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SOJA VERSUS FLORESTA:
ENTENDA A POLÊMICA DO ESTUDO DO IPEA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005
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21/01/2005
O órgão do governo federal divulgou
análise na qual afirma que a expansão
da soja não provoca aumento dos desmatamentos
no Cerrado e Amazônia. Ao contrário,
garante que o plantio do grão contribui
para a preservação ambiental.
Mas um levantamento coordenado pelo ISA demonstra
que a soja provoca sim - tanto direta como
indiretamente - a derrubada de matas primárias.
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A
polêmica em torno do avanço do
cultivo da soja sobre a floresta amazônica
e o Cerrado brasileiro – e o impacto causado
pela agroindústria no desmatamento
de matas primárias - começou
na semana passada com a divulgação
de um texto produzido por três pesquisadores
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), fundação vinculada ao
Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão do governo federal. As conclusões
do texto e a apresentação de
contrapontos às teses nelas embutidas,
por parte de organizações não-governamentais
e especialistas no tema, ocuparam importantes
espaços na imprensa brasileira e estrangeira
nos últimos dias, revelando a importância
da questão tratada. |
O texto “Crescimento agrícola no período
1999-2004, explosão da área plantada
com soja e meio ambiente no Brasil”, aborda em vinte
e uma páginas a questão das variações
cambiais sobre os preços agrícolas,
traça uma perspectiva para o crescimento
do setor agrícola neste ano e detalha os
fatores macro-econômicos e o aumento de recursos
tecnológicos por trás do crescimento
das áreas cultivadas no País nos últimos
anos. O texto analisa o cenário agrícola
nacional, mas fecha o foco na região centro-oeste,
onde a área plantada com soja obteve um crescimento
de mais de 66% entre 2001 e 2004. A polêmica
do texto, contudo, subsiste em outros dois capítulos.
No quinto – denominado “A conversão de pastagens
como fonte principal de crescimento recente da área
de soja no Brasil” - os autores do estudo defendem
a hipótese de que a expansão nos últimos
três anos das áreas cultivadas com
soja, que cresce a uma média anual de 13,8%,
não provocou o aumento do desmatamento da
floresta amazônica nem do cerrado.
"Soja no lugar de gado"
O estudo do Ipea afirma que
o cultivo do grão avançou principalmente
sobre "pastagens degradadas" e não
sobre "áreas virgens". Explica
que há uma espécie de simbiose entre
o setor sojicultor e o pecuarista, de modo que
o último arrenda as terras para o primeiro
em troca de sacas de grãos e o retorno
das propriedades com melhora na qualidade do solo.
O principal argumento apresentado para justificar
a tese da soja no lugar do boi é o de que
não haveria tempo hábil, pela ausência
de recursos tecnológicos, para converter
floresta primária em área de cultivo.
Os autores do texto garantem que é impossível
que uma nova área desmatada seja convertida
em plantação de soja em menos de
três anos.
O curioso é que os técnicos do Ipea,
ao concluírem que as plantações
de soja avançam sobre áreas de pastagem
degradadas e não sobre floresta, não
levam em conta a situação existente
no norte do estado do Mato Grosso. Epicentro do
recente boom da soja na região centro-oeste,
é nesse estado, de acordo com dados do
próprio governo federal, que o desmatamento
atingiu índices recordes nos últimos
anos. O Instituto Socioambiental, por sinal, publicou
em outubro de 2003 reportagem especial sobre os
impactos do plantio do grão em larga escala
sobre o Parque Indígena do Xingu, localizado
na região central e norte do estado. O
Ipea tampouco utiliza dados do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma das maiores
referências no monitoramento por imagens
de satélite do ritmo e rumo dos desmatamentos
no Brasil.
Para o engenheiro Maurício Galinkin, que
trabalhou por 18 anos no Ipea, o trabalho dos
ex-colegas promove uma espécie de “santificação”
da soja. “É importante ressaltar que o
problema não é a soja em si, mas
a forma ostensiva como ela está sendo cultivada
na região centro-oeste. E, de fato, há
plantações sobre pastagens, mas
é uma tendência tímida que
não vale como regra.” O especialista, que
ministrará uma oficina sobre impactos socioambientais
da soja na quinta edição do Fórum
Social Mundial, na próxima semana em Porto
Alegre, também aponta diversos equívocos
no documento do Ipea, como a não distinção
entre pasto natural e pasto plantado. “A maioria
dos pastos no Mato Grosso é natural e precisa
ser desmatada antes do cultivo da soja”, ressalva
o presidente da Fundação Centro
Brasileiro de Referência e Apoio Cultural
(Cebrac).
Amizade suspeita
O outro capítulo
controverso do texto do Ipea é o sexto, intitulado
“A soja é amiga ou inimiga da floresta amazônica?”.
Nele, o estudo diz que a soja não ameaça
a floresta amazônica e defende ostensivamente
o asfaltamento da BR-163 para escoar a produção
de grãos das regiões norte e centro-oeste.
Os técnicos do Ipea sustentam que a soja
na região da floresta amazônica aumenta
o custo da terra e afasta da região os agricultores,
madeireiros e pecuaristas que, sem recursos tecnológicos
e infra-estrutura, são os verdadeiros responsáveis
pela derrubada da mata. O que não está
explicado é de que forma esta agricultura
itinerante e de baixo nível tecnológico
conseguiu, sozinha, desmatar 7 milhões de
hectares de floresta amazônica no período
analisado pelo documento.
ISA  |
O
estudo afirma também que o cultivo
da soja é mais fácil de ser
monitorado pelos órgãos públicos
e que o setor sojicultor não oferece
a oportunidade para o Estado brasileiro
assumir atitude paternalista – ao contrário
dos pequenos agricultores que, por serem
pobres, inspiram nas autoridades complacência
em relação a seus crimes ambientais.
Nessa ginástica de argumentos, os
pesquisadores esticam um paralelo entre
a fiscalização ambiental na
região amazônica com as leis
que impedem a construção de
casas de alto padrão nos morros do
Rio de Janeiro. Para os autores do estudo,
a lógica que dá origem às
favelas cariocas é a mesma que permite
o desmatamento da Amazônia e do Cerrado.
A análise do Ipea vem à publico
em um momento interessante, quando o Fórum
Brasileiro de Organizações
Não-Governamentais e Movimentos Sociais
(FBOMS) finaliza outro trabalho sobre o
mesmo tema. Este estudo, do qual o Instituto
Socioambiental é coordenador,ainda
não foi concluído. |
Mas já apresenta dados diferentes das conclusões
oferecidas pelo órgão do governo.
Nele, os pesquisadores constataram em sobrevôos
e imagens de satélite que há uma relação
direta entre a produção de soja e
desmatamento nas regiões do centro e do norte
do Mato Grosso. A pesquisa revela que as áreas
de Cerrado e de floresta de transição
desmatadas nos últimos anos já estão
sendo cultivadas com soja. Foram convertidas em
tempo bem inferior (de um a dois anos) ao estipulado
como limite pelos técnicos do Ipea.
O levantamento realizado pelas ONGs demonstra que,
de fato, a soja ocupa áreas antes utilizadas
como pasto. Ao fazê-lo, empurra o gado para
novas fronteiras, ampliando as áreas desmatadas.
Ou seja, a expansão da área cultivada
com soja provoca o desmatamento de áreas
de floresta amazônica e Cerrado tanto direta
como indiretamente. O ministro da Agricultura, Roberto
Rodrigues - principal defensor do agronegócio
brasileiro no governo federal -, admitiu publicamente
que esta relação existe e deve ser
levada em conta na formulação de estratégias
para o setor agrícola.
Diante destas constatações – e no
modo generalista com que seus autores tratam a questão
da soja na Amazônia, sem considerar os diferentes
aspectos socioambientais de cada microrregião
- , o estudo do Ipea, ainda que tenha seu valor
ao apresentar nova abordagem sobre a questão
e contribuir para a aprofundamento da discussão,
se precipita ao cravar que a soja é amiga
da floresta. “Seria interessante que o Ipea e o
Ministério do Meio Ambiente sobrevoassem
conosco alguns dos 65 maiores desmatamentos ilegais
ocorridos 2003 no Mato Grosso, cuja lista é
uma das bases utilizadas em nosso trabalho”, afirma
o advogado André Lima, coordenador de Biodiversidade
do ISA. O convite está feito.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)
Fotos: ISA
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