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COIAB SOLICITA
INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL PARA GARANTIR PROTEÇÃO
A URNAS FUNERÁRIAS INDÍGENAS
DESCOBERTAS EM MANAUS
Panorama Ambiental
Manaus (AM) – Brasil
Setembro de 2003
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A Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), solicitou
nesta quarta-feira, 24 de setembro, a intervenção
do Ministério Público, se possível
através de Audiência Pública,
para que sejam atendidas as reivindicações
do movimento indígena a respeito das urnas
funerárias indígenas, com datação
aproximada de 1.300 anos, localizadas em maio deste
ano, por ocasião dos trabalhos de reforma
e restauro iniciados na Praça Dom Pedro II,
no Centro Histórico de Manaus.
O Coordenador geral da Coiab, Jecinaldo Saterê
Mawé, manifestou ao Dr. Eduardo Barragan,
da Procuradoria da República no Amazonas,
o sentimento de indignação que tomou
conta das lideranças indígenas, que
integram a base política da organização,
ao serem informados sobre a tentativa de remoção
das urnas, por parte do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
para o Museu Amazônico, desconsiderando as
propostas encaminhadas à Superintendente
Regional deste órgão, ao prefeito
de Manaus e ao Diretor do Museu Amazônico.
Essa decisão estaria desrespeitando acordo
verbal, decorrente de uma reunião realizada
na sede da Coiab, que estabelecia a realização
de uma outra reunião para discutir a minuta
de um Termo de Compromisso, no qual constaria o
repasse do achado arqueológico, por parte
do órgão fiscalizador, ao controle
do movimento indígena, quando forem criadas
condições de infra-estrutura, técnicas
e científicas para abrigá-lo, em parceria
com os órgãos públicos competentes.
No entanto, o encaminhamento adotado pela Superintendente
do Iphan, foi informar a Coiab, através de
ofício circular de nº 008/2003, sobre
as competências deste órgão
e a decisão de "elaborar a Minuta do
Termo de Guarda Provisório de Bens Arqueológicos
e materiais afins ao Museu Amazônico, por
entender que este é o único local
no Amazonas apropriado para tal fim", ressaltando
que "o patrimônio arqueológico
é bem da União e que é de interesse
nacional que seja devidamente guardado...".
Mesmo com o esclarecimento de que o Iphan partilha
o sonho da construção de um Museu
Indígena e a afirmação de que,
com "espírito democrático",
mantém o seu compromisso de proteger o patrimônio
arqueológico, a Coiab se considerou desrespeitada
com o procedimento adotado por este órgão
e as demais instituições, que continuaram
se reunindo, sem querer ouvir mais os representantes
do movimento indígena organizado, desconsiderando
o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas
garantidos pela Constituição Federal,
Artigo 231, e pela Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que no seu Artigo 7º, Parágrafo
1, estabelece:
"Os povos indígenas e tribais deverão
ter o direito de decidir sobre suas próprias
prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento
na medida em que afete suas vidas, crenças,
instituições e bem-estar espiritual...Além
disso, deverão participar na formulação,
implementação e avaliação
dos planos e programas de desenvolvimento nacional
e regional suscetíveis de os afetar diretamente".
Baseada nestes fatos, a Coiab solicitou do Procurador
Eduardo Barragan, a realização de
uma Audiência Pública, que permita
ouvir as instituições envolvidas,
especialistas, representantes dos povos e organizações
indígenas e, inclusive, de organismos internacionais
como a Organização das Nações
Unidas para Educação e a Cultura (Unesco).
O Dr. Barragan reconheceu como oportuna a solicitação
da Coiab e que ela vinha ao encontro da preocupação
do Ministério Público em garantir
o respeito a todos os elementos, as pessoas e instituições
envolvidas no processo de proteção
do achado arqueológico e na discussão
sobre a destinação da área,
ocupada atualmente pela Praça Dom Pedro II.
"Nada pode ser decidido precipitadamente, sem
que seja ouvido todo mundo", afirmou o procurador.
Nesse sentido, segundo o Dr. Barragan, nos primeiros
dias do mês de outubro deverá acontecer
uma reunião entre as diferentes instituições,
incluindo o movimento indígena, e o Ministério
Público, visando a busca da melhor solução
para a proteção daquele patrimônio
cultural. Enquanto isso, nenhuma ação
está autorizada. Se nada disso não
for possível, poderá ser feito um
ajustamento de conduta em Audiência Pública.
Se a audiência acontecer, o Ministério
Público entende que deverão também
ser ouvidos especialistas de instituições
de outras regiões do país e representantes
de órgãos governamentais envolvidos
com a proteção do patrimônio
e os direitos dos povos indígenas, como a
Fundação Nacional do Índios
(Funai) e as 6ª. e 4ª. Câmaras da
Procuradoria Geral da República. "Este
pode ser um marco de mudanças na forma de
trabalhar com o patrimônio cultural",
explica o Dr. Eduardo Barragan.
As propostas
da Coiab
O envolvimento do
movimento indígena, articulado pela Coiab,
na discussão sobre o destino das Urnas indígenas,
começou quando pajés dos povos Apurinã,
Tukano e Dessano, reunidos em Manaus, para se informar
sobre as escavações e a possível
exumação das urnas, enviaram, em 26
de agosto, carta à Coordenadora Regional
do Iphan, Maria Bernardete de Andrade, manifestando-se
contra a remoção dos objetos, em "respeito
aos espíritos destes nossos antepassados",
e para evitar "ser cobrados... , tornando cada
um de nós sem força para guiar o nosso
povo".
Diante as evidências de se tratar de um cemitério
indígena, prova material da existência
milenar de povo indígena na região,
provavelmente o povo Jurupixuna, e ciente de sua
responsabilidade em garantir a promoção
dos direitos dos povos indígenas, a Coiab
decidiu se manifestar sobre o acontecimento, através
de correspondência enviada ao Prefeito de
Manaus, Sr. Alfredo Nascimento; à Superintendente
Regional do Iphan, Maria Bernardete Mafra de Andrade;
e ao Diretor do Museu Amazônico, Professor
Luiz Balkar Sá Peixoto Pinheiro. A carta
reúne as propostas que a Coiab apresentou
na reunião realizada na sua sede, no dia
02 de setembro, com representantes destes órgãos,
além da Empresa Municipal de Turismo, a Manaustur,
e de técnicos responsáveis pelas escavações.
No documento, a Coiab defende "a necessidade
de se proteger os objetos achados, como memória
e parte da história dos nossos povos e da
Amazônia", e exige:
"1 - Que as obras em execução
se direcionem imediatamente para a construção
de infra-estrutura adequada que proteja a Urna já
escavada de quaisquer riscos de deterioração,
vandalismo e furto, garantindo por parte da autoridade
competente vigilância permanente do local;
"2 - Se houver desacordo em construir essa
infra-estrutura no local que garanta a proteção
desse patrimônio dos nossos povos, a Coiab
é contrária a que ele seja transportado
para outro local que não seja a sede da nossa
organização, decisão apoiada
pelos pajés, onde as autoridades e instituições
responsáveis da proteção do
patrimônio nacional deverão criar condições
climáticas e de proteção da
Urna escavada.
"3 - Que a prefeitura paralise de imediato
as obras de revitalização para garantir
a preservação in loco do conjunto
dos achados, até as entidades envolvidas
e o movimento indígena organizado definirem
com exatidão e critérios técnicos
e científicos a forma que esse patrimônio
deverá ser preservado para o futuro;
"4 - A Coiab entende que as evidências
falam por si, que o local em que se localiza a praça
Dom Pedro II é Terra Indígena. Portanto,
solicita dos órgãos competentes que
esta área seja declarada como tal, para ser
devidamente protegida, enquanto terra da União,
conforme estabelece a Constituição
em vigor e o procedimento de demarcação
das terras indígenas;
"5 - O movimento indígena representado
pela Coiab recomenda que se promovam todos os trâmites
necessários para que o espaço ocupado
pela área que circunda a Praça Dom
Pedro II seja tombado de imediato pelo Iphan como
patrimônio histórico etnográfico
indígena, para sua devida proteção
de quaisquer outros empreendimentos de escavação
e seu posterior reconhecimento como Patrimônio
da Humanidade pela Unesco.
"6 - Se houver acordo em deixar no local as
Urnas achadas, conforme a primeira carta dos pajés,
por se tratar de um espaço sagrado, a Coiab
propõe que seja projetado e construído
no próprio local um Museu Indígena,
onde possam ser reunidos todos os objetos guardados
em outros espaços públicos ou particulares,
e aqueles que sejam achados em outros locais e obras
de revitalização da cidade de Manaus."
A Carta conclui: "Esperamos que no processo
de decisão sobre o futuro do espaço
arqueológico em questão sejam levados
em conta o ponto de vista aqui manifesto por nós,
apoiado pelas nossas organizações
e lideranças de base."
Alguns dos representantes dos órgãos
presentes à reunião na sede da Coiab,
reagiram em tom agressivo, dizendo que não
esperavam um posicionamento desta natureza, como
se esperassem que o movimento indígena apenas
dissesse sim aos encaminhamentos por eles previamente
determinados. Os líderes da Coiab lamentaram
a reação preconceituosa e sustentaram
que ninguém deveria se surpreender mais,
pois o movimento indígena de hoje tem avançado
muito na compreensão, na formulação
e defesa de seus direitos, e como tal busca ser
respeitado e tratado em condições
de igualdade, em ruptura com práticas coloniais
e autoritárias, que tradicionalmente ignoravam
o ponto de vista dos primeiros habitantes destas
terras. Mas por outra parte, as lideranças
deixaram claro que o Documento não seria
uma proposta fechada, e sim um ponto de partida,
para a uma discussão transparente, de parceria,
e respeitosa dos anseios indígenas.
A pesar da proposta de dar continuação
ao diálogo, as instituições
públicas em questão, como já
foi dito, continuaram reunindo-se, desconsiderando
o movimento indígena, cuja participação
não seria tão justificável
quanto a dos "cidadãos amazonenses".
Para o Coordenador Geral da Coiab, Jecinaldo Saterê
Mawé, este é o momento político
oportuno para se pensar não só no
destino das urnas indígenas, sob a responsabilidade
de arqueólogos reconhecidos e não
só de técnicos, mas também
no destino da própria praça onde foram
localizadas, convertendo-a, por exemplo, num espaço
que abrigue um Museu ou um Memorial Indígena,
que preserve o patrimônio material e a memória
histórica e espiritual do povo que aqui habitava
e dos indígenas que sobreviveram à
invasão européia. Esta é, por
outra parte, segundo Jecinaldo, a oportunidade para
que as autoridades competentes e o governo do Estado
dêem uma demonstração de reconhecimento,
respeito e valorização da diversidade
sociocultural que configura até hoje o Amazonas.
"Tal decisão poderá significar
um gesto simbólico e histórico, que
sem dúvida alguma constituirá um marco
de mudanças no relacionamento que o Estado
e a sociedade brasileira sempre mantiveram com os
povos indígenas. Os povos indígenas,
a sociedade científica, política e
civil, nacional e internacional, atualizadas na
compreensão dos direitos indígenas
e nas leis que os amparam, haverão de reconhecer
e admirar essa determinação",
conclui o coordenador da Coiab.
Fonte: Amazônia (www.amazonia.org.br)
Redação
COIAB - Coordenação das Organizações
indígenas da Amazônia Brasileira