Panorama
 
 
 

PLANTIO DE SOJA TRANSGÊNICA SEM
LICENCAIMENTO AMBIENTAL É NOVAMENTE LIBERADO

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Setembro de 2003

Visivelmente contrariado e sofrendo pressões do presidente Lula, que estava em Nova York, o vice-presidente José de Alencar assinou ontem (25/9) a Medida Provisória nº 131. Hoje, as manifestações contra os transgênicos e em favor da ministra do meio ambiente Marina Silva se estenderam ao longo do dia.
Quando os representantes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) chegaram ao Palácio do Planalto, no início da noite de ontem (25/9) para encaminhar ao presidente em exercício, José de Alencar, duas moções aprovadas naquela manhã, encontraram-no abatido e contrariado. Depois de quatro dias de negociações intensas e pressões de diversos setores, Alencar estava de cabeça baixa, visivelmente constrangido diante da responsabilidade em editar e assinar a nova Medida Provisória (MP) que liberaria o plantio e comercialização da safra 2003/2004 de soja transgênica – o que de fato aconteceu, horas mais tarde.
A MP teve pelo menos três versões. A primeira buscava restringir a liberação apenas ao Rio Grande do Sul, estado com maior produção de soja transgênica no Brasil; a segunda previa a realização do Estudo de Impacto Ambiental em 60 dias, a ser feito pelo Ministério do Meio Ambiente. Muitas reuniões mais tarde, chegou-se a um texto que restringia a liberação apenas aos produtores que haviam guardado sementes da safra anterior para uso próprio, sendo que o plantio não poderia ser feito em áreas protegidas e diante do qual os produtores deveriam assinar um Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta, além de se responsabilizarem, “solidariamente, independentemente da existência de culpa”, por quaisquer danos causados a terceiros. Para prolongar um pouco mais o impasse, o texto final ainda foi publicado errado no Diário Oficial da União de hoje, sendo que foi preciso a publicação de uma nova edição, especial, para corrigir o erro.
Em meio a tanta confusão, entretanto, merece destaque o artigo 10 da MP que estabelece: "Fica vedado o plantio de sementes de soja que contenham organismo geneticamente modificado nas áreas de unidades de conservação e respectivas zonas de amortecimento, nas terras indígenas, nas áreas de proteção de mananciais de água efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público e nas áreas declaradas como prioritárias para a conservação da biodiversidade."
Seja como for, a Procuradoria Geral de República, na figura do procurador Cláudio Fontelles, deverá se pronunciar definitivamente sobre o assunto só na segunda feira. Mas anunciou disposição em questioná-la.
Já o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) divulgou nota pela manhã, na qual considera a edição da Medida Provisória 131/03 “uma das mais profundas agressões aos direitos dos cidadãos brasileiros”. Na nota, a coordenadora executiva da instituição, Marilena Lazzarini, afirma: “Além de não estar cumprindo seus compromissos de campanha, o governo não cumpre sequer o que ele mesmo determinou quando da edição da MP nº 113, isto é, que seria liberada apenas a soja daquela safra e que o assunto seria encaminhado ao Congresso Nacional. Também não está cumprindo o decreto 4680/2003, pois nenhum produto dessa safra foi rotulado nem foi fiscalizado”. No final da tarde, em outra nota, o Idec anunciou que entraria com processo na justiça para exigir que o governo fiscalize e proíba o uso ilegal de glifosato (um defensivo agrícola) nas lavouras de soja transgênica.

Manifestações

Quinta-feira, 25/9, foi um dia particularmente agitado no que se refere a manifestações. Pela manhã, três ativistas do Greenpeace subiram parte da rampa do Planalto carregando um cartaz, que lembrava do compromisso assumido pelo então candidato Luiz Inácio da Silva, em 2002. Durante a campanha presidencial, Lula respondeu a um questionário elaborado pela organização não-governamental, no qual afirmava que manteria a proibição sobre a comercialização dos transgênicos, caso fosse eleito (veja abaixo a matéria Memória). Um dos manifestantes estava fantasiado de Lula, com uma faixa presidencial onde podia-se ler “Partido dos Transgênicos”.
À tarde, a Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos circulou uma “nova mobilização urgente” pela internet. O manifesto pedia que as pessoas enviassem flores – ou cartões virtuais de flores - em apoio à ministra do meio ambiente, Marina Silva. A Campanha já havia elaborado mensagens para serem enviadas por e-mail à Presidência da República, contra a edição da nova MP.
Por sua vez, o Conama aprovou, em reunião, duas moções para serem levadas ao vice-presidente: uma em apoio ao posicionamento público de Marina Silva em defesa do Princípio de Precaução, e outra contra uma MP que liberasse mais uma safra de soja transgênica.
Hoje, 26/9, cerca de 150 pessoas, incluindo representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da organização Articulação das Mulheres e outras ONGs, fizeram uma manifestação em frente ao Ministério do Meio Ambiente, em apoio à ministra Marina Silva.

Não houve fiscalização

Embora a rotulagem de produtos que contenham mais de 1% de componentes geneticamente modificados em sua composição seja obrigatória devido a um decreto publicado em abril de 2003, não houve fiscalização efetiva este ano por parte do governo. O Greenpeace divulgou um caso ilustrativo na semana passada sobre esta questão. Após analisar uma amostra de ração para aves da marca Vitosan, um produto da Bunge Alimentos, o laboratório Genescan constatou a presença de 30% de soja transgênica com um grau de alteração médio de 5%. Em um encontro com a organização não-governamental, em 11/9, a empresa afirmou não haver tomado providências no sentido de regularizar a situação e disse estar “aguardando a definição de detalhes para a rotulagem”.

O ISA analisa a Medida (im)provisória

Em breve análise do texto da MP, o coordenador adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, o advogado André Lima, afirma que há uma contradição em sua essência. Vários dispositivos admitem, ora explicitamente, ora implicitamente, que a atividade regulada é potencialmente impactante, o que induziria à conclusão pela inconstitucionalidade da dispensa de estudo prévio de impacto ambiental para o plantio da soja. Exemplo disso é o parágrafo único do artigo 2º que impõe aos agricultores a queima total do estoque de sementes transgênicas existente após 31 de dezembro de 2004. "Ora, não fosse presumível o impacto significativo, porque a própria MP imporia a queima do estoque?", questiona André Lima. Outro exemplo é a comemorável proibição de plantio nas proximidades de unidades de conservação, terras indígenas, áreas de mananciais e prioritárias para a conservação da biodiversidade, garantida pelo empenho da ministra Marina Silva.
A exposição de motivos nº 38, assinada pelo ministro chefe interino da Casa Civil, Swedenberger Barbosa, para justificar a urgência e relevância da matéria, afirma que o próprio Presidente Lula enviou a mensagem 349 ao Congresso Nacional, em 25 de julho deste ano, propondo a adesão do Brasil ao Protocolo de Cartagena. Isso significa que o Presidente da República assume perante o Congresso Nacional o Princípio da Precaução como pressuposto para a liberação de OGMs no ambiente, o que pressuporia a necessidade de análise de risco e estudo prévio de impacto ambiental.
Portanto, o fundamento da MP não condiz com seus efeitos. Segundo Lima, o Decreto 4.846, também publicado hoje no Diário Oficial da União e regulamenta o artigo 3º, refere-se ao termo de ajustamento de conduta imposto pela MP aos seus "beneficiários", considera a atividade expressamente ilegal. E que para ser realizada nos termos da MP o agricultor deve assinar o termo reconhecendo a ilicitude de sua atividade. Isso reforça a contradição normativa, desta vez entre a MP e o decreto, ambos assinados pelo presidente em exercício, José de Alencar.
Vale destacar que o reconhecimento acima referido, que supostamente beneficiará os agricultores, só levará inevitavelmente a serem acionados pelos titulares de direitos de propriedade intelectual sobre as sementes transgências para pagamento de royalties. Prato feito para a Monsanto!

Contradição por contradição, o próprio partido do Presidente Lula propõs Ação de Inconstitucionalidade (Adin) em 1995 contra o artigo 2º do Decreto Federal 1.752/95 editado pelo então Presidente FHC, que dava poderes à CTNbio de dispensar o EIA/Rima para o plantio de transgênicos. A Adin 2007 movida pelo PT não chegou a ter o mérito apreciado, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não caberia na hipótese de questionamento de decreto a ação de inconstitucionalidade, mas sim ação civil pública. E esta foi posteriormente movida em 1997 pelo Idec, cuja sentença foi procedente.

Memória

A edição de uma nova Medida Provisória, liberando o plantio e a comercialização da safra 2003/2004 de soja geneticamente modificada, vai contra o Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores.
O caderno Meio Ambiente e Qualidade de Vida trata da questão nas páginas 9 e 25, ressaltando que “o Brasil ainda não pode comercializar os organismos geneticamente modificados”, devido ao “potencial impacto dos transgênicos à saúde e ao meio ambiente” (princípio da precaução). O texto questiona ainda a competência da CTNBio para decidir sobre o assunto e faz algumas propostas, entre elas a seguinte:
“Assegurar a realização de uma avaliação ambiental estratégica, além dos estudos de impacto ambiental, aferindo os impactos do eventual ingresso do Brasil no grupo de nações que praticam cultivos com sementes transgênicas, bem como a intensificação da pesquisa científica, em especial quanto a avaliações exaustivas sobre impactos toxicológicos e socioeconômicos”- página 25.
Já o caderno Vida Digna no Campo, à página 9, pede a manutenção da “moratória provisória na produção, comercialização e consumo dos produtos transgênicos, sem desprezar os investimentos públicos na pesquisa, até a definição do perfil do mercado desses produtos, e o conhecimento científico sobre os seus reais impactos na saúde humana e no meio ambiente”.
Entretanto, é o caderno do Projeto Fome Zero, de outubro de 2001, que mais se alonga sobre a discussão. O tema é tratado nas páginas 50, 53, 87 e 92 – o trecho abaixo foi retirado da página 87:

“Coerentemente com o diagnóstico realizado de que o problema da fome do Brasil, hoje, não é a falta de disponibilidade de alimentos , mas o acesso a eles, não concordamos com a justificativa de que a produção de alimentos transgênicos ajude a combater a fome no país. Pelo contrário, a liberação da produção de transgênicos promoverá uma maior dependência dos produtores dessa tecnologia que, além de mais cara, é monopólio de empresas multinacionais (cerca de 90% das variedades em teste no Brasil são patenteadas por apenas seis empresas multinacionais, que estão entre as maiores do mundo). Além disso, agravaria a atual dependência por outras tecnologias associadas, como uso de herbicidas e outros insumos, para os quais essas plantas são resistentes. O cultivo de produtos transgênicos poderá prejudicar o acesso aos mercados externos importantes para o Brasil, que exigem áreas livres de transgênicos e pode promover uma poluição genética com resultados imprevisíveis. Dessa forma, o Projeto Fome Zero apóia as propostas da Campanha Nacional Por um Brasil Livre de Transgênicos, que envolve diversas entidades e ONGs ligadas aos movimentos sociais e ambientais”.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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