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CONGRESSO
NACIONAL QUER SENSIBILIZAR O PÚBLICO
A PARTICIPAR DE CAMPANHA CONTRA A BIOPIRATARIA
Panorama Ambiental
Manaus (AM) – Brasil
Julho de 2003
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"O cupuaçu
é nosso"
A frase estampada em uma faixa pendurada ontem (22/07)
no Congresso Nacional pelo GTA quer sensibilizar
e motivar o público a participar de uma campanha
contra a biopirataria, que usa o cupuaçu
como exemplo. A fruta, tipicamente brasileira, teve
o nome patenteado por uma empresa japonesa.
Com quatorze metros
de largura por quatro de altura, uma faixa foi pendurada
no corredor de acesso do Anexo II para o Anexo I
do Congresso Nacional, caminho obrigatório
para parlamentares e outras pessoas da Câmara
e do Senado que se dirigem ao plenário. O
dizer é simples e direto: "O cupuaçu
é nosso", impresso em letras gigantescas,
em meio a mais de seis mil assinaturas.
A faixa de alerta é do Grupo de Trabalho
Amazônico, que coordena a Campanha Contra
a Biopirataria (http://www.amazonlink.org/biopirataria/)
e ficará no corredor do plenário até
sexta-feira (24/07). Só no primeiro dia,
mais de 500 simpatizantes deixaram nela seus nomes,
entre eles, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.
“Queremos chamar a atenção para a
discussão da nova legislação
referente à biopirataria, e que deve substituir
a atual Medida Provisória 2.186 (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2186-16.htm),
diz José Arnaldo de Oliveira, assessor nacional
de comunicação e campanhas do GTA.
"A campanha quer aproveitar o cupuaçu,
um símbolo que atinge tanto os produtores,
como indígenas, entre outros, para popularizar
a discussão. Estamos preocupados principalmente
com a questão do acesso ao patrimônio
genético, o consentimento prévio informado
e a repartição dos benefícios,
mas também em proteger as sementes, que estão
sob o efeito de outra lei", explica. Oliveira
refere-se à Lei de Cultivares (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9456.htm),
que permite ao cientista ou laboratório que
fizer alterações genéticas
em espécies vegetais tornar-se dono dos direitos
de produção e comercialização
dos produtos feitos a partir daquelas sementes.
Um exemplo disso é a cobrança de royalties
feita pela Monsanto pelo uso de sementes de soja
transgênica.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (Inpi), o Brasil registra bem menos
patentes do que países desenvolvidos. São
de cinco a sete mil por ano, enquanto o Japão
registra 400 mil, os Estados Unidos 350 mil e a
Alemanha 150 mil. A verdade é que não
se sabe ao certo quantos nomes de uso público
brasileiros estão registrados como marca
nem quantas espécies estão patenteadas
no exterior. Um levantamento inicial da Campanha
contra a Biopirataria aponta pelo menos 81 patentes,
entre elas, 31 relacionadas ao guaraná, 13
para a unha-de-gato e duas para o abacateiro, para
ficar nos mais conhecidos.
Entretanto, para Eduardo Vélez, secretário
executivo do Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGEN), "qualquer número
é apenas uma estimativa, um chute. Este é
um número que nós gostaríamos
de ter". Vélez faz parte da Câmara
Temática criada pelo CGEN para apresentar,
até o final da próxima semana, um
anteprojeto que servirá como base para as
discussões no Congresso a respeito de uma
nova legislação sobre o assunto. Vale
ressaltar que a Câmara Temática tem
uma representação equivalente entre
órgãos do governo e sociedade civil
(http://www.socioambiental.org/website/noticias/noticia.asp?File=Brasil\2003-03-21-11-07.html).
O Conselho, formado inicialmente apenas por integrantes
do governo, passou este ano a contar com outra categoria,
a dos convidados permanentes, da qual o ISA faz
parte.
Ali, entre outras coisas, busca-se uma atribuição
melhor das responsabilidades entre os órgãos
do governo sobre os projetos de pesquisa genética,
cuja aprovação passou a depender exclusivamente
do Conselho, a partir da Medida Provisória
2.186. Com isso, há um "engessamento"
das atividades relacionadas ao tema, principal reclamação
por parte de pesquisadores. Se não há
investigação científica, há
poucos registros de patentes. De abril de 2002,
quando o CGEN passou a funcionar, até julho
de 2003, a ele chegaram 60 pedidos de pesquisa,
dos quais apenas 11 foram aprovados. Para Vélez,
a quantidade recebida não reflete o número
real, o que significa que pode haver muitas pesquisas
em andamento de forma ilegal. "Isso é
um dado importante, pois revela que não temos
um quadro absoluto do número de projetos
operando, mas deve-se ter em mente que o controle
do acesso ao patrimônio genético é
recente e está em fase de implantação",
avalia.
De acordo com o secretário-executivo, a questão
dos conhecimentos tradicionais está praticamente
toda reformulada no anteprojeto e, além disso,
pretende-se diminuir os requisitos necessários
à licença para estudos que não
tenham objetivos comerciais ou econômicos.
"Hoje, para uma pesquisa sobre a evolução
dos macacos e para uma sobre plantas medicinais,
os requisitos são os mesmos, mas há
um claro diferencial de potencial econômico
entre elas", diz o secretário-executivo.
O começo
da história
A história
que culminou com o aparecimento da faixa no Congresso
Nacional começa com a Amazonlink. Fundada
em 2001, com sede em Rio Branco (AC), a ONG busca
facilitar o contato de produtores rurais e comunidades
indígenas da Amazônia com compradores
no exterior, principalmente na Alemanha. Conta-nos
Michael Schmidlehner, presidente da Amazonlink:
"No final de 2002, estávamos fazendo
uma amostra de bombons de cupuaçu para a
ONG Regenwaldinstitut, quando decidimos fazer uma
pesquisa de mercado para saber se algum produto
com a fruta já estava sendo comercializado
no país. Acabamos identificando uma pessoa
que vendia geléia e que nos alertou sobre
o perigo de colocar o nome 'cupuaçu' em qualquer
mercadoria, por ser uma marca registrada".
Cupuaçu: gostoso e proibido. Um caso de biopirataria
- um motivo para protesto. Este é o panfleto
distribuído pela ONG Regenwaldinstitut, da
Alemanha, que não pode vender os bombons
da fruta apresentando o nome 'cupuaçu', por
ser uma marca registrada. O fato acabou dando origem
à campanha Limites Éticos Acerca do
Registro de Marcas e Patentes de Recursos Biológicos
e Conhecimentos Tradicionais da Amazônia,
organizada inicialmente pela Amazonlink, mas passada
ao Grupo de Trabalho Amazônico durante a Festa
do Cupuaçu, realizada em abril deste ano,
em Presidente Figueiredo (AM). Neste encontro, que
contou também com a participação
do Greenpeace Brasil, surgiu a idéia de se
fazer a faixa que está no Congresso Nacional.
O maior feito da articulação foi ter
conseguido, em pouco mais de dez dias, junto com
o Instituto Brasileiro de Lei de Comércio
Internacional (Ciited), entrar com um processo de
contestação da marca 'cupuaçu'
no Japão, um dia antes que se encerrasse
o prazo.
Tanto a marca quanto a patente relativa à
produção e uso da gordura da semente
estão registradas pela empresa Asahi Foods
Co., Ltd no Japão e União Européia.
Nos Estados Unidos, a propriedade aparece sob o
nome do mesmo "inventor", Nagasawa Makoto,
mas relacionada a outra empresa, a Cupuacu International
Inc. (o cedilha não consta em nenhum dos
registros). Existem ainda patentes relacionadas
ao cupulate, "a resposta amazônica ao
chocolate", de acordo com o site oficial da
empresa norte-americana.
Para Michael Schmidlehner, o cupuaçu não
é um caso isolado, mas apenas um dos mais
evidentes.
A Amazonlink divulgou, em 15/07, o resultado preliminar
de um levantamento sobre patentes relacionadas à
secreção da rã Phyllomedusa
bicolor, utilizada em diferentes rituais pelas tribos
Kaxinawá, Katukina e Ashaninka (http://www.socioambiental.org/website/pib/epi/ashaninka/ashaninka.shtm),
entre outras populações tradicionais
do Vale do Juruá (AC).
Fonte: Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambietnal.org.br)
Flávio Soares de Freitas