documentavam
o protesto também foram agredidos.“Nós
só lamentamos que um protesto pacífico
de comunidades pela defesa de suas florestas
resulte em violência. Enquanto a força
for usada por grupos em disputa, estaremos
longe das soluções justas
e sustentáveis”, disse Nilo D’Avila,
da campanha da Amazônia do Greenpeace.
“O protesto das comunidades locais da região
de Santarém é um grito contra
o avanço da soja na Amazônia
e seus terríveis impactos sociais
e ambientais”.
A expansão da monocultura de soja
vem sendo apontada como um dos principais
vetores do crescente desmatamento na Amazônia.
Entre 2001 e 2003, mais de cinco milhões
de hectares de floresta foram destruídos
na região, o equivalente a nove campos
de futebol desmatados por minuto. Além
disso, o terminal da Cargill,
|
construído
irregularmente sem a realização
de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA),
causou uma verdadeira revolução
na economia regional de Santarém
sem que a prefeitura local, o governo do
estado ou o governo federal tivessem tempo
de se preparar para minimizar os impactos
desse processo.
“Esta situação é ruim
porque a soja está avançado
sobre áreas de floresta e expulsando
os colonos da terra. Nosso martelinho é
um símbolo de protesto: Cargill,
fora da nossa região!”, disse Raimunda
Bentes Gomes, 51 anos, uma das mulheres
que integraram o protesto. “A Cargill chegou
a Santarém fazendo promessas de emprego,
mas nós sabemos que é mentira
porque eles trabalham com máquinas
operadas por funcionários trazidos
de fora. Geraram muito mais problemas do
que |
empregos”. Entre 2002 e 2003,
a área cultivada com soja no município
cresceu 130% e o número de produtores aumentou
de 180 para 320. Com a infra-estrutura para exportação,
muitos fazendeiros do sul do País migraram
para Santarém em busca de terra barata para
o plantio de soja, causando um aumento no preço
do hectare de R$ 80 para R$ 1.200 em apenas 3 anos.
Pequenos proprietários locais e comunidades
rurais estão sendo forçadas a sair
de suas terras e engrossar o cinturão de
miséria da cidade. “Os comunitários
chegam às cidades sem perspectivas e sem
formação e, no final, acabam virando
peões de suas próprias terras. A Cargill
inclusive financia alguns produtores e existem estudos
que apontam que a área plantada aqui na região
pode ser ampliada em até cinco vezes. Se
o EIA/RIMA tivesse sido feito antes da construção
do terminal graneleiro, estes impactos sociais e
ambientais teriam sido previstos”, afirma José
Costa, 32 anos, secretário-executivo do GTA
(Grupo de Trabalho Amazônico) do Baixo Amazonas.
“Esperamos que a justiça seja feita”.
O Greenpeace apóia a luta das comunidades
de Santarém. “Ocupar a terra com monocultura
de soja e construir este tipo de infraestrutura
vão na contramão de um modelo de desenvolvimento
sustentável para a região amazônica
e seus habitantes”, afirma Nilo D’Ávila,
da campanha da Amazônia do Greenpeace. “Não
existem estudos científicos que comprovem
a sustentabilidade do cultivo da soja em uma região
com o clima da Amazônia. Trata-se de um gigantesco
experimento agrícola sem garantias de que
vai dar certo a longo prazo”.
Em 1999, o Ministério Público Federal
(MPF) de Santarém entrou com processo (2)
para exigir que a Companhia Docas do Pará
(CDP) realizasse os estudos de impacto ambiental
antes de abrir o processo de licitação
para a construção dos novos terminais
no porto de Santarém. A CDP discordou da
decisão do Ministério Público
e conseguiu abrir concorrências para construção
através de uma liminar. A Cargill venceu
uma delas e, utilizando a mesma liminar da CDP,
investiu 20 milhões de dólares para
instalar um terminal graneleiro em Santarém
(3).
Em novembro de 2003, as instalações
da Cargill já estavam operando. Na mesma
época, a liminar utilizada como base legal
para a construção do terminal no porto
de Santarém foi suspensa (4). As operações
da empresa no local foram paralisadas e iniciou-se
nova batalha judicial. O caso deve ser julgado pela
Justiça Federal nas próximas semanas.
"A Cargill se implantou no coração
da Amazônia sem respeitar a Constituição
do Brasil e as nossas leis ambientais”, disse o
Procurador da República Felício Pontes,
responsável pelo recurso à Justiça
Federal contra o terminal graneleiro. “As ações
continuam em curso e esperamos que muito em breve
a Justiça determine a paralisação
do porto da empresa até que os estudos ambientais
sejam apresentados e aprovados pelo Ibama".
Os movimentos comunitários da região
estão assustados com a velocidade da destruição
ambiental e os impactos sociais provocados pela
implantação do porto da Cargill. Cinqüenta
novos empreendimentos foram instalados recentemente
no município. Embora o PIB local tenha triplicado
em um período de quatro anos, diversos casos
de crimes ambientais, violência contra pequenos
produtores rurais e grilagem de terras foram reportados
desde a chegada da multinacional americana à
região (5). Para a agricultora Neucilene
Farias Moutinho, de 22 anos, “o governo federal
tem que mostrar que a Amazônia é uma
floresta e não um lugar para a monocultura”.
Além de se opor à conversão
da floresta amazônica em campos de soja (6),
o Greenpeace está realizando a expedição
“Brasil Melhor sem Transgênicos” no sul e
sudeste do País como parte de seus esforços
para proteger a biodiversidade do planeta (7). O
navio MV Arctic Sunrise chegou ao Rio Grande do
Sul no início de abril para protestar contra
a liberação e a comercialização
de organismos transgênicos no Brasil.
NOTAS
(1) A Cargill Inc. é
a maior empresa de capital privado do mundo. A
multinacional opera em todas as etapas da cadeia
produtiva agrícola, desde o fornecimento
da semente até o produto final embalado.
Nos EUA, por exemplo, a Cargill controla 42% das
exportações de milho e 31% das exportações
de soja. Já no Brasil, os terminais portuários
estão em Guarujá (SP), Paranaguá
(PR) e Santarém (PA). A empresa também
tem instalações para processar soja
em Mairinque (SP), Barreiras (BA), Rio Verde (GO),
Tres Lagoas (MS), Ponta Grossa (PR) e Uberlandia
(MG). De acordo com um relatório da Corporate
Watch, uma instituição de pesquisa
independente do Reino Unido, “a Cargill visa conseguir
poder político e econômico nos países
em que atua, influenciando leis, políticas
e programas em benefício próprio”.
(2) Processo número 2003.39.02.001733-3;
número de classe 9.108.
(3) De acordo com o Ministério
Público Federal, a Cargill e a CDP desrespeitaram
a Constituição Federal que exige
Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para este
tipo de construção. Na tentativa
de contornar a legislação federal,
a Cargill realizou um estudo ambiental com o aval
da Sectam (Secretaria de Estado de Meio Ambiente
do Pará) para construir o terminal graneleiro.
(4) Foi realizada uma audiência
pública na cidade com cerca de 30 ONGs
locais que incentivaram o Procurador da República
a usar uma ferramenta legal chamada Ação
Atentado contra a empresa: já que a Cargill
não realizou o EIA/RIMA como deveria e
o porto já está construído,
a solução seria demolir as instalações
da empresa.
(5) De acordo com o jornal O
Impacto, de Santarém, desde 2002 foram
abertos 73 Procedimentos Administrativos relacionados
a conflitos agrários e grilagem de terras
somente na Procuradoria da República no
Município de Santarém. Segundo o
titular Dr. Nilo Marcelo, 56 viraram inquéritos
policiais e estão sendo apurados pela Polícia
Federal, enquanto 17 estão em andamento
e deverão se transformar em inquéritos.
As áreas griladas estão entre as
mais cobiçadas pela reserva de madeira
nobre e por ser ideal para o cultivo de grãos.
(6) A Amazônia é
responsável por 20% da soja produzida no
País. De acordo com pesquisas do Museu
Paraense Emílio Goeldi, a conversão
de florestas em campos de soja têm sérios
custos sociais e ambientais, entre eles: a erosão
do solo, os efeitos nocivos de agrotóxicos
no meio ambiente e na saúde humana e a
expulsão de comunidades tradicionais de
suas terras para o plantio de soja. Dados da Comissão
Pastoral da Terra indicam que 6% dos casos de
trabalho escravo no Brasil estão relacionados
ao cultivo de soja. Os recursos governamentais
usados em subsídios à soja seriam
melhor utilizados em educação, saúde
e investimentos em atividades que pudessem gerar
mais empregos que a cultura mecanizada da soja.
(7) No dia 26 de abril, o Greenpeace
se uniu à fazendeiros e membros do grupo
indígena Wichi, na Argentina, para protestar
contra um projeto do governo que visa vender suas
reservas naturais para serem transformadas em
campos de soja transgênica. A reserva natural
dos índios Wichi representa não
apenas seu lar como o modo de vida da população
local e a biodiversidade argentina.