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GOVERNO
BUSH PASSA ROLO COMPRESSOR
SOBRE AS QUESTÕES AMBIENTAIS
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Outubro de 2003
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Apoiado por instrumentos
burocráticos que ferem as leis do país,
por assessores de órgãos federais
ligados a grandes grupos empresariais e por subterfúgios
jurídicos, o governo de George W. Bush vem
alterando os pilares da legislação
e da preservação ambiental nos Estados
Unidos, conforme denuncia a revista Mother Jones.
O panorama ali apontado serve de alerta para o quadro
que vem se desenhando no Brasil.
Nem o mais pessimista dos opositores verdes de George
W. Bush, durante sua campanha em 2000 à presidência
dos Estados Unidos, poderia imaginar que seu governo
significaria um período de drástico
retrocesso nas conquistas ambientais alcançadas
naquele país nos últimos 30 anos.
Esse é o tom da reportagem especial da edição
de outubro da revista Mother Jones. A publicação
mensal, que se autodefine como comprometida com
o jornalismo para a mudança da sociedade,
realizou um mapeamento das evidências da ação
negativa do governo Bush sobre o meio ambiente norte-americano.
Destacam-se aí alterações em
diretrizes fundamentais de duas importantes leis
ambientais: o Clear Water Act - sobre água
- e o Clear Air Act - sobre poluição
do ar; o abandono do Protocolo de Kyoto e a censura
de relatórios científicos sobre o
aquecimento global; a desarticulação
do programa Superfund, responsável por limpar
anualmente milhões de toneladas de resíduos
industriais tóxicos; e a redução
em dois terços da aplicação
de multas ambientais e em um terço as ações
judiciais movidas pelo Estado contra crimes ambientais.
Além disso, o governo Bush permitiu a abertura
de milhões de hectares de terras, inclusive
em áreas públicas de grande relevância
e fragilidade ambiental, não poupando nem
as centenárias sequóias.
Mother Jones ressalta que, para alterar as diretrizes
ambientais do país, a Casa Branca lança
mão de estratégias que evitam que
suas propostas sejam submetidas ao Poder Legislativo
norte-americano e impedem que as intenções
do governo sejam reveladas para a opinião
pública. Mantendo suas iniciativas no âmbito
dos órgãos federais, da burocracia
e do cotidiano das cortes de justiça, a pauta
anti-ambiental de Bush acaba ficando fora do alcance
do olhar da mídia.
Entre amigos
O que mais impressiona
nessas ações são as estratégias
para tirar as exigências ambientais do caminho
das empresas. De acordo com a revista, foram nomeados
para cargos de órgãos federais ligados
a questões ambientais antigos assessores
e lobbistas de grandes empresas das áreas
de energia, mineração e petroquímica.
Para se ter uma idéia do tamanho do estrago,
o representante do Departamento do Interior para
questões de mineração, Steven
Griles, que é um ex-lobbista das empresas
desse setor, tem facilitado a extração
de minérios pela supressão dos topos
de montanha, atividade que, segundo a Agência
de Proteção Ambiental dos Estados
Unidos (EPA, da sigla em inglês), soterrou
pelo menos 1,6 mil quilômetros de cursos d'água
e destruiu dezenas de milhares de hectares de biodiversidade
única no mundo, ao longo das Montanhas Apalache,
que cortam os estados da Virgínia do Oeste,
Pensilvânia e Nova York, no leste dos Estados
Unidos. Griles está sofrendo uma investigação
interna por questões éticas.
Já um dos assessores de política florestal
do Departamento de Agricultura, Mark Rey, é
um ex-lobbista dos grupos madeireiros do país.
No governo, ele já conseguiu a liberação
de áreas de floresta para a expansão
de estradas e a autorização de supressão
de 1,2 milhão de hectares para a produção
de madeira na Floresta Nacional do Alaska, noroeste
dos Estados Unidos. Rey também é o
responsável pela instituição
de novas regras de controle de incêndio no
país, pelas quais empresas podem cortar árvores
que tragam risco de fogo próximo a suas dependências.
Burocracia e artimanhas
judiciais
Outra estratégia
empregada pelo governo Bush, segundo a reportagem
da revista Mother Jones, é afrouxar algumas
leis ambientais do país por meio da mudança
de procedimentos burocráticos, o que evita
a discussão no Congresso norte-americano
de alterações na legislação.
O exemplo mais alarmante é uma proposta de
tirar 20% das terras alagadas e 60% dos rios, lagos
e córregos da categoria de áreas de
proteção federal, o que permitiria
que indústrias fizessem o uso que bem entendessem
dessas águas, sem qualquer tipo de fiscalização
ou sanção governamental.
Talvez a acusação mais grave feita
pela reportagem da Mother Jones seja a de que o
governo Bush encoraja grupos privados do setor de
energia a processar o Estado em questões
ambientais, abrindo a possibilidade de acordos judiciais
entre as partes, pelos quais o governo faz uma série
de concessões quanto a limites de poluição
e padrões de produção e expansão
dessas empresas, impedindo que a discussão
chegue ao Congresso americano.
Isso não significa, no entanto, que passar
projetos pelo Congresso seja uma alternativa descartada
pelo governo Bush. Está em tramitação
no Legislativo a proposta do Clear Skies (Céus
Limpos), projeto que na prática altera o
Clear Air Act, lei que dá diretrizes para
a redução da poluição
do ar nos Estados Unidos. A grosso modo, o projeto
visa ampliar o prazo para a redução
da emissão de poluentes industriais, bem
como aumentar seus limites atuais. Segundo a revista,
essa iniciativa é fruto de um lobby de oito
empresas que utilizam como matriz energética
o carvão mineral e que são responsáveis
por um quinto do dióxido de enxofre liberado
nos Estados Unidos e pela morte de seis mil pessoas
em decorrência de doenças respiratórias
e de câncer.
Reações
A revista Mother
Jones não está falando sozinha. A
agência internacional de notícias ambientais
ENN www.enn.com vem relatando em seu site como as
iniciativas do governo norte-americano têm
provocado um debate acaloradíssimo entre
o partido Republicano, do Presidente George W. Bush,
e os Democratas, que acusam a Casa Branca de minar
as questões ambientais e intervir de modo
prejudicial na Agência de Proteção
Ambiental.
ONGs norte-americanas também têm alertado
sobre as estratégias do governo. Por exemplo,
a CorpWatch www.corpwatch.org, que apura abusos
de grandes corporações, acusa o governo
de ser conivente com essas empresas e classifica
sua ação de greenwash, isto é,
quando uma instituição passa uma imagem
de comprometimento com a sustentabilidade ambiental,
enquanto suas ações na prática
prejudicam o meio ambiente. Já a Citizens
Network for Sustainable Development (Rede de Cidadãos
pelo Desenvolvimento Sustentável) lançou
em agosto de 2002 uma campanha para que os eleitores
norte-americanos enviassem mensagens aos deputados
e senadores que elegeram pressionando-os a dar um
basta na política anti-ambiental de Bush.
E a UCS sigla em inglês para União
dos Cientistas Preocupados, têm lançado
uma série de campanhas www.ucsaction.org/action
em seu site, sendo que a mais recente pede apoio
para um projeto de lei sobre mudanças climáticas
que, ao propor um programa de redução
da emissão de gases causadores do efeito
estufa, se opõe ao Clean Air Act de Bush.
Paralelo com o Brasil
Negligenciar as questões
ambientais nas tomadas de decisão do governo
e modificar leis que interferem na questão
ambiental não é prerrogativa de George
W. Bush. No Brasil, por exemplo, pode-se destacar
a maneira como a Medida Provisória que regulamenta
os transgênicos foi editada, ignorando o longo
debate existente sobre a questão e beneficiando
grupos específicos em detrimento de outros;
a demora na homologação de diversas
Terras Indígenas, seguindo a pressão
de grupos ruralistas e comprometendo os direitos
dos Povos Indígenas e a preservação
de vastas áreas de biodiversidade; e a falta
de empenho do governo de colocar em prática
a transversalidade das questões ambientais
em relação às ações
ministeriais. O próprio deputado federal
Fernando Gabeira, que oficializou seu desligamento
do PT no dia 14/10, denunciou a falta de caráter
democrático na condução da
política federal e a negligência do
governo quanto às questões ambientais.
Por conta disso, 500 ONGs escreveram uma artigo
O Arquétipo da Infantaria, escrito por Márcio
Santilli, coordenador do Programa Política
e Direito Socioambiental do ISA, e publicado hoje,
22/10, no jornal Folha de S. Paulo e no site do
ISA (versão na íntegra), em que ele
aborda as ações do novo governo e
a falta de legitimidade dada ao movimento socioambientalista.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Ricardo Barretto