Panorama
 
 
 

COIAB FAZ SEMINÁRIO SOBRE MINERAÇÃO
EM TERRAS INDÍGENAS

Panorama Ambiental
Manaus (AM) – Brasil
Julho de 2003

Realizado nos dias 21 e 22/7, em Manaus, o evento promovido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), revelou o impasse que existe entre os interesses das mineradoras e os dos povos indígenas.

Representantes dos ministérios das Minas e Energia e da Justiça, da Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi), da Companhia de Pesquisa e de Recursos Minerais (CPRM), do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e da Polícia Federal discutiram durante dois dias a questão da mineração em Terras Indígenas.
O controvertido tema foi abordado sob duas perspectivas. De um lado, a exploração sustentável e artesanal de minérios pelos próprios índios, com base no direito ao usufruto exclusivo que os povos indígenas detêm sobre os recursos naturais existentes em suas terras. De outro, a exploração de minérios por terceiros em Terras Indígenas, que demanda a regulamentação do §3º do artigo 231 da Constituição Federal por lei ordinária. O parágrafo garante ainda que a autorização para exploração por terceiros, de minérios em Terras Indígenas, deve ser aprovada pelo Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas e assegurada aos índios a participação nos resultados da lavra.
Em 1988, deputados constituintes mostram mapa elaborado pelo Cedi - Centro Ecumênico de Documentação e Informação, uma das instituições que deu origem ao ISA - com as empresas de mineração instaladas em Terras Indígenas, no encaminhamento da votação que acabou aprovando a competência exclusiva do Congresso Nacional para autorizar a exploração de minérios em Terras Indígenas.
De acordo com dados apresentados pelo ISA, representado no evento pelo advogado André Lima, do Programa Política e Direito Socioambiental, até abril de 1998 tinham sido registrados 7203 processos de requerimento de pesquisa ou de lavra em 126 Terras Indígenas. Em 44 dessas terras os requerimentos abrangiam mais de 50% do território. Em 22, tal abrangência superava os 90% da extensão territorial.

Exemplos de requerimentos e sua abrangência territorial em Tis

TI Baú (PA) 519 processos – Abrange 89,48% do seu território TI Kayapó (PA) 319 processos – 48,89% do seu território TI Mekragnoti (PA) 214 requerimentos – 75,97% de seu subsolo TI Panara (MT/PA) 177 processos – 92,81% do seu território TI Vale do Guaporé (RO) 60 requerimentos – 92,39% do território.
Os participantes debateram também os Projetos de Lei que tramitam na Câmara dos Deputados a respeito do assunto como: o Estatuto das Sociedades Indígenas (Projeto de Lei nº 2.057/1991), de autoria do então deputado, hoje senador Aloízio Mercadante, cuja versão atual é o substitutivo do ex-deputado Luciano Pizzatto; e o Projeto de Lei nº 1.610/1996 do senador Romero Jucá.

O que pensa o ISA

O advogado André Lima fez uma exposição sobre a opinião do ISA a respeito dos PLs em discussão na Câmara dos Deputados, ressaltando que eles apresentam problemas que necessitam de debates mais aprofundados (veja a relação no quadro abaixo). Por esse motivo, a discussão sobre mineração artesanal em pequena escala e baixo impacto feita pelos próprios indígenas nos termos do usufruto exclusivo previsto na Constituição de 1988 deveria ser dissociada daquela sobre mineração industrial em terras indígenas por terceiros.

Impasses dos PLs em discussão no Congresso (Estatuto das Sociedades Indígenas, PL 2057 de 1991 e PL 1610 de 1996, do senador Romero Jucá)

Nenhum deles estabelece um limite espacial máximo para mineração em TI. No que se refere à participação indígena nos resultados da lavra, nenhum dos PLs estabelece mecanismos de controle da comunidade indígena afetada sobre o processo extrativo, industrial e comercial para poder aferir a renda e monitorar os procedimentos. O PL 1.610 diz que para a utilização do valor principal da lavra deve haver autorização da Funai e do Ministério Público Federal, o que envereda pela rota da decadente tese da incapacidade civil dos indígenas. O PL 2.057/91 diz que a utilização dos recursos pelos índios é livre. O PL 1.610 não estabelece obrigatoriedade de estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Os PLs não estabelecem a forma como as comunidades devem ser ouvidas, onde, com que antecedência, como e se serão informadas previamente dos interesses e pesquisas e de que forma sua manifestação deve ser considerada. Os dois projetos de lei propõem a validação do privilégio aos requerimentos anteriores à promulgação da Constituição Federal. Há cerca de 2000 processos anteriores à Constituição de 1988.
Várias lideranças indígenas expuseram os conflitos que vivenciam, suas experiências e demandas relacionadas à mineração e ao garimpo, desde a invasão de Terras Indígenas Yanomami por garimpeiros e as conseqüências socioambientais prejudiciais aos índios, até experiências de comercialização em pequena escala de minérios pelos próprios índios (Baniwa e Tukano), como fonte complementar de renda, sem qualquer tipo de apoio técnico ou financeiro do Poder Público.
Sérgio Sérvulo, chefe de gabinete do Ministério da Justiça, relatou a grande preocupação que existe em relação à situação dos índios Cinta-Larga e o garimpo de diamantes em seu território e, portanto, a urgência em se encontrar uma solução independente dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.
Outro ponto de destaque do seminário foi a necessidade de investimento público em iniciativas-piloto que criem paradigmas positivos para a regulamentação da matéria e beneficiem povos indígenas que estejam suficientemente organizados para lidar com esta atividade.
Já na opinião do DNPM, mesmo a exploração artesanal indígena com base no direito ao usufruto exclusivo garantido pela Constituição carece de nova lei que regulamente a matéria. Entretanto, Sérgio Sérvulo, chefe de gabinete do Ministro da Justiça e Cláudio Beirão, assessor para assuntos indígenas do ministério, assim como André Lima, do ISA, foram enfáticos ao defender que o artigo 44 do Estatuto do Índio contemplado pela Constituição, precisa apenas de regulamentação infra-legal a ser promovida pela Funai, depois de ouvir o Ministério de Minas Energia.
Eles também sustentaram que a regulamentação a ser discutida deve assegurar critérios socioambientais e procedimentos específicos que garantam a sustentabilidade na exploração e o apoio do governo no monitoramento das terras. Os representantes dos ministérios saíram com a tarefa de harmonizar o entendimento jurídico a respeito.
Ao final do encontro, a Coiab aprovou uma carta assinada pelas lideranças indígenas presentes com uma série de demandas ao Governo Federal. Uma delas, destacando a total rejeição dos povos indígenas ali representados ao Projeto de Lei 1.610/96, já aprovado no Senado e que hoje se encontra na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados.
No entender dos representantes indígenas presentes, que tiveram o apoio da Associação de Geólogos do Amazonas e do ISA, a mineração por terceiros em Terras Indígenas, prevista no artigo 231 da Constituição somente deve ser regulamentada no bojo de uma política integrada para os povos indígenas no Brasil. E isso passa fundamentalmente pela aprovação do Novo Estatuto das Sociedades Indígenas que tramita na Câmara dos Deputados há mais de 13 anos. O Projeto de Lei do Novo Estatuto das Sociedades Indígenas prevê um capítulo inteiro para a regulamentação da mineração em Terras Indígenas, entre outros direitos indígenas fundamentais.

Próximos passos

Diante da posição da Coiab, rejeitando o PL do senador Jucá, o professor Cláudio Scliar, secretário adjunto de Minas e Metalurgia do Ministério das Minas e Energia (MME), afirmou que levará aos seus superiores a sugestão dos povos indígenas de aprofundar e, se possível, reavaliar a estratégia daquele ministério. Ele explicou que o governo federal desconhecia esse posicionamento dos representantes indígenas.
O MME assumiu o compromisso de articular alianças para a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas e propôs as seguintes medidas complementares e emergenciais:
promover um encontro dos órgãos de governo para definir propostas de emenda aos PLs em trâmite ou apresentar outro Projeto de Lei;
definir a diferença entre mineração industrial e artesanal;
apoiar a criação de cooperativas para os povos indígenas;
realizar zoneamento econômico-ecológico das áreas, para orientar os povos indígenas no manejo dos recursos naturais existentes nas suas terras;
realizar dois seminários regionais, no prazo de 60 dias, um em Boa Vista e outro em Porto Velho, e no prazo de 90 dias, promover um seminário macro-regional na Amazônia, com representantes indígenas para aprofundar a discussão e somar as propostas a serem levadas para o governo;
e, finalmente, buscar conhecer experiências de outros países como Bolívia e Equador, onde os povos indígenas desenvolvem projetos de aproveitamento dos recursos naturais e minerais existentes em suas terras.
Leia, a seguir, a íntegra da Carta da Coiab aprovada no seminário. Para mais informações acesse a página da Coiab na internet (www.coiab.com.br).

Carta-Proposta das Lideranças Indígenas

Seminário sobre o uso de recursos naturais em Terras Indígenas

Nós, lideranças de comunidades e associações indígenas do Amazonas, dos povos Arapaço, Baniwa, Munduruku, Piratapuia, Saterê Mawé, Tariano, Tukano e Yanomami, participantes do Seminário sobre o uso de recursos naturais em terras indígenas, depois de ter a oportunidade de partilhar as nossas experiências, dificuldades e expectativas na área do aproveitamento dos recursos naturais e minerais existentes nas nossas terras, em função do Desenvolvimento Sustentável das nossas comunidades e gerações futuras, e após analisar as explicações de técnicos, advogados e especialistas dos Ministérios das Minas e Energia (MME), da Justiça e autarquias. Considerando que os povos indígenas sempre viveram de forma autônoma, providos dos bens que a mãe natureza lhes oferecia para o sustento diário de seus filhos, sem ter que depender de terceiros e de políticas que sendo assistencialistas e paternalistas geram somente dependência e as vezes mais empobrecimento; Considerando que a globalização é um fenômeno mundial que atinge até os povos mais distantes, gerando neles necessidades que precisam ser preenchidas dignamente como vestimenta, atendimento de saúde, educação escolar indígena diferenciada, entre outras; Considerando que os povos indígenas sempre trabalharam para si, fundamentalmente para o sustento de suas famílias e filhos, sem ambições de acumulação e lucro, e hoje querem condições políticas, técnicas e jurídicas que os ampare para que possam aproveitar as riquezas naturais e minerais de suas terras, em benefício de suas comunidades, garantindo com tudo, a proteção e preservação do meio ambiente; Considerando que a legislação vigente ou em tramitação no Congresso Nacional sobre a exploração especialmente dos recursos minerais em terras indígenas atende apenas os interesses do Estado e de empreendimentos particulares; Considerando, que é necessária e urgente regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas pelos próprios povos indígenas, visando atender seus interesses e necessidades de sustentabilidade; Considerando, finalmente, que é de fundamental importância garantir a participação dos povos e comunidades indígenas na discussão e definição de quaisquer medidas políticas, administrativas e jurídicas que lhes diz respeito, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece a consulta prévia e informada como necessária ao se tratar de políticas públicas de desenvolvimento para os povos indígenas;
Propomos: Primeiro - Que o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva aprove, urgentemente o Estatuto dos Povos Indígenas, inviabilizando a tramitação e aprovação de quaisquer outros projetos de lei que confrontam os direitos indígenas, como o PL 1610/96 de autoria do Senador Romero Jucá, sobre a exploração mineral em terras indígenas; Segundo - Que o governo regulamente e assegure a exploração dos recursos minerais pelos próprios povos indígenas e apóie na implementação de outros projetos para sua sustentabilidade; Terceiro - Que o DNPM e CPRM disponibilizem dados de pesquisas minerários em Terras Indígenas, para os povos e organizações indígenas; Quarto - Que o DNPM e CPRM disponibilizem técnicos para a capacitação dos povos e organizações indígenas, no que diz respeito ao valor de cada recurso mineral; Quinto - Que o governo, através do Ministério de Minas e Energia (MME) estude a possibilidade de criar um Projeto Piloto Demonstrativo em Terra Indígena de exploração de recursos minerais, administrado pelos povos indígenas; Sexto - Que o governo disponibilize técnicos para estudos de impacto ambiental e informar os riscos, benefícios e impactos sociais e culturais que poderão afetar as comunidades indígenas com atividades de exploração mineral em suas terras; Sétimo - Que o MME e o Ministério da Justiça (MJ) assegurem recursos financeiros para a realização de Seminários em outros Estados com o objetivo de aprofundar a discussão e depois realizar um Seminário Macro-regional para a consolidação de uma Proposta de Mineração em Terras Indígenas, levando em conta a diversidade étnica e cultural dos povos indígenas. Oitavo - Que o governo crie mecanismos de participação dos povos indígenas nas instâncias de decisão sobre pesquisa mineral; Nono - Que a boa vontade e disposição do governo em ouvir os povos indígenas, envolvendo-os na construção democrática da nação, e sobretudo, na definição de seu destino, se traduza a curto prazo em políticas públicas que resolvam de uma vez por todas a dívida social que secularmente o Estado e a sociedade brasileira tem para com os povos indígenas. Manaus, 22 de julho de 2003. Assinam Adão Oliveira / Tariano - COIDI José Maria de Lima / Piratapuia - FOIRN Agnaldo Cardoso Rodrigues / Munduruku - MEIAM André Fernando / Baniwa - OIBI Pedro Renato Figueiredo da Silva / Yanomami - AYRCA Argemiro Teles / Arapaço - ACIBRN Ismael P. Moreira / Tariano - YAKINÕ Josué Tavares da Silva / Saterê Mawé - OPIAM Maria Miquelina Machado Tukano / COIAB Rosemeri Maria Vieira Teles / Arapaço - DM/COIAB Bonifácio José / Baniwa - FEPI Jorge Miles da Silva / Terena - FEPI Amarildo Machado / Tukano - FEPI Estevão Lemus Barreto / Tukano – FUNAI.

Fonte: Instituto Sócio Ambiental (www.socioambietnal.org.br)
André Lima

 
 
 
 

 

Universo Ambiental  
 
 
 
 
     
SEJA UM PATROCINADOR
CORPORATIVO
A Agência Ambiental Pick-upau busca parcerias corporativas para ampliar sua rede de atuação e intensificar suas propostas de desenvolvimento sustentável e atividades que promovam a conservação e a preservação dos recursos naturais do planeta.

 
 
 
 
Doe Agora
Destaques
Biblioteca
     
Doar para a Agência Ambiental Pick-upau é uma forma de somar esforços para viabilizar esses projetos de conservação da natureza. A Agência Ambiental Pick-upau é uma organização sem fins lucrativos, que depende de contribuições de pessoas físicas e jurídicas.
Conheça um pouco mais sobre a história da Agência Ambiental Pick-upau por meio da cronologia de matérias e artigos.
O Projeto Outono tem como objetivo promover a educação, a manutenção e a preservação ambiental através da leitura e do conhecimento. Conheça a Biblioteca da Agência Ambiental Pick-upau e saiba como doar.
             
       
 
 
 
 
     
TORNE-SE UM VOLUNTÁRIO
DOE SEU TEMPO
Para doar algumas horas em prol da preservação da natureza, você não precisa, necessariamente, ser um especialista, basta ser solidário e desejar colaborar com a Agência Ambiental Pick-upau e suas atividades.

 
 
 
 
Compromissos
Fale Conosco
Pesquise
     
Conheça o Programa de Compliance e a Governança Institucional da Agência Ambiental Pick-upau sobre políticas de combate à corrupção, igualdade de gênero e racial, direito das mulheres e combate ao assédio no trabalho.
Entre em contato com a Agência Ambiental Pick-upau. Tire suas dúvidas e saiba como você pode apoiar nosso trabalho.
O Portal Pick-upau disponibiliza um banco de informações ambientais com mais de 35 mil páginas de conteúdo online gratuito.
             
       
 
 
 
 
 
Ajude a Organização na conservação ambiental.