Panorama
 
 
 

INAUGURADOS DOIS CENTROS DE EDUCAÇÃO E CULTURAL INDÍGENA NAS aLDEIAS GUARANI DE PARELHEIROS (SP)

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Junho de 2004

Na última sexta-feira, 28/05, a prefeitura de São Paulo inaugurou dois Centros de Educação e Cultura Indígena (CECI) nas aldeias Krukutu e Tenonde Porã, no extremo sul da capital paulista, em resposta às reivindicações dos Guarani diante do descaso histórico no trato da questão indígena pelas políticas públicas no município.
Na manhã fria da sexta-feira, 28/5, muitas crianças Guarani aguardavam o início da festa de inauguração dos novos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECI) vestidas com seus novos uniformes vermelhos, distribuídos pela Prefeitura de São Paulo. A comitiva, tendo à frente a prefeita Marta Suplicy, acompanhada por secretários municipais e outras autoridades, inaugurou primeiramente o CECI da aldeia Krukutu, onde habitam cerca de 160 Guarani e, em seguida, o CECI da aldeia Tenonde Porã (também conhecida como “Barragem”), onde moram aproximadamente 600 índios.
Com a presença de cerca de 300 pessoas, entre elas o presidente da Câmara dos Vereadores, Arselino Tatto, e o subprefeito de Parelheiros, Carlos Henrique Pires Pereira, a cerimônia de abertura dos centros ocorreu na aldeia Tenonde Porã e incluiu uma apresentação musical guarani, discursos dos caciques das três aldeias dessa etnia no município de São Paulo (o cacique da aldeia Jaraguá, José Fernandes, que deverá ter um CECI inaugurado no dia 5 de junho, também estava presente) e das autoridades envolvidas no projeto.
As lideranças indígenas destacaram em suas falas o descaso histórico que os poderes públicos vinham demonstrando para com a questão indígena em São Paulo e que o CECI poderia representar uma mudança de rumo, contribuindo para a melhoria na qualidade de vida daquelas comunidades, hoje extremamente precária, e a valorização da cultura guarani para o restante da sociedade.
Os discursos de Marta Suplicy e da secretária municipal de Educação, Cida Peres, reiteraram essa afirmação, apontando o Centro de Educação e Cultura Indígena como um divisor de águas no trato da temática indígena na cidade. Por fim, houve troca de presentes entre os Guarani e o secretário dos Esportes, Júlio Filgueira, que recebeu miniaturas de animais esculpidos em taquara, artesanato típico guarani, e presenteou as crianças com bolas de futebol. A idéia do CECI vinha sendo debatida há cerca de dois anos entre os Guarani e a prefeitura. Inicialmente, a demanda dos índios era por um Centro Cultural, mas como as negociações ocorreram no âmbito da Secretaria de Educação (Seduc), na esteira dos Centros de Educação Unificada (CEUs), chegou-se a esse formato.

O diferencial do CECI

As atividades cotidianas desses centros estarão voltadas para as crianças com até seis anos, uma vez que as aldeias possuem escolas estaduais dirigidas para a formação acima de sete anos. O espaço, porém, estará aberto a toda a comunidade para usos diversos. O projeto pedagógico foi formulado em conjunto com os índios e uma equipe de antropólogos, contratada pela Secretaria de Educação, sob coordenação de André Toral. A proposta é que as atividades estejam imbricadas no cotidiano das comunidades, envolvendo espaços como a mata, a opy (“Casa de Reza”) e outras aldeias Guarani. Com esse objetivo, foram definidas quatro linhas temáticas: história e memória; artesanato; brinquedos e brincadeiras; culinária. Este último item inclui, além da alimentação que será fornecida diariamente pela Prefeitura, dois dias na semana em que a merenda terá um cardápio tradicional, a ser elaborado pela própria comunidade com a participação das crianças, como parte do aprendizado.
Todas as atividades serão desenvolvidas na língua Guarani e contarão com professores indígenas. No entanto, os Guarani se depararam com um obstáculo na legislação vigente, que não permite a contratação de professores sem o título de magistério. Por essa razão, como aponta Paula Pinto e Silva, antropóloga da equipe responsável pelo projeto, foram definidos cargos de monitores e orientadores ao invés de professores. Desde o início de maio até o final de julho, os monitores estão participando de um curso de capacitação, que terá acompanhamento suplementar de dois meses pelo grupo de antropólogos. Está prevista a contratação de seis monitores para cada CECI, cada um deles responsável por cerca de 20 crianças. Já os orientadores - seis em cada aldeia - serão nomeados entre os mais velhos e farão oficinas com as crianças com o objetivo de transmitir conhecimentos tradicionais associados aos quatro eixos temáticos.
Outro diferencial do CECI está sendo a elaboração de um calendário escolar adaptado aos costumes guarani, de modo que as atividades serão reguladas de acordo com as festas tradicionais e demais atividades sazonais do grupo. Assim, exemplifica Paula Pinto e Silva, no mês anterior à Festa do Milho as atividades estarão voltadas para a preparação desse ritual e a ampliação do conhecimento a seu respeito. De todo modo, a antropóloga destaca que o papel do CECI é complementar ao que ocorre na opy, que continuará sendo o núcleo da reprodução cultural desses grupos. Isso porque, apesar do conteúdo que será trabalhado nos CECIs estar voltado para o repertório cultural guarani, o formato institucional em que isso se dá não é indígena. Tanto é, que estão previstas oficinas de capacitação com equipes não-indígenas, como a que deve ocorrer na última semana de junho. Trata-se de uma oficina de computação, a ser ministrada pelo departamento de Informática Educativa da Seduc/SP, para capacitar todos os interessados nas comunidades a utilizarem os 12 computadores de última geração instalados em cada uma das aldeias. Em etapa posterior, os monitores serão capacitados para elaborar o material didático do CECI no computador, sendo que a equipe da Seduc está elaborando um teclado adaptado ao alfabeto guarani.

Os Guarani em Parelheiros

Localizadas no extremo sul da cidade, no perímetro da APA (Área de Proteção Ambiental) municipal Capivari-Monos, essas duas aldeias possuem territórios exíguos, tendo cada uma 26 hectares. Não há, portanto, terra suficiente para o cultivo das roças nem mata para as atividades sazonais de caça e coleta, práticas tradicionais e necessárias para a reprodução cultural guarani. Ademais, as aldeias sofrem a pressão da ocupação não-indígena em Parelheiros, que constitui rota do tráfico de drogas, além da recorrência de loteamentos irregulares e outras atividades ilícitas. Há, no entanto, a perspectiva de amenizar a situação adversa em que se encontram essas comunidades. Além do CECI (que pode suscitar uma presença mais efetiva de recursos financeiros e apoio institucional para os projetos guarani), no âmbito do governo do Estado foi criado recentemente o Conselho Estadual Indígena e Comitê Intersetorial de Assuntos Indígenas. Ambos colegiados objetivam, segundo seu Decreto de Criação (no 48.532 de 9/03/2004), promover a conjugação de esforços entre os diversos órgãos, governamentais e não-governamentais, com atuação voltada para a população indígena do Estado.
Os Guarani de Parelheiros ainda podem contar com recursos advindos do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) de Furnas, em razão da passagem de uma linha de transmissão de energia em sua área de ocupação. O TAC prevê o financiamento de projetos de cunho ambiental e cultural nas aldeias, bem como o patrocínio do processo de ampliação da Terra Indígena. Um GT (Grupo Técnico) instituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai) elaborou o documento de identificação da área a ser ampliada, mas que ainda aguarda assinatura do presidente do órgão. Para acelerar esse processo, o cacique da aldeia Tenonde Porã, Timóteo Vera Potyguá foi à Brasília na semana anterior. Os índios estão reivindicando uma ampliação que una as duas aldeias em uma única Terra Indígena, cujo perímetro seria próximo de nove mil hectares, abarcando cerca de um terço da APA Ca pivari-Monos. Caso aprovada, essa nova área também deverá incidir sobre parte do Parque Estadual Serra do Mar e em algumas propriedades particulares, que terão seus títulos anulados.
Por essa razão, situações de tensão entre moradores não-indígenas na região e os Guarani vêm ocorrendo desde o início do processo demarcartório, em agosto de 2002, e só poderão começar a ser resolvidas quando o novo perímetro da TI estiver definido. O cacique – que na inauguração do CECI estava vestindo uma camiseta da I Conferência Nacional de Meio Ambiente com os dizeres “Garantir os direitos ambientais dos povos indígenas é uma questão de vida” –, destaca a importância da preservação ambiental da área para seu grupo e que, em posse dos Guarani, ela estará menos sujeita a degradação e invasões.
Em conversa com a equipe do ISA, o cacique Timóteo apontou que a densidade populacional da aldeia Tenondé Porã, atípica nas comunidades Guarani (que não costumam ultrapassar cem indivíduos), é resultado do processo de ocupação não-indígena no território tradicional Mbyá (subgrupo Guarani ao qual pertence a maioria dos moradores da aldeia), que compreende, no Brasil, as regiões Sul e Sudeste. Além de poucas famílias, as aldeias mbyá costumam ter uma grande variação populacional, em razão de deslocamentos característicos desse grupo indígena por motivações de ordem econômica (trocas entre grupos, exaustão de recursos naturais etc.), social (casamentos, cisões de grupos etc.) e religiosa (sonhos do pajé, busca da Terra Sem Mal etc.). Mas, na conjuntura atual, conta o cacique: “Eu sempre digo para meus parentes, nas aldeias em que visito, que não se pode mais deixar a terra, pois está cada vez mais difícil conseguir uma terra boa para ficar”.
Para além da dinâmica fundiária das regiões Sul e Sudeste, a tendência a uma maior concentração populacional e sedentarização de grupos mbyá é de alguma maneira influenciada por projetos como o CECI, uma vez que fornecem uma maior infraestrutura para os grupos residentes, favorecendo sua fixação. Outras políticas públicas que também têm estimulado essa mudança na dinâmica de ocupação tradicional Guarani é o fornecimento mensal de recursos por projetos como o Renda Mínima e o Fome Zero, que já estão sendo implantados junto a esses grupos em São Paulo.
De todo modo, o cacique destaca que a intensificação do contato com o mundo dos juruá (os “brancos”), apesar de necessária, não vai impedir a continuidade de costumes e valores próprios da cultura guarani. O CECI, por exemplo, será um espaço voltado para atividades que preparem os Guarani para uma inserção mais qualificada no universo não-indígena, incluindo aulas de computação e outras atividades não-tradicionais. Mas o exercício diário do modo de ser Guarani não deixará de ocorrer na Casa de Reza, onde os mais velhos ensinam aos jovens as histórias e a visão de mundo desse povo. Além da convivência na opy, a valorização da língua – reiterada no CECI – tem sido um marco da identidade étnica das comunidades Guarani Mbyá. Na infância não se costuma ensinar o Português e a quase ausência de casamentos com juruá também favorece o vigor da língua e das tradições da etnia.
Por fim, vale destacar a arquitetura dos CECIs, que procurou dialogar com os padrões Guarani e contou com a participação dos índios na elaboração do projeto. Entretanto, se esses espaços não forem efetivamente preenchidos por práticas de valorização cultural, melhoria da qualidade de vida, contando com o apoio continuado dos órgãos competentes e o protagonismo da comunidade, será apenas um elefante branco no já exíguo território em que esses grupos se encontram. A ver.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Valéria Macedo)

 
 
 
 

 

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