Panorama
 
 
 

O PARASITOLOGISTA NA SELVA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2004

Aos 75 anos, o parasitologista Luiz Hildebrando Pereira da Silva continua mais ativo do que nunca, apesar de oficialmente estar devidamente aposentado. Atualmente, divide o tempo entre Porto Velho, onde dirige o Centro de Pesquisas em Medicina Tropical (Cepem), e Paris, cidade em que viveu por mais de três décadas após ter sido perseguido pelo regime militar no Brasil.
Na França, o professor Hildebrando, como é chamado no meio científico, ocupou cargos de direção no Instituto Pasteur. Foi um dos responsáveis pela organização da unidade de parasitologia da prestigiosa instituição francesa, considerada uma referência mundial na área de doenças tropicais.
Aposentado do Pasteur em 1996, voltou ao Brasil. Prestou concurso no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Aprovado, resolveu se deslocar para a Amazônia, onde funciona um laboratório avançado da universidade paulista, que estuda os aspectos moleculares e epidemiológicos da malária.
Durante o Simpósio Internacional de Neurociência de Natal, encerrado no último dia 8, o parasitologista participou de uma sessão especial sobre doenças tropicais. Esteve ao lado de Ruth e Vitor Nussenzweig, companheiros desde a época estudantil, que também deixaram o Brasil nos anos 60. O casal, atualmente em Nova York, dedica-se a descobrir vacinas contra a malária e outras doenças tropicais.
Em entrevista à Agência FAPESP, Hildebrando falou sobre os seus planos científicos para o Norte do país. Fez um alerta para o grande surto da doença que está atingindo a cidade de Manaus e disse que o Brasil pode praticamente derrotar as infecções causadas pelo plasmódio, mesmo antes de a vacina da malária ser descoberta.

Agência FAPESP – A equipe do senhor em Porto Velho vai começar um novo projeto piloto este ano, para o estudo epidemiológico da malária. Como ele vai funcionar?

Hildebrando - Estamos estudando, há três anos, em uma área próxima a Porto Velho, uma população de ribeirinhos. Encontramos uma regularidade de infecções por incidência de malária e uma freqüência relativamente elevada de pessoas assintomáticas, mas que estão com plasmódio no sangue. Consideramos esses grupos como reservatórios. Esse ano, vamos fazer um corte na população e tentar tratar os portadores da doença junto com os assintomáticos.

Agência FAPESP – A idéia é focar a atenção nesses grupos infectados pelo plasmódio que provocam a malária, mas que não desenvolvem a doença?

Hildebrando - Esses grupos assintomáticos são o núcleo duro da malária em algumas regiões e precisam ser eliminados. Se esse projeto piloto der os resultados que estamos esperando, deverá ter uma conseqüência direta nas novas estratégias de controle da doença. No Brasil, o que se faz é apenas tratar das pessoas que estão com a doença e que procuram o serviço médico.

Agência FAPESP – Quais são os indícios de que essas populações funcionam como um reservatório?

Hildebrando - O exemplo histórico ocorreu durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no início do século passado. Os operários que participaram do projeto chegaram em uma área onde praticamente não existia tanta malária e, hoje, ocorrem epidemias tremendas da doença. A base de nossa hipótese é que as pessoas, ao chegar, entraram em contato com a transmissão dos mosquitos que se infectavam na população local, o que acabou funcionando como um reservatório para a doença. Outros exemplos podem ser citados. Nos anos 60, com a abertura da BR 364, a população em Rondônia aumentou diversas vezes. Os casos de malária aumentaram de forma grandiosa. Nos anos 90, isso voltou a se repetir, com a chegada dos garimpeiros e dos derrubadores de floresta, quando quase 30% da população teve a doença.

Agência FAPESP – Uma estratégia de controle que englobasse as populações sintomáticas e assintomáticas poderia controlar a doença, mesmo sem a existência de uma vacina eficaz?

Hildebrando - Se as pessoas cuidassem da proteção individual, morassem em casas com telas e tivessem acesso a um tratamento médico rápido, os níveis da doença seriam bem menores. As situações social, socioeconômica e profissional da região estão todas relacionadas com a malária.

Agência FAPESP – O exemplo de Manaus não ilustra o que o senhor está falando?

Hildebrando - Atualmente, Manaus é a cidade do país onde mais existe a malária. Houve uma migração de toda a população rural do Estado e também do Nordeste para a região. Todos atraídos pelo centro comercial industrial que se criou com a Zona Franca, e pela grande expectativa de trabalho. O problema é que essa população se instalou em áreas de invasão de terras, em acampamentos. Houve um bloqueio dos igarapés. Eles perturbaram os cursos dessas águas e dos rios. A água represada formou verdadeiros criadouros para os mosquitos. Está havendo uma epidemia grande de malária na periferia de Manaus ligada a esse problema habitacional.

Agência FAPESP – Então, a malária não precisa de uma vacina para ser controlada no Brasil?

Hildebrando - Se conseguirmos desenvolver um atendimento de saúde mínimo para a população e ainda tomarmos medidas profiláticas focalizadas, bem orientadas e conduzidas, temos condições não de erradicar, mas de reduzir a malária a níveis insignificantes. No Brasil, ao contrário da África, a vacina não chega a ser essencial. Claro que, se a tivermos, será muito importante para facilitar o controle.

Agência FAPESP – A situação na África é muito pior?

Hildebrando - Na África, a vacina é absolutamente essencial. Os recursos não existem, ou são muito reduzidos. A população não tem acesso a praticamente nenhum tipo de assistência básica e o déficit na área de saúde é enorme. O sistema de saúde brasileiro, pelo menos o básico, tem se desenvolvido, apesar de todas as dificuldades.

Agência FAPESP – Muito tem se falado na descentralização da ciência no Brasil. O projeto de se criar um centro internacional de neurociência em Natal vai nessa linha. Qual a sua opinião sobre o assunto, com base na experiência do centro criado em Rondônia?

Hildebrando - A instalação de uma instituição científica fora dos grandes centros deve ser reproduzida. Isso tem encontrado apoio não apenas na comunidade científica mas, também entre autoridades do governo, como vimos em Natal. As grandes desigualdades que existem no Brasil também se refletem na ciência. O exemplo de Rondônia é altamente positivo para a descentralização, além de ter um efeito multiplicador. No ano passado, tivemos, no Cepem, 16 dissertações de mestrado feitas por alunos locais em especialidades como microbiologia e entomologia. Essa transferência do conhecimento é essencial para que a ciência e a tecnologia não sejam um luxo do Sul do Brasil, mas sim instrumentos de progresso social nacional.
Por Eduardo Geraque

Fonte: Agência Fapesp (www.agencia.fapesp.br)
Amazônia ORG (www.amazonia.org.br)
Assessoria de imprensa (Eduardo Geraque)

 
 
 
 

 

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