunhão nacional. Ele explica que a Constituição Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas a possibilidade de autodeterminação, uma vez que passaram a ter direito de continuar a ser povos indígenas, independentemente da possibilidade e da “querência” de que fossem integrados à sociedade brasileira.
“A partir disso, criou-se na sociedade brasileira a possibilidade de uma pluraculturalidade e de plurietnicidade”, afirmou, embora alertando que a maior parte do Estado acha que continua vigente a norma impositiva de integração.
Em relação à questão da auto-identificação, Marés declara que não é possível nem ao Estado brasileiro, nem a uma convenção internacional definir quem é outro. “Se deixássemos para a lei definir exatamente quem é o outro estaríamos anulando o conceito de outro. Isso significa que não é possível imaginar uma aceitação de pluralidade se não for aceita a idéia de auto-identificação”. Para ele, esse é um enigma mais ou menos claro de desvendar, pois só é possível reconhecer como povos aqueles que se dizem como tal e reconhecem determinados indivíduos como seus integrantes e vice-versa.
Sobre este tema, Henyo Barretto destaca um trecho do texto O Direito de Ser Índio e o seu Significado, da procuradora da República Débora Duprat: “a autonomia dos povos indígenas não se esgota no reconhecimento de um território no qual permaneça, nem tão pouco a ele se limita. O reconhecimento de seus usos, costumes e tradições evidencia que os índios enquanto grupos formadores da sociedade brasileira têm direito em suas relações com os demais segmentos constituintes desta nação de exigir observância aos seus modos de criar, fazer e viver e de fazer-lhes ver como a eles índios se representam os modos de criar, fazer e viver desta sociedade que integram de um modo diferenciado. Resulta desta análise que, a par de lhes reconhecer o direito a uma existência diferenciada, a Constituição outorgou aos próprios índios o direito a dizer em que consiste esta diferença.”
Barretto lembrou ainda que o ex-presidente da Funai, Eduardo Almeida, encaminhou à ABA um ofício no qual afirma que o órgão indigenista estaria a partir de então acatando o que preconiza a Convenção 169, que recomenda a auto-identificação como critério fundamental para o reconhecimento da identidade étnica de um grupo.
Para Vilmar Guarani, a auto-identificação é um tema importante considerando a diversidade do país, onde há desde índios isolados até os que estão vivendo em centros urbanos ou em aldeias próximas aos centros urbanos. Ele questiona o fato de algumas pessoas considerarem a língua e o território como critérios determinantes para a definição de povos indígenas, exemplificando casos de povos do Nordeste e do Centro-Sul que não falam mais a língua em decorrência de séculos de contato com não-índios e de povos que não ficam estáticos em suas terras, citando particularmente os Guarani. Já Daniel Munduruku sugeriu, assim como diversos participantes do evento, que as inovações da convenção sejam levadas às bases, às comunidades indígenas.

Direitos trabalhistas e os povos indígenas

Último painel do primeiro dia, O direito trabalhista e os povos indígenas à luz da Convenção 169foi um dos que despertou grande interesse entre os participantes. A razão é simples: pouco se divulga sobre a questão da utilização da mão-de-obra indígena por parte de empregadores não-indígenas e mesmo indígenas, seja na área rural ou urbana. Esse item encontra-se na parte III do texto da Convenção 169, denominada Contratação e Condições de Emprego.
Maria Aparecida Gurgel, subprocuradora do Ministério Público Federal do Trabalho, foi a palestrante, que contou com Cícero Rufino Pereira, Procurador do Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul e Wilson Matos, advogado Guarani-Kaiowá, como debatedores.
“Na parte que diz respeito ao trabalho, essa convenção não traz absolutamente nada de novo”, acredita a palestrante. Em sua opinião já existem no país leis passíveis de serem utilizadas em defesa dos direitos trabalhistas dos povos indígenas, que vêm sendo adotadas por outros grupos. “Para que a gente promova a verdadeira inclusão social dos povos indígenas, a vontade política está na medida exata da nossa organização, da demanda que fizermos para que consigamos a inclusão social, pois o caminho já existe."
Ela recomenda que seja promovida pressão social para que essas medidas sejam colocadas em prática, além de sugerir que sejam apresentadas denúncias ao Ministério Público de práticas discriminatórias.
O primeiro debatedor, Cícero Rufino Pereira, relatou que o Estado de Mato Grosso do Sul possui dez usinas de açúcar e álcool, que usam quase que exclusivamente mão-de-obra indígena no corte da safra da cana. Ele fez um breve histórico lembrando que quando a mão-de-obra indígena começou a ser utilizada no estado, esse trabalho não era remunerado. “Em 1992, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar trabalho infantil em carvoarias do Estado, acabou chegando ao trabalho indígena nas lavouras de cana”. O Mato Grosso do Sul, que possui a segunda maior população indígena do país – cerca de 50 mil – e aproximadamente 6 mil trabalhadores indígenas conviveu durante 30 anos com indígenas trabalhando em regime de semi-escravidão nas usinas de açúcar e álcool.
Essa situação começou a ser revista em 1992, quando foi criada uma comissão permanente de fiscalização e investigação das condições de trabalho do Mato Grosso do Sul. Em consequência disso, foi estabelecido um pacto social com diversas entidades, lideranças indígenas, caciques, Ministério Público do Trabalho, INSS, governo do estado, sociedade civil organizada, sindicatos, entre outros, que estabeleceu o “contrato de equipe” para os trabalhadores indígenas em usinas de açúcar e álcool. O contrato de equipe é um mecanismo previsto no Estatuto do Índio, que determina respeito às peculiaridades dos trabalhadores indígenas, que um líder indígena seja o representante dos trabalhadores com o empregador, estabelecendo que esse contrato tenha o prazo máximo de 60 dias, determinando ainda condições mínimas de alojamento e alimentação, entre outros pontos, e não admitindo que o trabalhador indígena manuseie defensivos agrícolas para evitar contaminação. Este último ponto, aliás, é citado na Convenção 169.
Apesar de a comissão permanente viajar periodicamente às usinas do Estado para verificar as condições de trabalho dos indígenas, Rufino admite que, hoje em dia, falta uma fiscalização mais efetiva do Estado, que precisa de mais fiscais. Ele citou que só na cidade de Amambai, há 800 novas ações de trabalhadores indígenas que ingressaram na Justiça do Trabalho reclamando seus direitos. Pior do que isso, as reclamações trabalhistas dos indígenas apresentadas nos últimos anos vêm sendo apelidadas de “indústria de reclamação indígena” pelos usineiros, que não estão querendo rever o pacto social ameaçando substituir a mão-de-obra indígena por trabalhadores de Minas Gerais e do Nordeste.
Hoje filósofo e cursando o último ano de Direito, o guarani-kaiowáa Wilson Mattos, que foi cortador de cana por 16 anos, relatou ao público as condições de trabalho que teve de enfrentar, como se locomover em caminhões destinados exclusivamente para transportar cana-de-açúcar, o que provocava diversos acidentes, mais especificamente mutilações com os facões utilizados nas lavouras. “Essas usinas se tornaram ricas, potentes, e o nosso povo continua desastradamente nas estradas, às margens, vendendo seus artesanatos, cada vez mais pobre e sem terra. Há prostituição infantil, há suicídio, toda a sorte de malefícios”, desabafou.
Mattos também reproduziu uma reivindicação que apresentou durante uma audiência pública em Dourados e ainda sem desdobramento de que seja instalada uma delegacia especializada do índio no município, onde segundo ele existem 10,2 mil índios vivendo à margem do perímetro urbano da cidade em condições subhumanas.
Nesta quarta-feira (20/8), será realizada a primeira audiência trabalhista em uma terra indígena. A audiência ocorrerá na aldeia Jagupiru, localizada próxima a Dourados, parte de uma série que ocorrerá no local para tratar das ações ajuizadas por indígenas contra empresários de usinas de álcool e açúcar. "Além de despertar os índios para seus direitos, até então desconhecidos pela maioria, a expectativa é que as visitas às aldeias levem aos juízes um maior conhecimento da realidade do trabalho indígena", afirmou Vantuil Abdala, presidente em exercício do Tribunal Superior do Trabalho, em nota produzida pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Direitos territoriais e a Convenção 169

Para abrir o painel do segundo dia - Direitos Indígenas e Mecanismos de Implementação da Convenção 169 -, Azelene Kaingang, presidente do Warã Instituto Indígena Brasileiro; Sérgio Leitão, advogado e sócio-fundador do ISA; e Domingos Barreto, da diretoria da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) falaram sobre Direitos Territoriais: Propriedade, Posse, Remoção Forçada e Soberania à luz da Convenção 169.
Em relação à questão da soberania, Azelene reclamou sobre a presença do Exército em Terras Indígenas. Além disso, ela afirmou que o Brasil deve repensar como os índios podem utilizar e usufruir da terra, revendo os conceitos de ocupação e desenvolvimento das TIs. A presidente do Warã sugeriu também que os índios sejam compensados pelos serviços ambientais que realizam em suas áreas.
Para Sérgio Leitão, o debate entre legislação interna e externa está superado porque a convenção deve ser considerada como lei. No que diz respeito à questão de terras, os impactos do acordo internacional são enormes, principalmente porque este é um ponto de tensão em qualquer governo e, particularmente neste momento, diversos governadores estão pedindo a moratória nos procedimentos de demarcação de Terras Indígenas. Ele alerta que os projetos de infra-estrutura previstos pelo governo vão afetar TIs e vai ter problemas, principalmente na Amazônia.

Peru: direito territorial e mecanismo de consulta

Lorenso Ccapa Helachoqque, representante da Confederación Campesina del Péru, apresentou o primeiro estudo de caso internacional, relacionado à lei peruana de titulação de terras indígenas, direito de consulta e respeito a direitos originários.
Helachoqque falou a respeito do questionamento que a Confederación Campesina del Péru apresentou à OIT em função da aprovação de uma lei que possibilitava a arrecadação pelo Estado de áreas de terras indígenas que fossem consideradas subutilizadas para fins de agricultura, com posterior redistribuição a pessoas interessadas em trabalhar nesses locais, o que representava uma ameaça aos territórios indígenas.
O advogado Fernando Baptista, assessor do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA, e um dos debatedores, explicou que a confederação entrou com a reclamação na OIT por conta da observância do princípio da coletividade do direito territorial que está estabelecido na convenção. Ele comentou que outro questionamento em relação à lei é que estabelecia que todo e qualquer conflito que surgisse seria resolvido por um regime arbitral, impedindo o acesso dos indígenas à Justiça.
Helachoqque explicou que a OIT tem prestado um papel importante em recomendações aos diferentes governos do Peru, embora tenha havido choques entre o que recomenda e as ações governamentais. “O governo não tem acolhido as recomendações da OIT no que diz respeito a identificação de terras, assim como tem desrespeitado a própria Constituição peruana.”
O representante da Confederación Campesina del Péru destacou ainda que um dos fatores importantes na luta da identidade e defesa dos direitos indígenas foi fazer aliança com os movimentos sociais e o movimento sindical, porque o movimento indígena sozinho não tinha como reivindicar seus direitos frente ao Estado. Ele acha determinante a construção de organizações políticas fortes, sendo para isso imprescindível um trabalho de capacitação, educação e formação política.
Baptista relativizou a efetividade das observações da OIT, uma vez que só se desdobram em resultado se houver pressão social muito forte, porque, do contrário, não há nada que a agência multilaterial da ONU possa fazer. Aliás, o fato da apresentação de denúncias à OIT estar restrita apenas a associações de trabalhadores ou de empregadores foi outro ponto abordado, pois dificulta o acesso dos povos indígenas a esse instrumento. No fim do evento, José Carlos Pereira, diretor adjunto da OIT, informou que a organização está estudando como solucionar a questão.

Gestão territorial e usufruto dos recursos naturais

“As Terras Indígenas (TIs) ocupam hoje 12% do território nacional e, deste total, mais de 95% está conservado. Nós somos detentores de um potencial de recursos naturais imensurável e queremos conhecer o que nós temos”, afirmou Escrawen Sompré, engenheiro florestal e presidente da União dos Povos e Organizações Indígenas do Araguaia e Tocantins (Upiat), ao falar sobre a grande dificuldade dos povos indígenas em mensurar o potencial existente em TIs e a falta de apoio para que possam desenvolver esse conhecimento.
Sompré foi o palestrante da discussão sobre Gestão Territorial: Usufruto dos Recursos Naturais e Proteção do Meio Ambiente à luz da Convenção 169, que teve como debatedores André Lima, coordenador-adjunto do PPDS, e Pedro Garcia, representante da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Citando o artigo 25, que fala sobre a participação dos índios no uso, administração e conservação dos recursos naturais, o engenheiro florestal relatou que só tem restado aos povos indígenas brasileiros o peso de conservar, sem que lhes sejam oferecidas ao menos condições para fazê-lo. “O governo exige que façamos conservação, mas eu ainda não vi participação no uso e, principalmente, na administração.”
Em relação ao procedimento de consulta, ironiza: “Isso tem acontecido conosco, do Norte ao Sul do país. Reúnem centenas de índios, falam o que bem entendem e aí dizem que fomos consultados. São consultas apenas para ratificar aquilo que pensa quem está no poder.”
Sompré encerrou alertando que em relação à retomada das grandes obras de infra-estrutura é necessário que os povos indígenas tentem impedi-las, o que se mostra ser praticamente impossível, ou tentem fazer a melhor negociação possível, exigindo indenização e compensação pelos danos causados pelos empreendimentos e, além disso, participação nos lucros.
André Lima falou principalmente sobre a necessidade de proteção do entorno das TIs. “A lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) criou uma figura chamada zona de amortecimento e essa zona de amortecimento se presta a dar a mesma proporção às Unidades de Conservação (Ucs). Se a lei prevê a necessidade de se estabelecer um mecanismo de proteção ao entorno das Ucs, por que não estabelecer um mecanismo para as TIs?”
Lima citou a devastação que avança sobre o entorno do Parque Indígena do Xingu, onde praticamente todas as nascentes do Rio Xingu estão fora do parque, e a qualidade da água já começa a ficar comprometida por produtos químicos e agrotóxicos utilizados em fazendas da região.
Outro ponto levantado pelo advogado diz respeito à capacitação indígena. O advogado defendeu o acesso dos indígenas e de populações tradicionais aos conhecimentos não-tradicionais para que possam trabalhar no desenvolvimento de alternativas econômicas em suas terras a partir do uso sustentável dos recursos naturais. “Precisamos ter 'cientistas' indígenas aprofundando levantamentos, fazendo estudos, identificando os potenciais econômicos desses recursos.”

Equador: burlando o mecanismo de consulta

A advogada Isabela Figueroa, coordenadora do Programa de Direito da Rainforest Foundation/US, apresentou o estudo de caso do Equador, que envolve a exploração de recursos em terras indígenas, direito de consulta e participação. A mesa também foi integrada por Joênia Wapichana, advogada do Conselho Indígena de Roraima (CIR); e Bonifácio José Baniwa, presidente da Fundação Estadual de Política Indigenista (FEPI).
Em janeiro de 2000, a Confederación Ecuatoriana de Organizaciones Sindicales Libres, representando a Federación Independiente del Pueblo Shuar de Ecuador (FIPSE), recorreu à OIT contra contrato firmado entre o governo e a Companhia Arco Oriente para a exploração de recursos no subsolo de uma terra indígena dos Shuar, que tenham sido informados ou consultados.
A OIT recomendou que o governo equatoriano aplicasse plenamente o artigo 15 da convenção, que trata consultas prévias em caso da exploração de recursos naturais que afetem populações indígenas. Recomendou também que buscasse soluções aos problemas que afetem o povo Shuar por conta dessas atividades e que se dirigisse às organizações representativas, inclusive à FIPSE, e permitisse às partes interessadas estabelecer um diálogo construtivo.
Segundo Isabela, como desdobramento, as próprias companhias petrolíferas começaram a pressionar o governo equatoriano a elaborar uma lei de consulta. Para discutir sua elaboração, o governo convidou as empresas e os povos indígenas, que decidiram abandonar o processo, pois não concordavam com a participação das petrolíferas. Apesar de ter sua legitimidade questionada pelos índios, a proposta de regulamento de consulta foi decretada pelo governo e está vigente no país.

Precisamos de um novo Estatuto do Índio?

A mesa de encerramento foi composta por Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA; Fernando Dantas, procurador geral da Fundação Nacional do Índio (Funai); André Lima, coordenador-adjunto do PPDS; e José Carlos Pereira, diretor-adjunto da OIT n o Brasil.
“Diante da vigência da Convenção 169, ainda faz sentido para o movimento indígena e para as organizações de apoio investirem em uma lei tal como o Estatuto dos Povos Indígenas?”, questionou Santilli. “Nós tínhamos e temos boas razões para defender um estatuto, uma lei geral. A gente sempre imaginou que por esse caminho pudéssemos dar um pouco mais de coerência à legislação infraconstitucional, fazendo com que o tratamento das várias interfaces dos direitos indígenas fossem dados a partir de certos conceitos comuns. Creio, entretanto, que chegou a hora da gente refletir um pouco sobre o que significa a promulgação da convenção dentro do ordenamento jurídico brasileiro.”

Fonte: ISA – Instituto Sócio Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristina Fontes

 
 
 
 

 

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