|
COMUNIDADES
DA AMAZÔNIA PRECISAM DE UM PLANO REGIONAL
DE DESENVOLVIMENTO, AFIRMA PANKARARU
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005
|
 |
12/01/2005 Em entrevista
concedida ao ISA, Paulo Pankararu, um dos mais renomados
advogados indígenas do País, fala
sobre sua experiência como profissional e
militante, sobre o sistema de cotas para índios
nas universidades e sobre a questão indígena
na Amazônia.
A trajetória do advogado Paulo Celso de Oliveira,
o Paulo Pankararu, 34 anos, coincide, em vários
pontos, com a história da geração
de lideranças indígenas projetada
pelos debates travados durante a última Assembléia
Constituinte, de 1986 a 1988. Nascido na Terra Indígena
Pankararu, entre os municípios de Tacaratu
e Petrolândia, em Pernambuco, ele entrou na
universidade em 1989, quando iniciou a militância
no movimento indígena. Trabalhou no Instituto
Socioambiental (ISA) e, hoje, é um dos advogados
indígenas mais conhecidos do País.
Paulinho Pankararu, como também é
conhecido, concedeu a entrevista que se segue logo
depois do seminário Construindo a Posição
Brasileira sobre o Regime Internacional de Acesso
e Repartição de Benefícios,
organizado pelo ISA e pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA), em novembro do ano passado.
Pankararu: "Não
acho que as cotas sejam o melhor processo, mas como
uma medida compensatória, como uma forma
de diminuir a pobreza, a desigualdade e a violência,
para permitir o exercício da cidadania, sou
favorável."
ISA – Como você
começou a militar no movimento indígena?
Paulo Pankararu – Comecei em 1989, quando ingressei
na universidade. Nessa época, junto com Aílton
Krenak e outras lideranças, criamos o Centro
de Pesquisa Indígena (CPI), dentro da Universidade
Católica de Goiás (UCG), para formar
técnicos em biologia e advogados indígenas,
tratando de temas ligados às comunidades.
Já falávamos, então, em biodiversidade
e desenvolvimento sustentável. No caso dos
advogados, lutamos para que os índios tivessem
vagas especiais. Chegamos a ter um convênio
com a UCG, mas o conselho da universidade cancelou,
temendo complicações com o Conselho
Federal de Educação.
Vocês foram
pioneiros no sistema de cotas?
Na época, consideramos que se tentássemos
reivindicar diretamente ao Ministério da
Educação um sistema especial para
os índios e não tivéssemos
sucesso, poderíamos criar um precedente negativo.
Decidimos esperar a questão avançar.
Como, de fato, hoje, ela avançou. Várias
universidades, como a Universidade de Brasília
(UnB), já têm cotas para estudantes
indígenas.
Então, você
é a favor das cotas?
Este é um assunto muito complexo. As comunidades
já têm recorrido às universidades.
Segundo a Funai, existem, hoje, 1,3 mil índios
cursando o nível superior em todo o País.
Isso já é uma realidade. Essas pessoas
devem ter também uma formação
complementar para que elas possam atuar junto às
comunidades. Não acho que as cotas sejam
o melhor processo. Não é essa a situação
ideal, precisamos investir bastante na educação
básica. Mas também não podemos
desprezar as gerações atuais. Inclusive
não dá para discutir 500 anos para
trás. Em alguns casos, o contato é
mais recente. Você precisa discutir políticas
compensatórias. Então como uma medida
compensatória, como uma forma de diminuir
a pobreza, a desigualdade e a violência, para
permitir o exercício da cidadania, sou favorável.
Como foi o trabalho
do CPI?
O CPI funcionou por três anos. Recebíamos
visitas de líderes indígenas de todo
País. Várias pessoas que passaram
por lá, hoje, são grandes lideranças,
como o próprio Aílton Krenak, Almir
Suruí, Orlando Baré, Geraldo Yanomami,
Mauro Terena e Pedro Garcia Tariano, que foi coordenador-geral
da Foirn (Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro) e candidato a prefeito
em São Gabriel da Cachoeira (AM), nas últimas
eleições. Essas pessoas voltaram para
as suas comunidades e iniciaram projetos importantes.
Depois disso, como
foi sua militância na causa indígena?
Depois comecei a participar da União das
Nações Indígenas e conheci
as lideranças do movimento indígena
da Amazônia, mas sempre como assessor jurídico.
Prestei assessoria jurídica para várias
comunidades na região.
Você também
trabalhou no ISA...
Recebi recursos para realizar minha graduação
do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI),
que foi uma das entidades que precederam o ISA e
fundiram-se para criá-lo. Depois de formado,
também fui contratado pelo Instituto. Mas
mais do que o apoio financeiro recebi um apoio acadêmico
e cultural, uma verdadeira formação
complementar dos advogados do ISA, como, por exemplo,
do Sérgio Leitão e da Ana Valéria
Araújo. Além disso, foi o Márcio
Santilli que me fez conhecer e entender um pouco
o Congresso Nacional. Eles conheciam bastante Brasília
e a Constituição Federal. Hoje, sempre
que possível, recorro aos advogados do ISA
quando tenho alguma dúvida. É impossível
ser advogado sem ter uma cooperação
com outros advogados. Acima de tudo, eles são
meus amigos, já fomos colegas de trabalho.
Continua estudando?
Em 2004, inicie o mestrado em direito socioambiental,
na Pontifícia Universidade Católica
(PUC) do Paraná. Estou sendo orientado pelo
professor Carlos Frederico Marés, que foi
um dos fundadores do ISA também. Minha dissertação
será sobre gestão territorial indígena.
Farei um estudo comparativo sobre a situação
jurídica do assunto no Brasil, Panamá,
Colômbia e Equador. Também sou bolsista
de pós-graduação da Fundação
Ford.
E hoje, qual tem
sido seu trabalho fora da academia?
Atualmente, realizo apresentações
sobre a conservação dos recursos hídricos,
sobre biodiversidade. Até escrevi um artigo
sobre o Projeto Genoma. Tenho recebido convites
para falar da minha formação e da
minha experiência como advogado indígena.
Também tenho acompanhado as assembléias
indígenas no âmbito da Organização
dos Estados Americanos (OEA), da Organização
Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e da Conferência
das Partes (COP). Isso me trouxe vivências
importantes que têm possibilitado o meu trabalho.
Acho que a atuação conjunta e a convivência
com várias lideranças indígenas
de todo o País foram fundamentais na minha
formação.
De toda essa experiência,
qual caso foi o mais importante?
Entre 1997 e 1998, atuei no caso da Terra Indígena
(TI) São Marcos, em Roraima, onde cerca de
cem invasores estavam presentes, incluindo grandes
fazendeiros, com ocupações de mais
de 100 mil hectares, e a até a Eletronorte,
que tinha uma rede de transmissão que ia
até a Venezuela. Mediante um convênio
firmado pelas comunidades, conquistamos recursos
no Judiciário e conseguimos retirar os fazendeiros.
Como vocês
atuaram?
Na época, o orçamento da Funai para
todo País era de cerca de R$ 4 milhões.
Só os recursos necessários para a
TI São Marcos estavam na casa de R$ 5 milhões.
Conseguimos esses recursos com vários convênios,
inclusive firmados com a Eletronorte, e montamos
um grande programa, de mais de R$ 5 milhões,
que incluía vigilância e a retirada
dos invasores. Acho esse caso importante pelo fato
de conseguirmos nos relacionar, principalmente com
o setor elétrico, de uma forma diferenciada.
As comunidades foram tratadas com respeito. Garantimos
efetivamente o direito delas sobre as suas terras.
Uma solução
como essa pode ser aplicada em outros lugares? Como
você vê o problema indígena no
resto da Amazônia?
Mais de 99% da área das terras indígenas
do Brasil estão na Amazônia. Existe
uma questão territorial séria. Em
todo o País, existem problemas, mas lá
acontece um confronto e uma disputa muito maiores.
É preciso um programa regional efetivo de
desenvolvimento sustentável para as comunidades
da região para que elas possam sobreviver.
Também faltam informações para
as comunidades. Muitas delas são passadas
para trás por falta de simples esclarecimentos.
Recomendo que mais índios entrem nas universidades,
que tenham o tipo de acompanhamento que tive, especialmente
na parte técnica e na língua portuguesa.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)