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A AMAZÔNIA,
MAIS UMA, A SERVIÇO DO
VELHO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Setembro de 2003
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Divulgado em 3/9,
o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) 2004-2007
inclui obras questionadas por seus impactos socioambientais,
como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e
o asfaltamento da BR-163. Investimentos em infra-estrutura
em parceria com a iniciativa privada, para, entre
outros, facilitar o escoamento da produção
agrícola da região para mercados externos,
são uma das prioridades do governo para promover
o crescimento econômico do país.
O ministro do Planejamento,
Guido Mantega, divulgou na quarta-feira (3/9) o
Plano Plurianual de Investimentos (PPA) 2004-2007
intitulado Plano Brasil de Todos, que prevê
investimentos de R$ 1,85 trilhão e tem como
destaques a eliminação da fome e do
analfabetismo, a distribuição de água
para o Nordeste, a interligação do
sistema elétrico, a auto-suficiência
em petróleo, a mudança na matriz do
transporte e a integração regional
e da América do Sul. O projeto de lei do
PPA foi encaminhado no dia 28/8 para o Congresso
Nacional, onde deverá tramitar até
meados de outubro, de acordo com uma nota publicada
na Agência Câmara.
Para promover crescimento com geração
de emprego e renda, um dos três megaobjetivos
do Plano Brasil para Todos, que envolve ainda inclusão
social e redução das desigualdades
sociais e promoção e expansão
da cidadania e fortalecimento da democracia, o governo
pretende investir R$ 189,1 bilhões em infra-estrutura,
R$ 58,6 bilhões em apoio à exportação
e R$ 6,4 bilhões em “meio ambiente”.
Os investimentos
em infra-estrutura em parceria com a iniciativa
privada são a grande aposta do governo, o
que envolve a realização de obras
para melhorar o escoamento da produção
agrícola na Amazônia, prioritariamente
o plantio de soja que avança na região,
elevando as exportações e favorecendo,
consequentemente, as cifras da balança comercial
brasileira. Neste sentido, uma das principais metas
do PPA 2004-2007 para o setor agropecuário
é elevar a safra de grãos de 120 milhões
para 150 milhões toneladas/ano até
2007.
Estudo realizado pela Empresa Brasileira de Planejamento
de Transportes, ligada ao Ministério dos
Transportes, revelou que, se não houver investimentos
no setor nos próximos 15 anos, a produção
nacional de grãos perderá competitividade
no mercado externo. Para escoar produtos agrícolas
a um menor custo, o trabalho aponta como necessário
a construção de novas hidrovias na
Amazônia e o desenvolvimento de ferrovias,
o que foi contemplado em parte pelo PPA 2004-2007.
Entre as obras destinadas a reduzir o custo do transporte
da tonelada do grão produzido na região
amazônica, as eclusas das usinas Lajeado (TO)
e Tucuruí (PA), para viabilizar o transporte
pelo Rio Tocantins.
Esses empreendimentos integram na lista de projetos
do setor de transportes para a Região Norte,
que é bastante extensa. Inclui ainda a construção/adequação
de 5,5 mil quilômetros de rodovias, a implantação
de 10 mil quilômetros de hidrovias, a construção
de 2,4 mil quilômetros de ferrovias e a ampliação
da capacidade portuária em 200 milhões
de toneladas.
Estão previstas, entre outras, o asfaltamento
de 1.174 quilômetros da Rodovia BR-163 até
Santarém (PA); de 212 quilômetros da
BR-230, a Transamazônica, entre Lábrea
e Humaitá (AM), e de 1,1 mil quilômetros,
entre Marabá e Itaituba (PA); a recuperação
do Porto de Santarém (PA); a construção
da Ferrovia Norte-Sul entre Estreito e Darcinópolis
(TO); a construção da ponte sobre
o Rio Oiapoque para a interligação
do Amapá à Guiana Francesa; e a construção
de uma ponte binacional sobre o Rio Acre.
Os caminhos e descaminhos
da BR-163
O término
do asfaltamento da BR-163 já conta com um
consórcio privado para concorrer a licitação
da obra formado por multinacionais da indústria
de grãos e empresários da Zona Franca
de Manaus (ZFM), que poderão atingir mais
facilmente os centros consumidores do Sudeste com
a conclusão da obra. Entretanto, sua realização
sem a regularização fundiária
e o ordenamento territorial da região é
temida pelos movimentos sociais.
Estudo recente divulgado pelo Grupo de Assessoria
Internacional (IAG) do Programa Piloto de Proteção
das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7), aponta
que a mera expectativa da construção
de um determinado empreendimento é suficiente
para a abertura de novas fronteiras na região,
trazendo degradação ambiental e crise
social, já que a presença do Estados
nesses locais é mínima. “A questão
que cabe levantar é quem serão os
principais beneficiários desse novo processo
produtivo, em função da fragilidade
da agricultura familiar, a principal atividade da
grande maioria da população local.
Os produtores familiares, por serem pioneiros, deveriam
ser os principais beneficiários do processo
de desenvolvimento dessas regiões de fronteira,
mas na realidade tendem a ser os mais sacrificados,
o que pode ser claramente verificado no município
de Itaituba, que já vem sendo influenciado
diretamente pela perspectiva do asfaltamento da
rodovia Santarém-Cuiabá, pela construção
de um porto em Miritituba pelo Grupo Maggi e pelo
terminal de Santarém”, afirma o grupo.
Para o IAG, a construção das grandes
obras de infra-estrutura na Amazônia devem
ser reavaliadas, sendo considerado para isso a viabilidade
econômica e a internalização
dos custos socioambientais desses empreendimentos.
Energia para população
rural e grandes grupos econômicos
Já para o
setor de energia elétrica, o destaque é
a meta de atender 1,7 milhão dos 2 milhões
de domicílios rurais atualmente sem energia
elétrica. O Plano Brasil de Todos também
prevê o acréscimo de 14 mil megawatts
de geração de energia elétrica
por meio da construção de usinas hidrelétricas,
termelétricas e eólicas.
Ente os projetos
da região amazônica, o estudo de viabilidade
da usina hidrelétrica (UHE) Belo Monte (PA),
e a construção das UHE Peixe Angical
(TO), Estreito (TO) e do Complexo do Rio Madeira
- Jirau (RO) e Santo Antônio (RO); as linhas
de transmissão Tucuruí-Manaus (PA/AM)
e os gasodutos Urucu-Porto Velho (AM/RO) e Coari-Manaus
(AM).
Projeto originário
da década de 70 e remodelado em 1994, a UHE
Belo Monte, no Rio Xingu (PA), deverá ser
construída emparceria com a iniciativa privada,
por um consórcio ainda em formação
que já reúne fabricantes de equipamentos
Alstom, ABB, General Eletric e Voth Siemens e as
construtoras Camargo Corrêa e Andrade Guitierrez,
de acordo com reportagem do jornal Valor Econômico
do dia 1/9.
Orçada em US$ 8 bilhões, a usina,
com 11,8 mil megawatts, era considerada uma obra
estratégica no Avança Brasil de FHC,
mas não saiu do papel. Em setembro de 2001,
foi concedida liminar à ação
civil pública do Ministério Público
para a suspensão da elaboração
do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), cuja condução
apresentava diversas regularidades.
Segundo definição da própria
Eletronorte, além da Terra Indígena
Paquiçamba, a área de influência
de Belo Monte, envolve outros nove povos indígenas:
os Assurini do Xingu, os Araweté, os Parakanã,
os Kararaô, os Xikrin do Bacajá, os
Arara, os Xipaia e os Kuruaia.
Além disso e dos clássicos impactos
ambientais gerados por empreendimentos do gênero,
Belo Monte representa para o Movimento em Defesa
da Transamazônica e Xingu (MDTX) a perda de
terras por um grande contigente de famílias,
aumento das invasões de áreas e saída
do povo do campo em busca da fantasia dos empregos
gerados pela barragem, com aumento da pobreza, inchamento
das cidades e desestruturação social,
econômica e ambiental de família rurais,
indígenas e ribeirinhas.
Também não é considerada uma
obra viável economicamente, uma vez que durante
o período de seca sua potência instalada
será inferior à 50%, que é
a média internacional. A não ser que
sejam construídas outras barragens, o que
resultaria em alterações muito mais
preocupantes para toda a Bacia do Xingu, que se
estende por 450 mil km2, uma das maiores do país,
e que, além das populações
indígenas, é habitada por populações
ribeirinhas típicas da Amazônia, e
pela colonização mais recente, estimulada
pelo Estado.
O destino da energia
a ser gerada é outra crítica a Belo
Monte, já que deverá suprir demanda
das indústrias eletro-intensivas, principalmente
as indústrias de alumínio, sem atender
à população local, que ficaria
apenas com o ônus da obra. Outro exemplo da
investimento das gigantes do alumínio em
empreendimentos desse gênero para a auto-suficência
em energia é a UHE Estreito (TO). A Alcoa
Alumínio é uma das integrantes do
consórcio vencedor do leilão realizado
em setembro de 2002 para a construção
da obra, que inclui a Companhia Vale do Rio Doce,
a Tractebel, a BHP Billiton Metais e a Camargo Corrêa.
Aumento da área
de manejo florestal
Para a área
ambiental, as metas do PPA 2004-2007 são
aparentemente tímidas e reduzidas, de acordo
com a apresentação do ministro do
Planejamento, Guido Mantega. A principal delas é
aumentar de 350 mil para 700 mil a área de
floresta destinada ao manejo sustentável.
As demais são: reduzir os focos de incêndio
de 230 mil para 200 mil e formar 6,2 mil educadores
ambientais.
Mantega havia declarado que a bússola do
novo PPA seria o programa de governo do PT. Faz
parte dele o caderno temático O Lugar da
Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, que
não deve ter sido considerado como anunciado
e esperado. “O modelo de desenvolvimento primário-exportador
implantado na Amazônia nas últimas
décadas foi financiado com grandes somas
de investimentos públicos em infra-estrutura
e com base em incentivos fiscais, tendo o Estado
como principal agente de mudanças, sem qualquer
mecanismo de controle por parte da sociedade que
pudesse interferir no destino desses recursos. A
economia organizada em torno da utilização
sustentável de produtos florestais, por outro
lado, baseou-se em recursos financeiros escassos,
oriundos das organizações não-governamentais
e do setor privado, com pequena presença
do Estado”, afirma o documento.
Em outro trecho, destaca: “A Amazônia tem
sido objeto de políticas governamentais que
a condenam a estoque temporário de matérias-primas
e fronteira de expansão de atividades produtivas
empresariais agropecuárias, minerárias
e madeireiras. Essas atividades avançam sobre
a Amazônia, na medida em que a produtividade
das florestas e dos solos diminuem, com o esgotamento
ecológico das regiões de exploração
mais antiga”.
No texto-base para a elaboração do
PPA 2004-2007, o desenvolvimento sustentável
foi incluído como uma das linhas estratégicas,
sendo citado que estava previsto a “adoção
de critérios socioambientais para as políticas
públicas”. Recentemente, durante a cerimônia
de entrega dos relatórios do PPA, o presidente
Lula afirmou que os projetos respeitarão
a legislação ambiental e que o Ministério
do Meio Ambiente e o Ministério Público
serão envolvido a participar da elaboração
das obras desde o início, para que “sejam
evitados problemas”. A ver.
Fonte: Instituto Sócioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Cristiane Fontes