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MPF VAI
A JUSTIÇA PARA INTERROMPER AS OBRAS
DA USINA NO RIO CULUENE
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005
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13/01/2005 O Ministério
Público Federal entrou com Ação
Civil Pública para impedir a continuidade
das obras da usina hidrelétrica que está
sendo construída no rio Culuene, principal
formador do rio Xingu, em trecho considerado sagrado
pelos povos indígenas da região. A
Justiça Federal deve decidir se concede a
liminar no começo de fevereiro.
A construção da usina hidrelétrica
no Rio Culuene, principal formador do rio Xingu,
está na mira do Ministério Público
Federal (MPF). Em 27 de dezembro, o procurador da
República Mario Lúcio de Avelar, representante
do MPF em Cuiabá, ajuizou Ação
Civil Pública na 1º Vara da Justiça
Federal do Mato Grosso solicitando uma medida liminar
que proíba a continuidade do empreendimento.
O MPF também pede que a Fundação
Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso (Fema-MT)
seja impedida de conduzir o licenciamento ambiental
das obras da hidrelétrica e que todas as
etapas deste processo sejam anuladas. Para o órgão
federal, o licenciamento ambiental do empreendimento
deve ser realizado pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA). O juiz Julier Sebastião da Silva,
titular da 1º Vara, notificou a Fema-MT para
que a fundação se manifeste até
o início da próxima semana. O pedido
de liminar deve ser julgado no começo de
fevereiro.
A Ação Civil Pública aponta
uma série de irregularidades na condução
do caso pelas autoridades estaduais do Mato Grosso
e pela empresa responsável pela obra, a Paranatinga
Energia S.A. Uma delas é a inconsistência
do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental
(Eia/Rima), produzido pela Fema-MT, para prever
os impactos socioambientais que podem ocorrer com
a implementação e operação
da usina na bacia do rio Xingu e, em especial, nas
Terras Indígenas de Parabubure (habitada
pelo povo Xavante) e no Parque Indígena do
Xingu.
Falta de transparência
De acordo com o MPF,
o Eia/Rima da PCH (Pequena Central Hidrelétrica)
Paranatinga II é incapaz de prever a dimensão
e escala destes impactos, contrariando uma das principais
normas do direito ambiental brasileiro, a Resolução
01/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
O MPF destaca a ausência de estudos completos
do caso, pois o órgão licenciador
apresentou apenas um documento sobre aspectos ambientais
da obra, ora chamado de Estudo de Impacto Ambiental,
ora de Relatório de Impacto Ambiental.
De acordo com o Ministério Público
Federal, os estudos ambientais da PCH “limitam-se
a defender o projeto, apresentado como a única
solução de aproveitamento possível,
encerrando em si mesmo uma clara defesa do empreendimento
e uma evidente falta de parcialidade dos consultores
encarregados de sua elaboração”. Ainda
segundo o MPF, o Eia carece de coerência interna
e “deixa de situar-se na esfera da prevenção
de danos ambientais para se tornar apenas um documento
formal, burocrático, no processo de licenciamento
ambiental”. O MPF também denuncia a ausência,
no processo de licenciamento, de Audiências
Públicas para informar a população
da região sobre a obra e suas conseqüências.
A falta de transparência na condução
de todo o processo é, de acordo com o documento
apresentado à Justiça, recorrente.
Os índios do alto Xingu só tiveram
notícia da construção da barragem
no final de outubro passado, durante lançamento
da campanha `Y ikatu Xingu, quando a obra já
estava em fase avançada de implementação.
O MPF querer inclusive que a empresa pague multa
pelos danos causados ao meio ambiente decorrentes
do início das obras. E afirma que, além
da falta de transparência, imparcialidade
e profundidade, o Eia da usina “é pleno de
falhas, lacunas e omissões”, particularmente
em relação as conseqüências
do empreendimento para a fauna marinha do rio Culuene
e para a preservação física
e cultural dos povos indígenas da bacia do
rio Xingu.
Dois laudos, duas
versões
A PCH Paranatinga
II está sendo construída em trecho
do rio Culuene considerado sagrado pelos povos indígenas
do Alto Xingu. O local foi palco, de acordo com
lideranças indígenas, da realização
do primeiro ritual funerário do Quarup. Esse
motivo levou o governador do estado, Blairo Maggi,
a suspender a obra até a realização
de laudo antropológico para avaliar o patrimônio
indígena que estaria sendo colocado em risco
pelo empreendimento. A decisão do governador
ocorreu após reunião ocorrida na cidade
de Canarana, em 13 de novembro, quando mais de 200
representantes dos povos do Alto Xingu manifestaram
sua preocupação quanto aos impactos
que a barragem produziria para a saúde dos
rios e para a reprodução dos peixes
que constituem base da alimentação
de todas as comunidades xinguanas. O laudo, produzido
pelo antropólogo Carlos Fausto, do Museu
Nacional, confirmou que o local onde está
sendo erguida a usina é o mesmo apontado
pelos índios como sagrado para sua cultura
e história (ver box).
Apesar das evidências apontadas no estudo
antropológico, dos protestos dos índios
e dos problemas apontados pelo MPF, a obra da PCH
foi retomada no fim do ano após acordo firmado
em 22 de dezembro pelo governador Maggi e a empresa
empreendedora com algumas lideranças do PIX.
De acordo com o governo do estado, um segundo laudo
- feito por uma comissão composta por representantes
da Fundação Nacional do Índio
(Funai), da Fema-MT e da empresa Paranatinga – concluiu
que a área considerada sagrada pelos índios
está localizada a nove hectares do local
da PCH.
A Fema-MT afirma que este laudo não está
disponível para consulta pública e
que apenas a Justiça e os empreendedores
têm acesso ao documento. No acordo fechado
no fim de dezembro, consta o compromisso do governo
do Mato Grosso e da empresa Paranatinga de doar
recursos financeiros para os povos indígenas
do Xingu, a instalação de um centro
de treinamento dentro do PIX e apoio logístico
à criação do Instituto de Pesquisa
Etno Ambiental do Xingu, idealizado pelo cacique
Aritana Yawalapiti, principal interlocutor do governador
Blairo Maggi entre as lideranças indígenas
do alto Xingu. O MPF considera que o acordo assinado
não contempla soluções para
os problemas ambientais e sociais que poderão
ser provocados pela construção e funcionamento
da barragem.
Moquém dinamitado
O estudo produzido
pelo antropólogo Carlos Fausto - “A ocupação
indígena do alto curso dos formadores do
rio Xingu e a cartografia sagrada alto-xinguana”
– não foi levado em conta pelas autoridades
do governo mato-grossense, que preferiram decidir
pela continuidade da obra a partir de um laudo inacessível.
O trabalho de Carlos Fausto, professor de etnologia
do Museu Nacional e coordenador de pós-graduação
em antropologia social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, ao contrário, é um
documento público.
Nele, Fausto apresenta informações
arqueológicas, históricas e etnológicas
sobre a ocupação indígena do
médio e alto cursos dos formadores do rio
Xingu. A partir delas, o antropólogo descreve
as áreas localizadas fora dos limites do
Parque Indígena do Xingu e suas relações
estreitas com a cultura dos povos nativos da região.
O laudo conta que dados históricos comprovam
que o curso do Culuene ao sul do Parque Indígena
do Xingu é território histórico
dos povos karib e que a população
nativa foi reduzida ao longo dos séculos
em função das doenças transmitidas
nos contatos com os colonizadores.
O trabalho revela que o trecho do rio Culuene no
qual está erguida a PHC Paranatinga 2 é
conhecido pelos alto-xinguanos pelo nome de Sagihenhu.
Este é o nome dado à aldeia na qual,
de acordo com a mitologia dos povos nativos, Sol
e Lua realizaram o primeiro Quarup em homenagem
à sua mãe, filha da divindade Mavutsinin.
Fausto afirma que o Quarup é uma cerimônia
de caráter intertribal, em homenagem a chefes
mortos, realizada no auge da estação
seca. “Ele é o ponto final de um ciclo ritual
que se inicia com a morte de uma pessoa com status
de chefe, correspondendo ao final do luto”.
As dinamites colocadas pela empresa estão
explodindo um local também conhecido como
“o moquém do Sol”, em razão da presença
de pedras com depressões nas quais os peixes,
ao saltar a corredeira rio acima, acabavam caindo
e ficando presos. “A narrativa conta que foi o Sol
quem fabricou essas formações para
pegar os peixes que, moqueados, serviriam para alimentar
os convidados do primeiro Quarup”, escreve Fausto.
“Esse é o local que os índios identificam
com aquele em que a PCH Paranatinga II está
sendo construída”, conclui.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)