Panorama
 
 
 

BICHO FEIO TAMBÉM TEM DEFENSOR

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Junho de 2004

C&T - Quem são os morcegos?
George - São animais selvagens. Não temos um ancestral estudado, pois este ainda não foi identificado, não foi encontrado um registro fóssil. Hoje em dia é aceito que esse animal é descendente dos macacos, dos arborícolas que comiam insetos. Muitas vezes, o morcego se beneficia da presença humana.

C&T - Todos os morcegos se alimentam de sangue?
George - Não. No Brasil ocorrem 147 espécies, a maioria delas come frutos, apenas três se alimentam de sangue. Então, a visão que morcego chupa sangue é mitológica e errada.

C&T - Qual a importância dos morcegos para o ecossistema?
George - Eles desempenham muitas funções na natureza, dentre as quais podemos citar a dispersão de sementes. Eles recolhem o fruto e vão comer distante do local onde coletou. Com isso ele defeca ao longo do trajeto e assim dispersa sementes facilitando o processo de germinação. São polinizadores efetivos de algumas plantas, promovendo viabilidade genética dessas populações e, além disso, os morcegos que comem insetos conseguem regular as populações de insetos a níveis favoráveis, o que significa que se não houvesse os morcegos insetivos as populações desses seriam enormes. Existem outros morcegos com hábitos alimentares diferentes dos animais carnívoros, que são os pecivos, aquele que comem peixes. É todo um conjunto de funções e nichos ecológicos que faz dos morcegos um grupo importante, um indicador ecológico e de conservação.

C&T - Eles também são provedores de doenças?
George - São potencias vetores de doenças, É desaconselhável que se entre em contato e se manuseie ou tente pegar esses animais sem o devido cuidado, sem a proteção adequada. Eles podem transmitir muitas doenças, mas é basicamente o morcego hematófago, que transmite a raiva - não diretamente ao homem e sim ao gado - que é uma das principais fonte de alimento dos seres humanos.

C&T - O morcego tem uma imagem amedrontadora ou as pessoas têm uma certa repulsa a esse animal devido ao seu visual?
George - Na verdade, esses aspectos são devido à falta de informação. Os morcegos são animais noturnos e a maior parte das pessoas não tem hábitos noturnos e sim diurnos. Dessa maneira, as pessoas não conhecem a natureza no período da noite. Assim, criaturas noturnas sempre estão envoltas em alguma forma de mistério e isso nada mais é do que a falta de conhecimento que nos leva acreditar em mitos.

C&T - Todos os ecossistemas brasileiros são habitados por morcegos?
George - Todos os ecossistemas nacionais e mundiais são habitados por eles. Morcegos existem em todos os lugares, sejam habitado por humanos ou não. Eles estão presentes naturalmente em florestas e algumas espécies podem se dar bem na presença de construções humanas e até nas grandes cidades.

C&T - O morcego é mais urbano ou rural?
George - Existem determinadas espécies que se dão muito bem em ambiente urbano. Por exemplo, os morcegos que comem insetos são muitos abundantes em postes de iluminação, pois estes atraem muitos insetos o que se torna um incentivo. Muitas praças, também são convidativas para eles, pois têm árvores frutíferas. Nem todas as espécies têm coragem de estar habitando os sítios urbanos.

C&T - Quantas das 147 espécies brasileiras são bem conhecidas?
George - Muito pouco ainda se sabe dos morcegos brasileiros. É claro que algumas espécies, como o morcego hematófago, nós já temos um conhecimento um pouco melhor. Este pelo fato de que traz problemas de saúde pública e até econômico em vista da transmissão do vírus da raiva.

C&T - É verdade que o morcego enxerga mal e compensa essa deficiência emitindo gritos em alta frequência, que ao serem refletidos pelos objetos lhe permite desviar com facilidade?
George - Os morcegos enxergam bem, mas não têm uma visão tão desenvolvida como a nossa. O fato é que eles são orientados por um sistema de ecolocalização que é um tipo de sonar, o mesmo sistema utilizado pelos golfinhos. Esse ultra-som é que permite ao morcego se orientar no escuro.

C&T - Podemos dizer que os hematófagos são bem conhecidos em função da transmissão da raíva ou ainda faltam pesquisas?
George - Na verdade, nós temos três espécies que se alimentam de sangue. Só que uma delas é que ataca o rebanho criado pelo homem e muita informação ainda falta a respeito desse morcego.

C&T - O morcego ataca só o gado ou há possibilidade de atacar aos humanos?
George - Existe a possibilidade deles atacarem os humanos, mas apenas em condições especiais como uma pessoa dormindo ao relento, no meio do mato, em cabanas rústicas. Normalmente, eles não atacam voando. Como qualquer animal silvestre ele só irá morder para se defender.

C&T - É verdade que existe na saliva do morcego um componente que impede a coagulação do sangue?
George - Isso é verdade. Existe na sua saliva um componente anticoagulante que permite que o sangue fique vertendo enquanto ele se alimenta. Na verdade, o morcego não suga o sangue. Ele provoca um ferimento e fica lambendo o sangue.

C&T - Essa substância já é bem conhecida?
George - Está sendo investigada agora. Não acompanho os estudos dessa natureza, mas o que sei é que foi identificado esse anticoagulante e muito provavelmente nos próximos anos teremos uma substância no mercado derivada ou sintetizada com base nessa substância encontrada na saliva do morcego.

C&T - Os morcegos são migrantes ou as espécies se localizam de acordo com as regiões?
George - Como a maioria dos estudos sobre morcegos no Brasil ainda é insipiente, não existe essa informação. Particularmente não acredito que existam morcegos migratórios aqui na região neotropical que abrange desde o sul do México até a América do Sul por completo. Mas os morcegos da zona temperada do hemisfério norte costumam hibernar nas épocas menos favoráveis em relação a alimentos e devido a essa circunstância, migram a grandes distâncias.

C&T - Há quanto tempo existe o projeto de estudo de morcegos no Pantanal?
George - Há quatro anos. Aqui na Fazenda Rio Negro faz um ano e meio que estamos levantando as espécies e já catalogamos 26 no total.

C&T - Das 147 espécies brasileiras quantas os pesquisadores acham que possam existir no Pantanal?
George - Já foram catalogadas no Pantanal, nos poucos estudos efetuados, um total de 65 espécies. Como o Pantanal é uma região pouco povoada, tem poucos habitantes por metro quadrado, são morcegos de áreas naturais.

C&T - Nesses dois anos, de um modo geral, o que você sentiu de diferença em relação ao conhecimento das espécies? Que novidade lhe chamou mais atenção?
George - O que acontece no Pantanal, que é bastante curioso, é que a diversidade de morcegos como outros grupos de animais, inclusive o grupo de plantas, é alta. As espécies que vivem aqui são abundantes, pois a expectativa de vida é muito grande. É muito fácil ver bichos por aqui. Na Amazônia ao colocarmos uma rede para capturar morcegos se consegue obter 10 animais, pertencentes de seis a oito espécies. Já no Pantanal, na mesma proporção, das 10 espécies capturadas, todas pertencem a uma única espécie. Há abundância de espécies no Pantanal. Esses ecossistemas são diferentes e comportam configurações de animais e de processos ecológicos diferentes.

C&T - Por que surgiu o interesse de estudar morcegos no Pantanal e não em outra região como Minas Gerais que tem muitas cavernas, por exemplo?
George - Porque sempre estive interessado em conhecer a fauna dos ambientes naturais. A caverna é um micro ambiente que fortalece a existência de algumas e espécies, entre elas o morcego. Seria um estudo direcionado. No caso do Pantanal, que é uma planície muito grande, os morcegos que vivem aqui não precisam de cavernas. O estudo feito em cavernas tem certas limitações, não consegue visualizar no ambiente dele alguns hábitos de comportamentos alimentares porque se captura o animal na sua casa. Na caverna se pode observar claramente o comportamento dos morcegos, o que é uma vantagem. Mas, como o meu estudo é sempre a diversidade biológica, configurações de espécies, extinção, local das espécies, tenho que estar atento aos hábitos florestais.

C&T - Os morcegos estão em alguma lista de extinção?
George - Existem algumas espécies que estão na lista dos ameaçados. Chegamos a esse consenso quando um grupo de especialistas, há alguns anos, se não me engano em 96, se reuniu, cada um com seu montante de dados, listaram as espécies que eram capturadas muito raramente e foram registradas e hoje não são mais. É claro que não temos a comprovação científica que uma espécie desapareceu porque existem poucos estudos sendo realizados nesse sentido, mas há uma tendência de aumentar.

C&T - Há um ano e meio fazendo esse estudo, qual é o próximo passo?
George - É ampliar a área de estudos. Aqui nós estamos no pontual, o próximo passo é conhecer outras áreas do Pantanal que têm diferentes habitat para investigar a biodiversidade do morcego do Pantanal como um todo.

C&T - Você troca informações com os pesquisadores que têm os mesmos objetos de estudo fora do Brasil?
George - Sim. Trocamos informações com pesquisadores aqui do Pantanal, com pesquisadores da Mata Atlântica, da Amazônia, dos Estados Unidos e da Austrália.

C&T - Qual é o nome do projeto?
George - A comunidade do morcego, que chamamos de Rio Negro e o subtítulo seria aluma coisa como: Riqueza (que é o número de espécies), diversidade, fontes alimentares e ecoparasitas associados.

C&T - Essa pesquisa faz parte de algum projeto de doutorado?
George - Pretendo utilizar esses dados para o doutorado. Esses dados estão dentro de um grande projeto financiado pelo CNPq chamado de Peld (Projetos Ecológicos de Longa Duração). Enfim, a pesquisa brasileira está atingindo um nível muito bom e de entendimento. É a longo prazo que iremos entender os padrões da natureza.

C&T - Você trabalha sozinho no projeto?
George - Não. Trabalham também alguns professores da Universidade Federal e do Mato Grosso e pesquisadores da Embrapa de Corumbá. Sou apenas um pesquisador associado.

C&T - Qual o passo a ser seguido com as espécies ainda não conhecidas?
George - O primeiro passo ao nos depararmos com espécies não conhecidas é o sacrifício, assim especificando se é ou não uma espécie nova. Dessa maneira podemos medir e passar em uma lista de identificação.

Fonte: Radiobras (www.radiobras.gov.br)

 
 
 
 

 

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