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BARRA GRANDE: NOVA DECISÃO JUDICIAL PROÍBE DESMATAMENTO RETOMADO APÓS ACORDO

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005

05/01/2005 Durou pouco o ruído das motoserras destinadas a desmatar mais de 4 mil hectares de Mata Atlântica e concluir a obra da usina hidrelétrica de Barra Grande, na divisa dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Um juiz federal substituto decidiu, em 28 de dezembro, proibir o desmatamento da área, que havia sido retomado cinco dias antes, sob pena de multa de R$ 500 mil. A proibição vigora até o julgamento do caso pela corte especial do Tribunal Regional Federal, previsto para fevereiro.

O impasse da usina de Barra Grande evolui ao ritmo de tango: um passo para frente, outro para trás. Primeiro a derrubada da floresta havia sido suspensa, em 16 de dezembro, por decisão do presidente do Tribunal Regional Federal da 4º Região. Depois fora retomada no dia 23 do mesmo mês, um dia após acordo feito entre a empresa empreendedora (o consórcio Baesa) e representantes do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). Agora, no último dia 28, obra foi novamente embargada pelo juiz federal substituto Jurandi Borges Pinheiro, que entendeu que o acordo entre a Baesa e o MAB não contempla os impactos ambientais da construção da barragem (leia a íntegra da decisão abaixo).

As questões e conseqüências ambientais fundamentam, de acordo com a decisão judicial, a Ação Civil Pública que deu origem a primeira liminar expedida, em outubro do ano passado, que impedia o corte da mata. A liminar fora concedida com base na comprovação de que o licenciamento ambiental para a construção da barragem havia sido feito a partir de um Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima) fraudulento, que omitia a existência dos mais de 4 mil hectares de Mata Atlântica íntegra ou em estágio avançado de recuperação, incluindo florestas de araucárias, ecossistema ameaçado de extinção.

Diante disso – e da retomada imediata da obra após o acordo do dia 22 - o juiz federal substituto decidiu pela reafirmação da decisão proferida pelo desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, presidente do TRF da 4º Região, que validava a liminar de outubro. Essa decisão deve vigorar até que o caso seja julgado pelo corte especial do TRF em fevereiro. O juiz fixou multa de R$ 500 mil caso sua decisão não seja respeitada.

O presidente do TRF da 4º Região validou a liminar após análise de recurso interposto pela Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e Federação das Entidades Ecologistas de Santa Catarina (FEEC). A liminar, proferida no dia 25 de outubro pelo Juiz Osni Cardoso Filho, da Terceira Vara Federal de Florianópolis (SC) - e que foi derrubada dias depois pelo próprio presidente do TRF da 4ª Região - havia sido pedida pela Ação Civil Pública movida pela RMA e FEEC. A ação teve apoio de advogados do ISA e da Aprender (Ações para Preservação dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Econômico Racional).

Um acordo contra a floresta

O acordo entre a Baesa e o MAB foi firmado em reunião com a presença de membros do Ministério Público Federal, dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, em ocasião na qual as entidades ambientalistas presentes pouco puderam participar. No acordo, a Baesa se comprometeu a ampliar o número de famílias a ser ressarcido pela perda de propriedades e locais de trabalho, a investir R$ 6 milhões no desenvolvimento regional da área vizinha à obra e em doar a madeira retirada da floresta para a construção de casas populares.

O MAB, por sua vez, prometeu desmobilizar as centenas de famílias acampadas na área a ser inundada para desobstruir o corte da mata. O MAB vinha sendo o principal aliado das entidades ambientalistas na luta pela preservação da região na mira das motosseras. Durante meses, organizou acampamentos nas duas margens do rio Pelotas para evitar o trabalho dos operários contratados para derrubar a floresta.

Processo nº 2004.72.00.013781-9
Requerentes: Rede de Org. não Governamentais da Mata Atlântica e outros
Requeridos: IBAMA, Energética Barra Grande S.A. – BAESA e União

DECISÃO (em regime de plantão)

A AMBIENTAL ACQUA BIOS, organização civil sem fins lucrativos, noticia através de petição por mim recebida na tarde de ontem, a formalização de acordo tendo por objeto questões em discussão no âmbito de Ação Civil Pública em curso na 3ª Vara desta Subseção. Afirma a requerente que o citado acordo contraria decisão proferida pelo Presidente do TRF da 4ª Região restabelecendo os efeitos da liminar concedida nos autos da referida ação, razão pela qual requer o imediato cumprimento da liminar.

Solicitei à Secretaria que me viessem conclusos os autos da Ação Civil Púbica, bem assim que providenciasse o inteiro teor do noticiado acordo. Com os autos à mesa, já instruídos com o teor do precitado acordo, observo que a requerente ainda não integra o feito, embora conste dos autos recente petição para nele intervir com interessada, pedido ainda não apreciado pelo Juízo da 3ª Vara. Embora se cuide de pedido formulado por quem ainda não integre formalmente a relação processual, passo a examinar, em regime de plantão, a alegada notícia de descumprimento da liminar, tendo em vista a relevância da matéria e a dimensão dos interesses em jogo.

Cuida-se de Ação Civil Pública, em curso na 3ª Vara desta Subseção, em que se postula a declaração de nulidade de todo o processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, com eixo de barramento localizado no Rio Pelotas, a aproximadamente 43 Km da foz do Rio Canoas, na divisa dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, entre os Municípios de Esmeralda (RS) e Anita Garibaldi (SC).

A liminar deferida nos autos suspendeu os efeitos da Autorização de Supressão Vegetal nº 10/2004, da Presidência do IBAMA, determinando ainda a abstenção da concessão de qualquer outra licença autorizando, por qualquer meio, o desmatamento da área para a constituição de bacia de inundação da UHE Barra Grande, bem assim que abstivesse de emitir a Licença de Operação.

Contra essa decisão, interpuseram a União e a BAESA agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo. Formulou ainda a União, perante o Presidente do TRF da 4ª Região, pedido de suspensão de execução da liminar nos termos do art. 4º da Lei 8.437/92.

O pedido de suspensão foi acolhido pelo Presidente do TRF da 4ª em 05/11/04. Em 22/11/04, a Relatora do agravo interposto pela União, Des. Federal Silvia Goiareb (3ª Turma), outorgou efeito suspensivo ao recurso “face à relevância da questão e para manter a coerência das decisões proferidas por este Tribunal”, à vista do deferimento, pela Presidência da Corte, do pedido de suspensão da execução da liminar. O pedido de efeito suspensivo no agravo da BAESA, interpostos já às vésperas do recesso forense, ainda não foi apreciado.

Ao tomar ciência das razões do agravo interposto pelas autoras da Ação Civil Pública contra a suspensão da execução da liminar, o Presidente do TRF da 4ª Região, Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, afastando-se “do tradicional formalismo e dos limites estreitos que regulam a Suspensão de liminar”, diante das igualmente relevantes opções entre as graves acusações sobre os efeitos da inundação e, de outro lado, os efeitos econômicos da suspensão pura e simples, tentou inteligentemente uma terceira via, procurando solucionar o litígio pela via conciliatória. Para isso, designou, em decisão datada de 16/12/04, audiência de conciliação para o dia 21 do corrente mês e reconsiderou, na mesma decisão, até segunda ordem, a decisão em que deferida a suspensão da liminar, “restaurando-se a vigência da ordem judicial do MM. Juiz Federal da 3ª Vara Federal de Florinópolis, SC” (fl. 640).

Conforme cópia da ata da tentativa de conciliação, a mim encaminhada na data de ontem via fax, “depois de longas discussões, não se chegou a uma conciliação e nem à idéia de adiar-se para nova data e então tentar-se novamente”. Cabe anotar aqui que a decisão proferida no dia 16/12/04, restaurando os efeitos da liminar deferida pela 3ª Vara desta Subseção, não foi reconsiderada pela Presidência do Tribunal.

Surpreendentemente, noticia o site do Ministério das Minas e Energia, conforme documento juntado pela ora requerente, que no dia seguinte, 22/12/04, em reunião realizada com a participação de representantes do Ministério Público Federal e Lages, dos Ministérios das Minas e Energia e do Meio Ambiente, do IBAMA, da BAESA, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da EPAGRI, da FATMA e da FEEC, foi fechado um acordo para a retomada doas obras da usina hidrelétrica de Barra Grande e a concessão da Licença de Operação do empreendimento.

Pelo acordo – e aqui transcrevo o trecho noticia porque fiel às cláusulas do documento juntado aos autos – “A Baesa, empresa responsável pela usina, se comprometeu a incluir mais 237 famílias na lista de atingidos e a investir R$ 6 milhões no desenvolvimento regional da área vizinha à obra. O número de famílias incluídas e o valor do investimento atendem plenamente às reivindicações feitas pela MAB. A Baesa também concordou em doar a madeira retirada da área de supressão seletiva de vegetação para a construção de casas populares, desde que não haja comprometimento no cronograma da usina, nem custos adicionais. Para implementar este item do acordo, será criado um grupo de trabalho formado pelos agentes envolvidos. Por meio do programa LUZ PARA TODOS, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, as 600 famílias atingidas pela UHE Barra Grande terão acesso à energia elétrica em 2005. No acordo assinado pelas partes, o MAB se compromete a não praticar qualquer ato que impeça o normal andamento das atividades do empreendimento no canteiro de obras e nas atividades de campo” (www.mme.gov.br, notícia de 23/12/2004).

À vista do louvável esforço das partes em compor amigavelmente o litígio, cabe analisar aqui se o acordo firmado no dia 22/12/2004 contempla, em sua plenitude, os pontos nucleares em discussão nesta ação, de modo a se perquirir se ainda subsistente a decisão proferida pela Presidência do TRF da 4ª Região em 16/12/2004, restabelecendo os efeitos da liminar. Observo, inicialmente, que das duas autoras da Ação Civil Pública, apenas a FEEC firmou o acordo, já que o nome da outra autora, a Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica, não figura no respectivo termo. Não fosse isso, o principal tema em discussão na ação - as conseqüências ambientais da obra – não foi incluído no referido acordo.

Sobre esse ponto, destaco os seguintes trechos da decisão da Presidência do TRF da 4ª Região em que restabelecida os efeitos da liminar: “A decisão que tomei no dia 5-11-04 (...), baseou-se no pedido formulado pela União (...), no qual se retratava o término da construção da bagagem e os vultosos gastos com a sua inatividade, tudo a recomendar sua imediata utilização. Além disso, louvei-me em acordo feito para a recomposição dos danos ambientais, com a presença do Ministério Público Federal, cujos membros tive e tenho como exemplares no trato do interesse público. Todavia, a área não foi inundada (...), em breve síntese, persiste um complexo conflito de interesses no qual ressaltam acusações sérias de que no Estudo de Impacto Ambiental a empresa Engevix omitiu dados de extrema relevância, com a existência de mais de 2.000 hectares de Mata Atlântica primária, notadamente de remanescentes de araucárias. (...) Vê-se, pois, que existem sérias dúvidas sobre a validade da licença administrativa, porque lastreadas em dados falsos” (fls. 638/639).

Cabe examinar, por fim, o aparente conflito entre a decisão proferida no agravo interposto pela União, ao qual foi conferido efeito suspensivo, e o restabelecimento da liminar pelo Presidente da Corte. Na verdade, não há conflito entre as duas decisões, visto que nos termos do art. 4º, §6°, da Lei 8.437/92, a interposição de agravo de instrumento não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão da execução de liminar. Assim, há prevalecer, no caso em tela, a última decisão do Presidente, porquanto posterior àquela proferida no agravo.

À luz do contexto aqui narrado, a evidenciar, com fulgente nitidez, a subsistência da decisão proferida pela Presidência do TRF da 4ª Região, porque não contempladas, nas cláusulas do acordo posteriormente firmado, relevantes questões objeto da liminar restabelecida, e tendo em vista a notícia divulgada pelo site www.canalenergia.com.br de que as obras foram retomadas no dia 23 deste mês, com o corte de árvores, DETERMINO à Energética Barra Grande S.A., por precaução e em caráter de urgência, até ulterior deliberação do Tribunal ou do Juízo do feito, a imediata interrupção da supressão de vegetação no local, sob pena multa de R$ 500.0000,00 (quinhentos mil reais), sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Intimem-se, pela via mais expedita, as partes e o Ministério Público Federal. Intime-se, igualmente, com urgência, para o cumprimento desta determinação, quem estiver, no local, à frente dos serviços de desmatamento. Servirá como mandado de intimação a própria cópia desta decisão.
16. Remeta-se cópia desta decisão à Relatora do agravo e à Presidência do TRF da 4ª Região.

Florianópolis (SC), 28 de dezembro de 2004

Jurandi Borges Pinheiro
Juiz Federal Substituto
Em regime de plantão

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)

 
 
 
 

 

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