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HIROSHIMA,
DEPOIS DA BOMBA,
BUSCA NO VERDE A ESPERANÇA
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Setembro de 2003
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“De
modo que elaborei um plano destinado a ‘reverdecer’
o campus da Universidade, transformando-o
– da sua totalidade rubra e ferruginosa –
num verde fresco e viçoso! Nada de
vermelho, simbolizando luta e derramamento
de sangue, mas verde, que é a cor do
crescimento e da esperança...”
Trecho da carta de Tatsuo Morito, reitor da
Universidade de Hiroshima, em 1951.
Procura-se uma árvore. Ou será
uma alameda? Quem sabe até um bosque?
Estas perguntas surgem como um desafio à
imaginação suscitado pela leitura
de uma carta que este ano completou 52 anos,
mas que surpreende |
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pela
atualidade e emociona pelos propósitos.
Ela foi escrita em 25 de janeiro de 1951 e
veio da cidade de Hiroshima, no Japão,
devastada pelos efeitos terríveis da
bomba atômica, lançada em 1945,
quando o mundo pode conhecer na prática
a destruição da qual a espécie
humana era capaz.
A carta era uma proposta de paz, uma prosaica
tentativa de reconstrução a
partir da união de esforços
de pessoas de boa vontade. Passado este tempo
todo, resta a curiosidade em saber o desfecho
da iniciativa do reitor da universidade daquela
cidade japonesa, uma das duas a sofrer a destruição
provocada pela explosão nuclear. |
Tatsuo
Morito apelava para instituições
similares do mundo todo e pedia a cada um
a doação de uma semente, uma
muda ou o equivalente ao valor de uma árvore,
para que o esforço conjunto resultasse
no reinicio da vida naquela triste paisagem
devastada.
Hiroshima, assim como o resto do Japão,
renasceu e hoje, pelo que se sabe, a Universidade
de Hiroshima tem novo “campus”. Da iniciativa
de Tatsuo Morito, que deixou o importante
cargo de ministro da Educação
para trabalhar pela reconstrução
da universidade, há dificuldades de
se encontrar registros no Brasil. Da carta
resta apenas a cópia traduzida por
Brenno Silveira, conservada pelo Museu Florestal
Octávio Vecchi, do Instituto Florestal,
e a suposição de que seu original
esteja em algum arquivo da Universidade de
São Paulo.
Quem teria mais informações
sobre a iniciativa do reitor da Universidade
de Hiroshima no início da segunda metade
do século passado? Quem sabe se as
autoridades alfandegárias se sensibilizaram
e as sementes ou mudas puderam vencer as rígidas
restrições sanitárias
para o transporte de espécies vivas,
particularmente no período em que o
mundo começava a conhecer os efeitos
da radiação? Quem sabe se esta
idéia germinou?
Este é o início de uma busca
que começou com a mostra “Semeando
a Paz”, inaugurada em 30 de agosto e que se
estende até outubro, nos salões
do Museu Florestal Octávio Vecchi,
no Parque Estadual Alberto Löfgren, o
conhecido Horto Florestal. A exposição
foi idealizada e montada com apoio técnico
da historiadora Cleide Pinotti de Almeida
e reúne fotos, documentos e objetos
que tratam da paz no mundo. A carta de Tatsuo
Morito é apenas um desses documentos,
mas que se destaca pela idéia genial
de que por meio de uma árvore, de uma
simples muda de árvore, o mundo poderia
partilhar do renascimento de um povo. |
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Guenji
Yamazoe, é um dos que se interessou
pela história e foi atrás do
destino das sementes. Pesquisador científico
do Instituto Florestal há cerca de
30 anos, aproveitou uma viagem ao Japão,
em 1992, a convite da Universidade de Kagoshi,
para fazer contato com a Universidade de Hiroshima
e agendar uma visita, com o objetivo de pesquisar
o assunto, animado com a possibilidade de
encontrar o bosque idealizado por Tatsuo Morito.
Guenji sabia apenas que o pedido encaminhado
ao reitor da USP na época, foi repassado
ao Instituto Florestal que decidiu pelo envio
de sementes de 20 diferentes espécies,
nas quais se incluíam espécies
nativas e exóticas.
O contato foi feito por intermédio
da seção de cooperação
internacional da Universidade de Hiroshima
e Guenji se surpreendeu com a vasta documentação
do projeto iniciado em 1951. |
Os
papéis amarelados pelo tempo registravam
o envio de todas as espécies, detalhando
a origem de cada uma e o desenvolvimento que
tiveram.
A atenção com que foi atendido
e o cuidado com que a história foi
registrada minimizaram a decepção
com o destino das sementes enviadas pelo Instituto
Florestal. O clima diferente, mais do que
o solo arrasado pelos efeitos da radiação,
segundo Guenji, impediram que as sementes
brasileiras germinassem.
Pelo que pode verificar no histórico
mantido pela Universidade, de todas as espécies
enviadas por instituições sul-americanas
apenas uma, mandada por uma universidade argentina,
sobreviveu. O bosque, no entanto, foi formado,
reunindo árvores dos mais diferentes
países que atenderam ao apelo de Tatsuo
Morito. Guenji passeou entre suas alamedas
e pode ver que todas as árvores traziam
placas identificando as espécies, sua
origem e o nome da instituição
que fez a doação.
O antigo reitor certamente pode acompanhar
o verde substituindo a paisagem ferruginosa
que encontrou em Hiroshima e até a
sua morte, há cerca de um ano, deve
ter desfrutado da paz que procurou construir
a partir do cultivo de pequenas sementes. |
Veja na íntegra, a carta
do reitor Tatsuo Morito, reitor da Universidade
de Hiroshima, Japão
UNIVERSIDADE
DE HIROSHIMA
Cidade de Hiroshima, Japão 25 de janeiro
de 1951
Prezado Senhor Reitor:
Na qualidade de reitor da Universidade de Hiroshima,
situada no centro de Hiroshima, famosa em todo o
mundo como “Cidade Atingida Pela Bomba Atômica”
e designada, pela Dieta Japonesa, como “Cidade Comemorativa
da Eterna Paz”, estou escrevendo a um grande número
de universidades de todo o mundo. Assim, inclui
especialmente em minha lista a vossa Universidade,
a fim de solicitar vosso auxílio para a grande
tarefa de reconstrução em que aqui
estamos empenhados.
Desde que vim para esta Universidade, em abril do
ano passado, tenho feito todos os esforços
possíveis no sentido de rejuvenescê-la,
transformando-a numa universidade da paz, como centro
cultural e espiritual de uma cidade de paz.
Permita que me detenha um pouco em alguns dos meus
assuntos pessoais. Imediatamente após o término
das hostilidades renunciei à minha carreira
acadêmica e entrei para a vida política.
Participei do estabelecimento da nova Constituição
do Japão, como membro da Câmara de
Representantes e presidente do Comitê de Pesquisa
Política do Partido Socialista. Como Ministro
da Educação, nos Gabinetes Katayama
e Ashida, estive ativamente empenhado na reforma
drástica do sistema educacional japonês.
Foi, principalmente, pelas seguintes razões
que renunciei ao posto de membro da Câmara
de Representantes a ao meu partido político,
a fim de tornar-me reitor desta Universidade:
1. Estava firmemente persuadido de que o estabelecimento
de um Novo Japão dependia, fundamentalmente,
da educação da juventude, isto é,
da educação de um novo povo. Com o
advento da era Meiji, o Japão lançou-se
a notável revolução nos campos
da política e da indústria, mas jamais
teve verdadeiro renascimento ou reforma social,
no sentido estrito da palavra, como os experimentados
pelos povos europeus. O Japão necessita,
acima de tudo, de uma revolução espiritual
ou humana, que torne sólidas as bases de
nossa nova Constituição;
2. A fim de criar uma cidade pacífica, nada
é mais importante, para o povo de Hiroshima,
do que alimentar pensamentos pacíficos, bem
como o desejo de realizar uma paz permanente. Esses
pensamentos basear-se-ão na lembrança,
sempre presente, de uma cidade devastada por bomba,
o que constituiu uma tragédia tão
grave e eloqüente como jamais se teve notícia.
Penso que isso é tanto mais necessário
quanto me lembro de que, desde meados da Era Meiji,
Hiroshima foi um dos nossos principais centros militares.
Julgo, pois, que a nossa Universidade tem a importante
responsabilidade de ser um centro espiritual para
a cidade. É extremamente urgente a realização
dessa responsabilidade, mas é ela, também
difícil de atingir-se, em vista da situação
atual, tanto aqui no país, como no exterior.
Material e espiritualmente, o estabelecimento de
uma Universidade de Paz constitui tarefa hercúlea,
como o é a de manter o mundo em paz duradoura.
Os cidadãos da cidade e da prefeitura de
Hiroshima, apoiados pelo Governo Nacional e pela
seção de Informação
e Educação Civil, estão cooperando
neste empreendimento. Devido, porém, às
severas circunstâncias existentes no Japão,
desde a rendição, tal trabalho se
processa lentamente.
Além disso, creio ser esse, por si só,
um projeto bastante significativo, por permitir
que tantas universidades do mundo cooperem no estabelecimento
de uma Universidade da Paz, numa cidade considerada,
com tanta freqüência, como sendo a Meca
do movimento mundial a favor da paz. É por
essa razão que gostaria de solicitar a vossa
assistência em prol da reconstrução
da nossa Universidade. E essa cooperação,
embora possa não representar muito, do ponto
de vista econômico, será de profunda
significação, do ponto de vista espiritual,
ao contribuir para a compreensão internacional
e a paz permanente do mundo. Será isso benéfico
não apenas aos estudantes e professores da
Universidade que recebe tal auxílio, mas
também às universidades que o oferecem.
Sei, contudo, que, em todos os países, nem
sempre as Universidades dispõem de verbas
amplas para a sua própria manutenção,
de modo que desejo acentuar mais o caráter
de assistência moral e de encorajamento que
tal auxílio representaria do que o significado
das contribuições materiais. Apreciaria
muitíssimo se aceitásseis uma das
duas sugestões seguintes, ou ambas:
1. Desejo estabelecer, em nossa Universidade, um
instituto de pesquisas de problemas relacionados
com a paz internacional. Como fase inicial desse
programa, pretendo reunir livros e publicações
relativas aos problemas da paz. Esta é também
uma tarefa gigantesca para a Universidade de Hiroshima,
a qual, durante a guerra perdeu completamente a
sua biblioteca central, bem como todo o seu acervo
de obras. Desejo vossa ajuda nesse empreendimento.
Ficaria muitíssimo satisfeito se a vossa
Universidade nos enviasse um livro, ou folheto –
quanto mais, naturalmente, melhor – considerado
de valor pela vossa Universidade ou digno de nota
pelo vosso país. Faremos neles uma inscrição
com o nome de vossa Universidade, em memória
de nossa boa vontade, conservando-os permanentemente
na “biblioteca internacional da paz” de nossa Universidade.
A leitura desses livros e, com efeito, a sua própria
existência em nossa biblioteca, creio eu,
criará e manterá, indubitavelmente,
uma atmosfera de amizade internacional, de acordo
com os sentimentos que prevalecem na Universidade
da Paz.
Nossa Universidade consiste de faculdades que abrangem
os campos da Literatura, Economia-política,
Educação, Ciências, Engenharia,
Pesca e Criação de animais. Se, portanto,
vossa Universidade possuir, além de livros
referentes a problemas da paz, quaisquer obras disponíveis
nesses campos de estudo e puder reservá-los
para nós, isso seria grandemente apreciado.
2. Gostaria de pedir a vossa cooperação
no plano de “reverdecimento” de nossa Universidade.
Fui tomado de surpresa, quando vim para Hiroshima
pela primeira vez, após o término
da guerra, ao ver os edifícios meio construídos
da Universidade ao meio da paisagem nua e desolada,
destituída de uma única árvore
de folhas verdes, exatamente como se encontravam
outras partes da cidade. De modo que elaborei um
plano destinado a “reverdecer” o campus da Universidade,
transformando-o – da sua totalidade rubra e ferruginosa
– num verde fresco e viçoso. Nada de vermelho,
simbolizando luta e derramamento de sangue, mas
verde, que é a cor do crescimento e da esperança,
pois creio que essa deveria ser a cor da nossa Universidade.
Gostaria de pedir-vos que nos auxiliásseis,
também, nesse programa. Levando-se em conta
que milhares de alunos que estudam em nossa Universidade
(pois há nela 4.500 alunos) observarão
que a árvore sob cuja sombra estiveram descansado
foi enviada através da boa vontade da universidade
“A”; que a alameda ao longo da qual estiverem caminhando
foi plantada mediante as dádivas das universidades
“B” e “C” e que as cercas vivas, cobertas de lindas
flores, são um símbolo da amizade
da universidade “D”, é fácil de imaginar-se
a nova inspiração, para a amizade
internacional, que disso poderá resultar.
Acaso não seria isso mais poderoso do que
milhares de palavras ou uma série de discursos
destinados a cultivar o espírito de amor
na mente dos estudantes?
Alimentando tal sonho em meu espírito, rogo-vos
nos envieis uma pequena árvore que caracterize
o vosso país ou a vossa universidade. Contudo,
nas atuais condições, isso poderia
ser, de certo modo, difícil. Caso fosse impossível,
algumas sementes da mesma árvore poderiam
substitui-la. Quanto a nós, faremos o melhor
possível, para as semear e cultivar. Se mesmo
isso não for possível, poderíamos
procurar uma pequena árvore, aqui em Hiroshima,
de acordo com vosso desejo e com a verba que para
isso destinardes. Neste caso teria de enviar-nos
uma soma em dinheiro, correspondentes a três
dólares americanos, para cada árvore
e a respectiva tabuleta, mostrando o nome do doador.
Ser-nos-á de grande auxílio se a espécie
da árvore for indicada. Se a árvore
por vós indicada não puder suportar
o clima ou o solo de Hiroshima, permitiríeis
que escolhêssemos uma outra que a substituísse,
de acordo com o conselho de nossos professores especializados
em horticultura? A árvore que acaso pudésseis
dar, seria longamente lembrada pela tabuleta a ela
apensa, com o nome de vossa Universidade, junto
ao da própria árvore. Em vista da
crítica situação internacional,
desejo caminhar na direção do slogan
“Nada de novas Hiroshimas”. Para isso, peço
vossa assistência, no sentido de criar-se
esta Universidade não só como uma
universidade da paz, mas, também, como centro
espiritual para a “Cidade Atômica da Paz”.
Com os meus melhores votos para a prosperidade de
vossa Universidade e a difusão do espírito
de amor à paz, espero que se iniciem uma
ligação cordial e um espírito
de cooperação entre a vossa Universidade
e a nossa.
Sinceramente vosso,
Tatsuo Morito
Reitor da Universidade de Hiroshima
Fonte: Secretaria de Meio Ambiente
do Estado de São Paulo (www.ambiente.sp.gov.br)
Eli Serenza
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