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MUSEU DA
IMAGEM E DO SOM (SP) REABRE
COM EXPOSIÇÃO DO FOTÓGRAFO
QUE ACOMPANHOU OS IRMÃOS VILLAS BÔAS
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2003
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Após pouco
mais de um ano e meio fechado para reformas, o MIS
paulista volta com uma exposição de
imagens do fotógrafo franco-brasileiro, que
acompanhou os irmãos Villas Bôas, indigenistas,
trabalhando de 1952 a 1957 para O Cruzeiro, um marco
na história da revista no Brasil.
Em cerimônia de abertura na qual estavam presentes
o novo diretor do museu, Amir Labak, a secretária
da cultura do estado, Cláudia Costin, e o
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
o Museu da Imagem e do Som (MIS) reabriu suas portas,
fechadas desde dezembro de 2001. Como destaque,
foi escolhida a mostra Nas lentes de "O Cruzeiro":
os dois Brasis de Henri Ballot, um conjunto de imagens
do fotógrafo tiradas para a revista O Cruzeiro
durante as décadas de 50 e 60, época
em que o Brasil buscava se industrializar, ao mesmo
tempo em que tentava desbravar o centro-oeste desconhecido.
“Foi um acidente feliz”, diz Eduardo Castanho, um
dos curadores da exposição junto com
a pesquisadora Helouise Costa. “A idéia fundamental
era que a reinauguração tinha de ser
pontuada com um evento de importância e que
compartilhasse com o público paulista o que
o museu tem em seu acervo. Talvez por acidente,
esse [as fotos de Ballot] foi um dos primeiros materiais
a serem pinçados na nossa pesquisa e a gente
percebeu que ele tinha muita chance de ser curado
para se tornar uma boa exposição”,
conta Castanho. As imagens fazem parte das cerca
de 800 doadas recentemente ao MIS por Veronique
Ballot, filha de Henri, morto em 1997. Ela também
doou cópias do acervo ao Instituto Socioambiental.
Separadas em duas partes – São Paulo e Alto
Xingu -, as fotos retratam bem a dualidade do Brasil
daquela época. “Os índios eram vistos
dentro daquele ponto de vista do Brasil do passado
e a possibilidade do futuro, que eram as metrópoles
- esse era o paradigma que a revista lançava
para o grande público”, avalia o curador.
“O Cruzeiro tinha essa forma de enxergar o Brasil,
como o país do futuro, mas, que ao mesmo
tempo, tinha um passado nos indígenas, que
era o passado primitivo, ainda intocado do selvagem.
O índio era visto como essa coisa diferente,
essa coisa inusitada, enquanto o Brasil moderno
era a potência, a pujança industrial,
tendo principalmente São Paulo como ícone
da modernidade, da grande metrópole”, analisa.
As fotografias do Alto Xingu foram tiradas entre
1952 e 1957, anos em que Henri Ballot acompanhou
a expedição dos irmãos Orlando,
Cláudio e Leonardo Villas-Bôas pela
região do Diauarum, no coração
do que em 1961 se tornaria o Parque Nacional do
Xingu (hoje Parque Indígena do Xingu), por
meio de um decreto do então presidente Jânio
Quadros. Naquela época, a Constituição
de 1946, do governo Eurico Gaspar Dutra, não
apresentava grandes mudanças em relação
às anteriores na questão indígena:
os índios estavam sob a tutela do Estado,
que tinha a missão de ‘pacificá-los’,
e eram representados pelo Serviço de Proteção
ao Índio (SPI), criado em 1910. No ano de
1954, o órgão já sofria sérias
acusações de corrupção
e de uso político, enquanto, no Mato Grosso,
a legislação permitia ao governo doar
até 9.999 hectares sem considerar a presença
de índios na área – e era isso que
estava acontecendo, com a venda de lotes indígenas
aos brancos (o SPI seria extinto no meio dos anos
60, já sob o regime dos militares, para a
criação da Fundação
Nacional do Índio).
O Cruzeiro
Neste sentido, o
papel da revista semanal O Cruzeiro, fundada em
1928, foi fundamental para a criação
de uma consciência política sobre o
tema. “Eu acho que a importância do Cruzeiro
foi tão grande quanto o é, guardadas
as proporções, a Rede Globo hoje:
a dimensão do que ele representava, onde
ele ia...”, conta-nos Juvenal Pereira, repórter
fotográfico durante a fase final da revista,
que seria fechada em 1978. Durante os anos de 1971
a 1974, Juvenal fez dupla de reportagem com o mineiro
e então repórter Fernando Brant. Acompanhou
assim o surgimento do célebre Clube da Esquina,
formado pelo cantor Milton Nascimento, o próprio
Brant, que era compositor, e outros cantores e compositores
mineiros.
É difícil para as novas gerações
entenderem a influência de uma publicação
que, na década de 50, abrangia vários
países da América Latina. A televisão
ainda dava os primeiros passos, com dois ou três
programas por dia, enquanto as ofertas de banca
se restringiam às revistas Cruzeiro, Manchete
e Fatos e Fotos. “As pessoas esperavam O Cruzeiro
para ter assunto”, diz Juvenal. “A revista chegava
nos lugares mais distantes do país e aí
as pessoas começavam a ter assunto, porque
as informações eram via rádio
ou revista, e O Cruzeiro era a revista que preenchia
esse espaço da informação visual.
Talvez tenha tido a mesma importância que
as norte-americanas Time Life, National Geographic.
E reunia uma equipe de ouro no jornalismo brasileiro”.
É a partir desta referência que o jornalismo
mudou de cara, como vê o curador Eduardo Castanho.
“Com esse perfil, que era uma fábrica de
fotografia, no sentido de capacidade de produção,
criou-se uma maneira de ver, um estilo. A partir
de O Cruzeiro, o fotojornalista se tornou mais exigente,
ele tinha uma referência que dava um ponto
de qualidade, dava uma maneira nova de fazer, de
olhar e de falar a notícia, porque antes
disso era o quê? Só texto, texto, texto”.
Um xavante
na reabertura do museu
Siridiwê Xavante
é presidente do Instituto de Desenvolvimento
das Tradições Indígenas (Ideti),
com sede na Rua da Glória, 474, em São
Paulo. Durante a cerimônia de abertura do
MIS e da exposição, ele era o único
indígena presente.
ISA -
O que você achou da exposição?
O lado da fotografia é muito importante porque,
antes de toda a inserção, nós
com a nossa pureza, encontramos os materiais da
cidade. Então, esse material de imagens do
fotógrafo é muito rico. Esse pessoal
mais velho, que hoje estão lá, ou
já foram, os seus próprios netos ou
familiares, quando um dia souberem, com certeza
vão ficar felizes. Agora, eu fico chateado
é o texto [das reportagens]. Porque naquela
época são assim, meio ironizado, meio
forte o texto sobre a gente. Não teve essa
preocupação, de pensar a longo prazo,
para dar a expressão de respeito. Tanto é
que, por causa desse texto, em todos os níveis,
nas escolas, nos jornais, televisão, tem
essa carga negativa sobre a questão indígena.
ISA –
Mas isso não está mudando?
Falta muito, muito, muito. Só para ter um
exemplo, são 40 anos de educação,
que é o papel do MEC, então, alguns
poucos que escrevem um livro didático, paradidático,
têm essa sensibilidade, mas na maior parte
ainda não há essa modificação.
Então, se você pega livro didático,
livros sociais, história do Brasil ainda
tem aquele pretérito passado “usavam”, “cantavam”,
“índio”, e alguns têm essa sensibilidade
e falam “povo nativo”, “cantam”, “fazem”, que é
uma cerimônia que ainda continua... É
pouco. Falta muito para organizar para que haja
um bom olhar, respeitoso.
ISA –
Por que você acha que os índios não
vieram aqui?
Distância de contato. Que seria legal, convidar
uns indígenas para poder ver. Se o órgão
público se preocupasse com a questão
indígena, porque em São Paulo também
tem a questão indígena, são
os Guarani. Para as pessoas, índio, entre
aspas, é Amazônia, é Parque
do Xingu, sabendo que aqui tem Guarani... Esquece,
né? Então falta de conhecimento. O
Guarani está aí, podia vir para ver
essas imagens, para participar de um acontecimento
da cidade de São Paulo e... eu vim porque
eu estou acompanhando o que está acontecendo.
Legal, acho bonito, estou fazendo o meu papel e
representando também as nossas forças.
ISA –
O que faz o Ideti?
O Ideti foi criado em 1999 com a proposta de divulgar,
promover a cultura indígena, resgatar, proteger
a nossa cultura. Então ele é formado
por núcleo de diretores indígenas
Xavante, Kashinawá, Krenak, Guarani, Karajá....
Esse núcleo vai dar representatividade do
que o Brasil tem. Só nós mesmos podemos
fazer o pensamento dos nossos mais velhos. Através
da música, fazer um cd é uma coisa
direta. Não o que o branco está fazendo
sobre a gente. Então, o instituto dá
a possibilidade para que haja expressões
de conhecimento, através do livro, música,
palestra... Tem esse objetivo, de fazer intercâmbio,
estar próximo, conversando, não o
que os acadêmicos falam sobre a gente. Não
que os diretores de cinema ou teatro ou escritores
falam sobre a gente - ele está falando sobre
o sentimento dele. E o Ideti vai trazer o velho,
os jovens, que pode falar sobre essa cultura. Por
enquanto, uma concessionária, a Volkswagen,
está comigo, que apóia e entende essa
filosofia, é a única empresa que entende,
que está meu parceiro. Aí, a gente
quer, nós mesmos ser independentes. A Funai
fez o seu papel, era um papel muito importante,
isso aí ficou meio assim... não é
nosso pensamento. Ela é filhote do governo
federal e é um dos órgãos,
mas como eu tenho esse instituto, é primeira
pessoa. Só a gente pode chamar várias
etnias para falar de nossa cultura.
Nas lentes
de “O Cruzeiro”: os dois brasis de Henri Ballot
Onde:
Museu da Imagem e do Som, Avenida Europa, 158, São
Paulo.
Horário: das 14h às
22h, entrada gratuita. Até o dia 28/09.
Mais informações no site do MIS ou
pelos telefones 3088-0896 ou 3085-1498.
No dia 23/08, às 11h, haverá um bate-papo
com os curadores Eduardo Castanho e Helouise Costa,
Veronique Ballot (filha de Henri Ballot) e Sylvia
Caiubi, professora do Departamento de Antropologia
da Universidade de São Paulo.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Flávio Soares de Freitas
Colaborou Livia Chede Almendary