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MINISTRA
DO STF CONCEDE LIMINAR A MOZARILDO CAVALCANTI
E ADIA HOMOLOGAÇÃO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005
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05/01/2005
A homologação em área contínua
da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em
Roraima, volta a estar impedida, pelo menos até
que o pleno do STF manifeste-se sobre o caso.
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen
Gracie suspendeu, na última segunda-feira,
dia 3/1, a portaria 820/98 do Ministério
da Justiça que oficializou a demarcação
da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em
Roraima. A decisão liminar atendeu a uma
Ação Cautelar ajuizada pelo senador
Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR) e volta a impedir
a homologação em área contínua
da TI, pelo menos até que os outros ministros
do tribunal opinem sobre a questão, o que
pode ocorrer em fevereiro. Há ainda a possibilidade
do relator do caso, ministro Carlos Aires Britto,
cassar a deliberação de sua colega.
Em sua decisão, Gracie argumenta que a TI
não poderia ser homologada antes do julgamento
de mérito da ação impetrada
por alguns fazendeiros contra a portaria 820 ou
antes de uma outra decisão do STF, esta sobre
a Reclamação 2833 da Procuradoria-Geral
da República (PGR) que, por sua vez, questiona
um suposto conflito federativo entre a União
e o estado de Roraima na mais recente batalha judicial
envolvendo o caso.
No último dia 15 de dezembro, Britto havia
suspendido as liminares que impossibilitavam a homologação
em área contínua. Com isso, a medida
voltara a depender apenas da assinatura de um decreto
pelo presidente Luís Inácio Lula da
Silva. Informações divulgadas pela
imprensa nos últimos dias davam conta de
que o governo estaria fazendo os ajustes finais
no texto do ato e pretendia publicá-lo até
o final deste mês.
“É a demora do governo que está permitindo
todas essas reações, tanto as ações
judiciais quanto os atos de violência”, aponta
Joênia Wapixana, advogada do Conselho Indígena
de Roraima (CIR). Ela refere-se, em especial, às
agressões promovidas por produtores rurais,
no final de novembro passado (confira). Joênia
alerta que a última decisão do STF
pode estimular novos atos de violência. “O
governo e o Ministério Público Federal
têm de tomar providências urgentes,
precisamos garantir a segurança da comunidade”.
Procurada pela reportagem do ISA, a Advocacia-Geral
da União(AGU) informou que ainda está
estudando a possibilidade de recorrer da decisão
de Ellen Gracie.
Há mais de 20 anos, as comunidades indígenas
Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana
lutam pelo reconhecimento definitivo da Terra Indígena
Raposa-Serra do Sol, mas somente em 1998 o Ministério
da Justiça publicou a portaria que oficializou
a demarcação em área contínua,
totalizando um território de 1,67 milhão
de hectares. Em 1999, com o apoio de políticos,
de empresários e do governo estadual, fazendeiros
da região impetraram uma ação
popular contra a portaria (foi esta última
ação que havia sido suspensa por Britto,
no dia 15/12).
Argumentos antigos
Em seu pedido de
liminar, Cavalcanti repete os argumentos já
utilizados na ação popular que originou
o processo da Raposa-Serra do Sol. Entre eles, o
de que a homologação em área
contínua “importará na retirada de
milhares de pessoas” e no acirramento dos conflitos
na região.
“Quando o território foi demarcado não
houve aumento dos conflitos, esse discurso é
usado para tentar assustar e constranger a sociedade”,
rebate Joênia. Para ela, é a desinformação
e a indefinição da situação
que vem provocando insegurança na área.
“Em outros lugares já foram feitas homologações
em condições semelhantes e cada parte
encontrou alternativas adequadas”.
A advogada também contesta a idéia
de que a homologação em área
contínua trará transtorno e mudanças
abruptas para as populações não-indígenas.
“O processo deve ser gradual, feito dentro da lei
e seguindo um plano de retirada que disponibilize
novas terras para essas pessoas. O governo diz que
tem esse plano e temos informações
de que o Incra estaria estudando o caso”.
Ao dizer que a demarcação proposta
pelo MJ "abrange três municípios"
e que a homologação "importará
na retirada de milhares de pessoas" o pedido
de liminar superestima a ocupação
de não-indígenas na região.
Na verdade, apenas a sede do município de
Uiramutã está dentro do território
demarcado - sua população estimada
é de 6,3 mil pessoas, sendo que, de acordo
com dados do CIR, cerca de 700 são não-indígenas.
A cidade foi criada em 1996, após a identificação
da TI.
Cavalcanti também volta a apontar um suposto
prejuízo econômico ao estado em virtude
da desativação das plantações
de arroz existentes na área. A quase totalidade
do rebanho bovino e da produção agrícola
da região, no entanto, está hoje nas
mãos dos próprios índios. Além
disso, sabe-se que a frente agrícola mais
dinâmica em Roraima está no sul do
estado e não na parte abrangida pela Raposa-Serra
do Sol.
Um senador contra
a causa indígena
Mozarildo Cavalcanti
só pôde sair vitorioso na última
decisão do STF sobre a Raposa-Serra do Sol
porque requereu e conseguiu ser admitido como “terceiro
interessado” na Reclamação 2833 da
PGR, depois de já ter conquistado a mesma
competência na ação popular
que originou todo o processo.
O senador tem se mostrado um fiel aliado dos grupos
que se opõem à demarcação
das TIs em Roraima. Com a apresentação
de projetos e a coordenação de investigações
parlamentares, ele se destacou, nos últimos
anos, como uma das principais vozes dos setores
antiindígenas brasileiros no Congresso Nacional,
embora se auto-intitule defensor dos interesses
dos índios.
Cavalcanti foi eleito para o Senado em 1998, depois
de exercer o mandato de deputado federal por duas
vezes (1983-1987 e 1987-1991). Atualmente, é
líder do Partido Popular Socialista (PPS)
e presidente da Comissão Temporária
Externa que analisa a questão indígena
e fundiária nos estados de Roraima, Santa
Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia
e Rio Grande do Sul. No ano passado, a comissão
apresentou o Projeto de Lei (PLS) 188, que, ao alterar
o procedimento para a demarcação,
cria uma série de dificuldades para a criação
de novas TIs, entre elas, institui o controle do
Senado sobre o processo.
Em 2001, o senador já havia sido responsável
pelo requerimento para a criação de
uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) sobre as demarcações de áreas
indígenas na Amazônia. Na prática,
a investigação acabou tentando atingir
os processos relativos às TIs Raposa-Serra
do Sol e Yanomami(RR/AM).
O parlamentar também é autor da Proposta
de Emenda Constitucional (PEC) 38/99, que limita
a 50% do território de cada estado a área
total passível de ser reconhecida como Unidade
de Conservação (UC) ou TI.
Cavalcanti exerceu ainda a presidência da
CPI destinada a investigar a atuação
das organizações não-governamentais,
mas que, na verdade, ficou marcada pela tentativa
de criminalizá-las. No ano passado, ele conseguiu
aprovar no Senado o Projeto de Lei 07/03, que impõe
restrições ao direito de livre associação
e cria uma série de controles burocráticos
para restringir a ação das ONGs.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)