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A CRISE DA ÁGUA EM SÃO PAULO VIROU QUESTÃO DE FÉ

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2004

No inverno, as pessoas rezam para chover e, no verão, para que chova no lugar certo. Se alguma medida para ajudar o Sistema Cantareira tivesse sido tomada ao longo dos últimos anos, em vez de ameaças de racionamento e pedidos de ajuda a São Pedro, provavelmente, hoje, a situação seria diferente.
Alguém já parou para pensar que, se o Governo do Estado de São Paulo tivesse tratado seriamente as previsões de colapso do Sistema Cantareira feitas desde 2001, talvez não estivéssemos vivendo o dilema de submeter 6,5 milhões de pessoas a um racionamento de água em pleno verão?
Para piorar, as fortes chuvas dos últimos dias esfriaram as comemorações dos 450 anos da cidade de São Paulo com o reaparecimento das enchentes e, com elas, vários quilômetros de congestionamento, bairros alagados, pessoas ilhadas, arrastadas e mortas pelas águas. Enfim, um cenário conhecido por todos e temido por muitos paulistanos.
A conexão entre chuva demais e reservatórios enchendo parece lógica. Na prática, infelizmente, estamos aprendendo que isso não acontece. Não adianta chover na cidade. É preciso chover nas nascentes e nos reservatórios que produzem a água. Além disso, para que boa parte dessa água não evapore com o calor, é necessário que essas áreas tenham vegetação.
Não é o que está acontecendo na região do Sistema Cantareira, responsável pelo fornecimento de água para metade dos moradores da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Grande parte das nascentes desse sistema, e suas principais represas, estão na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Essa região não teve a mesma 'sorte' que a cidade de São Paulo, pois lá as chuvas torrenciais não ocorrem faz tempo.

Alerta em 2001

Em julho de 2001, quando as represas do Sistema Cantareira atingiram 25% de sua capacidade, representantes do governo do Estado declararam à imprensa que a situação era crítica e que o racionamento poderia ser decretado a qualquer momento. O risco de as represas chegarem ao alarmante nível de 5% em novembro era alto. Caso isso ocorresse, seriam necessários quatro anos para que elas se recuperassem.
No mês seguinte, a hipótese de racionamento foi descartada, pois os índices de perda de água haviam diminuído e a projeção mudou de 5% para 10%, o que aumentava as chances de o sistema se recuperar com as chuvas de verão.
O alerta de 2001 foi repetido diversas vezes durante 2003. Especialistas em recursos hídricos defenderam a adoção do racionamento em meados de setembro do ano passado, quando o Sistema atingiu 15% de sua capacidade. Infelizmente, para os moradores da RMSP, nenhuma medida – drástica ou branda – foi adotada.

“Olha o nível”

O nível de armazenamento considerado crítico em 2001 foi atingido no início de novembro de 2003. Um mês depois, o Sistema Cantareira contava com apenas 1,6% de sua capacidade, e a represa Jaguari-Jacareí, responsável por 70% da água produzida, estava praticamente seca.
O que antes era considerado nível crítico – projeção de 5% em novembro de 2001 - virou um nível ‘seguro’. E as expressões ‘represas quase secas’ e ‘nível morto dos reservatórios’ deixaram de ter qualquer relação com falta de água.
A evolução do nível de armazenamento foi calculada a partir dos níveis mensais de armazenamento no Sistema no período de mar/00 até dez/03. Os dados foram obtidos a partir do levantamento dos dados divulgados pela imprensa e disponíveis no site da Sabesp. Os níveis de armazenamento dos meses que não foram divulgados por estas duas fontes, foram estimados. Neste sentido, os valores apresentados são de caráter preliminar e podem apresentar variações em relação aos dados oficiais.

A evolução do nível de armazenamento foi calculada a partir dos níveis mensais de armazenamento no Sistema no período de mar/00 até dez/03. Os dados foram obtidos a partir do levantamento dos dados divulgados pela imprensa e disponíveis no site da Sabesp. Os níveis de armazenamento dos meses que não foram divulgados por estas duas fontes foram estimados. Para 2004, foram adotados os mesmos padrões de 2003. Os valores apresentados são de caráter preliminar e podem apresentar variações em relação aos dados oficiais.

Férias e chuvas

Dezembro chegou, as chuvas aumentaram um pouco, e boa parte da população começou a sair da cidade, em férias. Essa trégua possibilitou maior fôlego para a recuperação do sistema.
Em janeiro, mais um reforço. A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) diminuiu a quantidade de água retirada da Cantareira, de 33 mil litros por segundo para 30 mil litros. Essa redução equivale a deixar nas represas uma reserva de cerca de 8 milhões de caixas d’água de mil litros por mês, que contribuem para aumentar o nível do Sistema em 1%/mês – a capacidade de armazenamento de água no Sistema, considerando volume operacional, foi estimada em 780 bilhões de litros.
Uma redução aparentemente tímida, mas que pode ser muito significativa ao longo do tempo. Diminuir a quantidade de água retirada é como poupar dinheiro. Ao longo de alguns meses já é possível contabilizar lucros. Mas, quem não consegue se controlar, estoura o cheque especial, e economizar por um mês só, não resolve o problema.

E se tivéssemos economizado um pouquinho...

Se essa ‘economia’, praticamente imperceptível para a população, tivesse sido adotada no início de setembro de 2001 (quando as represas contavam com menos de 15% de sua capacidade), o nível do Sistema Cantareira estaria em torno de 34,3% no final do mês passado, podendo chegar a mais de 50% em abril e terminar o período de estiagem perto de 40%.
Tal resultado comprovaria a hipótese de que a melhor forma, talvez a única, de proteger a população é proteger, ao máximo, os sistemas produtores de um colapso, com o menor impacto possível sobre as pessoas. Um racionamento, mais brando e mais longo, que ajudasse a manter a capacidade de recuperação dos reservatórios no período das chuvas e nos períodos seguintes, seria o mais indicado.
Se essa medida, apelidada de racionamento brando, tivesse sido adotada a partir de setembro de 2003, quando o nível das represas estava pouco acima de 15%, o nível de armazenamento do sistema estaria em torno de 10,3% no fim de janeiro.
Caso essa medida, que começou a ser adotada em janeiro, seja mantida até abril, e considerando-se um cenário de chuvas e de esvaziamento dos reservatórios semelhante ao de 2003, o nível de armazenamento poderá chegar a 30,1%. Nada animador perto dos 62,2% em 2002, ou mesmo dos pouco mais de 40% em 2003 (veja o gráfico abaixo).
A evolução do nível de armazenamento foi calculada a partir dos níveis mensais de armazenamento no Sistema no período de mar/00 até jan/04, somados os 1% de economia com a diminuição da vazão retirada. Os dados foram obtidos a partir do levantamento dos dados divulgados pela imprensa e disponíveis no site da Sabesp. Os níveis de armazenamento dos meses que não foram divulgados por estas duas fontes, foram estimados. Neste sentido, os valores apresentados são de caráter preliminar e podem apresentar variações em relação aos dados oficiais. A capacidade de armazenamento de água no Sistema foi estimada em 780 bilhões de litros.

E com racionamento, como fica?

O secretário estadual de Recursos Hídricos de São Paulo, Mauro Arce, declarou no início da semana passada que o racionamento de água poderá ser adotado em breve, atingindo 6,5 milhões de pessoas, que ficariam sem água entre 24 e 36 horas.

Considerando que a economia de 1% e as chuvas de fevereiro podem elevar o índice de armazenamento do Sistema Cantareira para 12%, e que a quantidade economizada de água com a adoção deste tipo de racionamento seja de 11 mil litros por segundo a partir do início do próximo mês, é possível que o nível de 35% seja atingido em julho. Ou seja, seriam necessários cinco meses inteiros de racionamento drástico.

A dura lição de ficar sem água

O mais alarmante é que em nenhum dos casos – racionamento drástico ou brando - estaremos em situação confortável para enfrentar o período de estiagem.
A Região Metropolitana de São Paulo, com uma população de 18 milhões de pessoas, vai ficar sem água. O mais irônico, é que ainda temos água. A produção atual da Sabesp é maior, pouco, mas mesmo assim maior do que o consumo.
Não se trata, nesse momento, de aumentar a oferta. O raciocínio de que a crise atual será resolvida com novas fontes de água é perigoso. Sistemas como o Cantareira levam anos para ficarem prontos, custam caro e, normalmente, causam impactos ambientais e sociais nas regiões onde são construídos.
Considerando o tamanho do déficit no Sistema Cantareira, comprovado pelos níveis de armazenamento apontados como críticos em 2001 e em muito ultrapassados em 2003, é surpreendente que nada tenha sido feito até agora.
Sujeitar 6,5 milhões de pessoas a regime de racionamento é uma decisão difícil. Sustentá-la por alguns meses será uma tarefa impossível. Um duro aprendizado para os habitantes da Grande São Paulo, porém didático para nossos governantes, que vacilantes, ainda não tomaram qualquer decisão.

Fonte: ISA-Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Marussia Whately)

 
 
 
 

 

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