Reunidos em São
Paulo, representantes de comunidades quilombolas
e outras organizações da sociedade
civil se unem para que sejam regularizados cerca
de 1.100 territórios identificados como
sendo de quilombos.
A campanha deflagrada oficialmente
na semana passada começou com um programa
de capacitação para as lideranças
da Coordenação Nacional das Comunidades
de Quilombos – Conaq –, realizado no Instituto
Pólis (SP) entre os dias 16 e 19 de agosto.
As próximas etapas serão: capacitações
regionais, previstas inicialmente para Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e Alcântara;
ações de caráter jurídico
e atividades que terão lugar durante o
Fórum Social Mundial, no início
do próximo ano em Porto Alegre. O movimento
em caráter nacional é promovido
pelo Centro pelo Direito á Moradia contra
Despejos (Cohre), Conaq, e Associação
das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão
(Aconeruq), com apoio do Servicio Latinoamericano
y Asiatico de Vivienda Popular (Selavip) e da
Fundação Ford do Brasil. Dados da
Universidade Nacional de Brasília, da Fundação
Cultural Palmares e do Projeto Vida de Negro,
estimam que sejam 1.098 territórios identificados,
espalhados por quase todo o território
brasileiro (as eceções são
Rondônia, Roraima, Acre, Amazonas e Distrito
Federal). Destes, apenas 29 estão titulados.
Com o mote Justiça Social é regularização
dos territórios de quilombos o movimento
pretende fortalecer e consolidar a posse dessas
terras, consideradas territórios étnicos,
e impedir deslocamentos forçados como os
que ocorreram em Alcântara (MA) na década
de 1980, quando da construção do
Centro de Lançamentos de Alcântara
(CLA) e outros que estão previstos para
acontecer por conta da ampliação
do CLA.
Quer garantir também que os quilombolas
tenham acesso a financiamento público para
programas de agricultura familiar, de saneamento
básico, educação e cultura,
saúde e moradia. Os primeiros passos, no
sentido de mobilizar a sociedade civil para a
questão, se iniciaram na segunda quinzena
de julho, em campanha virtual contra a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta
pelo Partido da Frente Liberal (PFL) perante o
Supremo Tribunal Federal (STF)para anular o Decreto
nº 4.778/03 - marco jurídico que sustenta
toda a política federal de titulação
de terras de quilombos.
Direito Constitucional
A Constituição
de 1988 assegurou aos remanescentes das comunidades
de quilombos o direito às suas terras,
explicitados no artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) e o
direito à manutenção de sua
cultura. Já o artigo 215 estabelece que
o Estado deve proteger as manifestações
culturais e formas de expressão de diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira. Essas
comunidades, que se constituem em territórios
étnicos, foram formadas a partir do século
XVII pela fuga de negros africanos, contra a escravidão
a que eram submetidos pelos colonizadores. Se
autodeterminam como comunidades negras rurais
de Quilombos que preservam costumes, tradições,
condições sociais, culturais e econômicas
específicas que os distinguem de outros
setores da sociedade brasileira.
O caso de Alcântara
Se as terras tivessem sido regularizadas,
500 famílias de comunidades quilombolas
de Alcântara (MA), não estariam vivendo
o pesadelo que ora vivem, por conta da reforma
e ampliação que será feita
no Centro de Lançamentos. Em 1980, um decreto
estadual desapropriou 52 mil hectares de área
para a construção do centro, deslocando
312 famílias quilombolas. Desastrosa experiência.
Algumas delas foram para a cidade e outras para
agrovilas no interior. Antes, perto do mar, combinavam
a agricultura com a pesca. Distantes do litoral,
lutam para não morrer de fome. “Essas famílias
tiveram seu estilo de vida modificado. Houve uma
fragmentação social e até
o cemitério foi destruído. Todos
os valores sociais e culturais foram fragmentados”,
diz Jô Brandão, presidente da Aconeruq
e integrante da Conaq. “Embora Alcântara
seja prioridade para o Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) é o caso
mais complexo. Não há política
pública voltada para lá”.
Para a presidente da Aconeruq não houve
avanços do ponto de vista governamental.
“Fica o pânico. As famílias não
sabem quando serão deslocadas e em função
disso não sabem o que podem plantar para
comer”. Ela conta que os advogados que representam
o Centro de Lançamentos de Alcântara
têm procurado as famílias que moram
no entorno oferecendo indenização
pela benfeitorias que promoveram nas terras. Mesmo
tendo sido orientados pela coordenação
do movimento a não recebê-la, muitos
terminam convencidos pelos advogados. Enquanto
isso, a Casa Civil está em fase final de
avaliação de uma portaria que cria
um grupo executivo interministerial para articular,
viabilizar e acompanhar as ações
necessárias ao desenvolvimento sustentável
do município de Alcântara.
De acordo com nota distribuída pelo Cohre,
“a proposta de portaria sequer menciona a expressão
‘quilombos’ em seu detalhamento em quatro artigos.
Além disso, considera o município
de Alcântara como ‘área de interesse
estratégico por abrigar o Centro de Lançamentos
de Alcântara, componente do Programa Nacional
de Atividades Espaciais’, desconsiderando totalmente
a sua condição de território
étnico”. Ainda segundo a nota do Cohre,
a proposta de portaria prevê que as ações
a serem desenvolvidas no município "deverão
ser compatíveis com o Plano de Desenvolvimento
Sustentável, constante do Diagnóstico
Participativo do município de Alcântara,
coordenado pela Agência Espacial Brasileira".
Entretanto, de acordo com o Cohre, o diagnóstico
participativo mencionado não foi elaborado
nem aprovado com a participação
das comunidades de quilombos ou suas entidades
representativas, as quais representam cerca de
70% da população do município.
A ameaça que paira sobre todas comunidades
que vivem no entorno do Centro de Lançamentos
gerou um manifesto de organizações
da sociedade civil pedindo respeito aos direitos
humanos. Clique aqui para ler.
A campanha nacional
O objetivo é provocar
o debate da sociedade em torno de comunidades
que estão em risco de serem deslocadas
de seus territórios tradicionais e pressionar
o governo a efetivar as medidas previstas na Constituição
para regularizar as terras de quilombos. Mais
que isso. “Expõe o Brasil a uma situação
de lesão de Direitos Humanos que o Estado
tem de reparar”, diz Jô.
Para Ronaldo dos Santos, da Associação
das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de
Janeiro, e pertencente ao Quilombo Campinho da
Independência, no município de Paraty
(RJ), um dos 29 em todo o Brasil com a situação
fundiária regularizada, a campanha quer
sensibilizar o Estado, o terceiro setor e outras
organizações da sociedade civil
e fortalecer os quilombolas na luta pela regularização
de seus territórios.
Principais bandeiras
do movimento de quilombos
:: A disponibilização de recursos
técnicos, legais, financeiros e orçamentários
pelo governo federal, governos estaduais e municipais
para a concretização da titulação
dos territórios de quilombos e o acesso
à políticas públicas de inclusão
social (saneamento básico, agricultura
familiar, educação e cultura, saúde
e moradia).
:: A agilização
dos processos de titulação de seus
territórios, priorizando-se a solução
dos conflitos fundiários que ameaçam
a permanência das comunidades nas suas terras:
construção de barragens; projetos
de desenvolvimento como o Centro de Lançamentos
de Alcântara; expansão da fronteira
agrícola de monocultura; a exploração
de recursos naturais; sobreposição
a reservas ambientais; grilagens; intrusões.
:: Permanência dos Quilombos
nos territórios ocupados, com segurança
na posse, assegurando-lhes o direito de não
serem trasladados ou reassentados sem seu consentimento
e consulta.
:: Participação
das comunidades em todos os espaços públicos
de discussão e definição
de políticas, planos e programas que visem
a promoção e concretização
de seus direitos econômicos, sociais e culturais.