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LIDERANÇA QUILOMBOLA DEFENDE RESTRIÇÃO DO ACESSO AOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005

14/01/2005 Em entrevista concedida ao ISA, o estudante de Direito Oriel Rodrigues, integrante da Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq) e pertencente à comunidade de Ivaporunduva (SP), fala de sua história e critica o descaso do Estado em relação ao problema do negro e dos quilombos.

Na região do Vale do Rio Ribeira de Iguape, no sudeste de São Paulo, existe a maior concentração de remanescentes de quilombos do estado. São cerca de 1,5 mil famílias distribuídas por diferentes comunidades. Além da discriminação racial, elas sofrem também com a perspectiva da construção de usinas hidrelétricas, que ameaçam afetar seu fornecimento de água ou inundar suas terras localizadas ao pé da Serra do Mar e em meio a alguns dos últimos trechos de mata atlântica da Região Sudeste.

Oriel Rodrigues, 30, nasceu na comunidade de Ivaporunduva, município de Eldorado, no Vale do Ribeira. Com pouco mais de 12 anos, já participava dos debates sobre a causa quilombola. Por conta das obras previstas para a região, também começou a militar no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Com muita dificuldade, está concluindo o curso de Direito e será, logo em breve, o primeiro advogado quilombola do Brasil. Quando o assunto é a defesa dos direitos de seu povo, Oriel não foge da polêmica e, ao defender a restrição ao acesso dos conhecimentos tradicionais, compra briga com a indústria da biotecnologia e com muitos pesquisadores.

Assim como a conversa do ISA realizada com o advogado Paulinho Pankararu (confira), Oriel também forneceu a entrevista que se segue logo depois do seminário Construindo a Posição Brasileira sobre o Regime Internacional de Acesso e Repartição de Benefícios, organizado pelo ISA e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), em novembro do ano passado, em Brasília.

ISA - Como você começou a sua militância?
Oriel Rodrigues - Quando você mora em comunidade, você participa do seu dia-a-dia, dos seus debates. Nós discutíamos a questão do negro. Com 12, 13 anos eu já participava dessas conversas. Depois, no Vale do Ribeira, havia quatro projetos de hidrelétricas. Elas iam inundar todas as nossas comunidades. Também comecei a militar no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Nos organizamos contra os empreendimentos e, até hoje, estamos brigando contra eles. Isso me abriu várias portas. Eu comecei a conhecer e fazer articulações políticas com lideranças quilombolas, de atingidos por barragens, caiçaras e ribeirinhas de todo o País. Hoje faço parte das direções nacionais do MAB e da Conaq.

Como funciona a Conaq?
Hoje, a Conaq tem uma série de dificuldades, temos um problema de uma comunicação ainda muito precária, por exemplo. Mas a Coordenação tem um diferencial interessante: é uma união de entidades quilombolas mesmo. A coordenação é um movimento que está se consolidando, teremos condições de fazer uma boa articulação nacional e até internacional, com certeza. Tive a oportunidade de participar do Fórum Social das Américas, no Equador, tivemos boas conversas com movimentos quilombolas de vários países. Estamos pensando em criar uma rede internacional de contatos. Nossa prioridade, claro, é a questão nacional e, mais ainda, a questão local, de cada comunidade. Nosso movimento não funciona de cima para baixo, mas, ao contrário, a partir das bases. As pessoas da direção-executiva da Conaq são pessoas ligadas diretamente às comunidades. Não existem “quilombolas profissionais, que ficam em Brasília”. Apesar disso, estamos sentindo que é necessário ter uma secretaria em Brasília para acompanhar o dia-a-dia. Os quilombos são a “quarta” prioridade da área social. O Estado tem de dar um tratamento mais eficaz, mais coeso para a questão.

Você está fazendo faculdade...
Estou concluindo o curso de direito este ano (2004), na Faculdade de Direito de Itú (SP), onde sou aluno bolsista. Contei com a ajuda de várias pessoas para fazer o curso. No início do curso, nos primeiros três meses, também fui ajudado pelo ISA. Depois consegui um estágio no Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que me ajudou bastante. Fiquei este ano parado. Vamos ver o que vai rolar. Foi muito difícil manter-me na escola sem nenhum recurso, sem lugar para morar, sem dinheiro para comprar material, para pegar ônibus, para nada. Considero-me um sobrevivente muito forte. Isso também faz com que você não consiga aproveitar melhor a faculdade.

Por que a escolha pelo direito?
Todo mundo tem de entender um pouco de Direito, para saber o que os outros falam. Precisamos saber o que o branco fala. Os negros têm de entender o Direito. Eu utilizo o Direito só como um instrumento, um facilitador, para saber como eu vou articular uma certa ação em relação às demandas dos quilombos. Eu até acho que a questão do quilombo não é jurídica, mas política, cujo cerne é a questão racial. Não há interesse em dar terras para negros, então, cria-se um monte de empecilhos. Conhecendo um pouco do Direito, eu posso entender o que os outros pensam sobre isso, quais batalhas teremos de travar, o que teremos de construir e desconstruir dentro do Direito para conseguir garantir a sobrevivência de um povo.

Você participou do seminário sobre a posição brasileira nas negociações envolvendo recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. Qual a sua avaliação do debate sobre o tema?
Estamos discutindo um regime internacional sobre acesso a conhecimentos tradicionais, mas, no Brasil, hoje, não temos nada consolidado, pelo menos juridicamente, porque uma Medida Provisória [MP 2.186-16/01, publicada, em 1995, para regular o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais] não traz segurança plena. Tenho certeza que o Anteprojeto de Lei (APL) do governo sofrerá vários lobbies e será bastante modificado no Congresso, especialmente no sentido de flexibilizar vários controles ao acesso dos conhecimentos (para saber mais, clique aqui). Temos de garantir em nível doméstico a proteção aos conhecimentos tradicionais. Se não garantirmos em nível doméstico, será difícil conseguir alguma coisa lá fora. O que se discute a nível internacional? Não são sanções ou punições. Na verdade, é a harmonização das legislações para controlar o acesso. A ênfase tem que ser feita sobre o debate nacional sobre esse regime de proteção. Primeiro, temos de garantir a nível doméstico. Aí teremos força para debater em outros planos de discussão.

Na região do Vale do Ribeira, existem muitos casos de acesso aos conhecimentos tradicionais com falta de ética e desrespeito à comunidade?
Temos o exemplo de quatro comunidades, no município de Iporanga, cujos conhecimentos [sobre manipulação de ervas e remédios naturais] estão sendo acessados sem prévia autorização da comunidade e em desrespeito aos procedimentos da MP. A empresa “x”, através da universidade, faz as coletas e não explica para as pessoas para quê e o que vai fazer com aquilo. E a comunidade é muito vulnerável a esse tipo de coisa porque ela não tem a maldade para entender que esse pessoal está com outros interesses.

As coletas são feitas para produzir o quê?
Indústria de cosméticos é o exemplo mais prático do que está acontecendo agora. Além disso, ocorre outra situação. Pelo fato dos quilombos estarem em evidência, muitos pesquisadores estão procurando as comunidades. Eles publicam suas teses e essas teses nunca voltam para a comunidade. E ali mesmo deve ter o conhecimento tradicional traduzido. Está sujeito a uma empresa vir e acessar o conhecimento também através desses trabalhos. Não temos maneiras de combater isso ou restringir o acesso porque as comunidades, muitas vezes, não têm condições de aferir o que está em jogo.

O movimento quilombola já tem propostas de consenso sobre o assunto?
Em primeiro lugar, o conhecimento tradicional é coletivo, tem de ser conservado. Acho que ele não pode ser passível de uma patente particular. Se esse conhecimento for passível de patente, ela deve pertencer à comunidade. O conhecimento tradicional não é um simples conhecimento, ele pertence a uma cultura, tem a ver com todo um processo, uma cadeia que levou a um certo tipo de conhecimento sobre a potencialidade de uma planta, por exemplo. Temos de criar uma proteção que venha a diminuir o acesso a esses conhecimentos. Na verdade, precisamos restringir o acesso. A comunidade tem de ter proteção jurídica para, quando ela for acessada, saber onde denunciar e para quem denunciar abusos, e exigir a repartição de benefícios.

Na prática, como pode ser feita a repartição de benefícios gerados pela biodiversidade?
A MP 2.186-16/01 elenca várias coisas interessantes em relação à repartição, desde a divisão do lucro e de royalties, transferência de tecnologias. Isso já vem ajudar em repartição, no todo que se pode valorar.

Mas como que você vai fazer a repartição quando não há patentes?
Por isso está se discutindo, em nível internacional, o caso sui generis [regime internacional especial para os conhecimentos tradicionais]. Fico pensando...Quando a gente fala em patentes e proteção intelectual, fico preocupado... Temos de evitar criar coisas do tipo assim: “temos um certo conhecimento e não vamos repassá-lo para ninguém ou, então, para repassá-lo, têm de pagar patente”. A gente não pode simplesmente generalizar todas as coisas. O que temos de fazer é garantir que aquele conhecimento não passe ao domínio público. Porque, se não, aí será muito difícil tentar correr atrás de uma repartição.

Neste ponto, existem divergências entre o movimento indígena e o movimento quilombola?
Acho que em relação a esse último ponto, não há divergências dentro das comunidades tradicionais. O movimento indígena e o movimento quilombola estão erguendo essa bandeira. Não há divergências sobre a necessidade de entrar no debate, mas o movimento indígena já discute isso há mais de dez anos. Agora, estão discutindo em nível nacional. Para nós, quilombolas, a questão ainda é nova, estamos debatendo no nível das comunidades.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)

 
 
 
 

 

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