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TRANSPOSIÇÃO
DO RIO SÃO FRANCISCO APROVADA PELO
CNRH SERÁ CONTESTADA NA JUSTIÇA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005
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21/01/2005
Organizações da sociedade civil
irão questionar judicialmente o projeto
aprovado no último dia 17 de janeiro
pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos
(CNRH). Enquanto isso, o Ministério
da Integração Social anuncia
que pretende licitar a obra antes de seu licenciamento
ambiental. O Ministério do Meio Ambiente
nega que haverá licenciamento a “toque
de caixa”.
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Depois
de mais de seis horas de discussão,
o Conselho Nacional de Recursos Hídricos
(CNRH) aprovou, em 17 de janeiro último,
uma nota técnica da Agência Nacional
de Águas (ANA) que afirma haver disponibilidade
suficiente de água para o projeto de
transposição do Velho Chico.
O placar foi de 36 votos favoráveis,
dois contrários e dez abstenções.
Dos 57 integrantes do Conselho, 29 são
representantes do próprio governo.
Em 30 de novembro de 2004, um mandado de segurança
concedido ao Ministério Público
Federal e ao Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios havia
suspendido a reunião do CNRH na qual
seria votada a transposição
ou não do Velho Chico.Em outubro do
ano passado, o Comitê da Bacia Hidrográfica
do rio São Francisco (CBHSF) havia
vetado o uso das águas para atividades
econômicas fora dos limites da bacia
– exatamente o que o projeto de transposição
pretende fazer. |
O comitê tem a atribuição de
elaborar o Plano de Recursos Hídricos da
bacia e é formado por usuários do
rio, representantes de entidades civis, dos governos
federal, estaduais e municípios da região.
A partir daí, o governo vinha fazendo um
grande esforço para transferir a decisão
sobre o problema para o CNRH, onde tem ampla maioria,
e conseguiu. “Em seu discurso na Conferência
Nacional do Meio Ambiente, no final de 2003, o presidente
Lula disse que seu governo ia ouvir toda a sociedade.
Parece que o presidente ouve todo mundo mas só
escuta quem ele quer”, avalia Adriana Ramos, coordenadora
do Programa de Política e Direito Socioambiental
(PPDS) do ISA.
A decisão do CNRH motivou a Frente Nacional
de Defesa do Rio São Francisco e Contra a
Transposição, movimento que congrega
25 organizações da sociedade civil
dos estados que serão afetados pelo projeto,
a entrar com ação judicial pelo fato
de o governo ter apressado o debate no CNRH, impondo
regime de urgência à votação
sobre o tema e impedindo que ele fosse examinado
pelas câmaras técnicas do órgão.
A Frente é integrada também pelo próprio
CBHSF, por sindicatos, associações,
ministérios públicos estaduais e assembléias
legislativas.
A idéia é apresentar dezenas de ações
populares contra a decisão do CNRH. A seção
de Sergipe da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SE)
e o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
da Bahia (CREA-BA) já estão encaminhando
suas petições.
“Não que o Conselho não possa analisar
o tema, mas ele não pode fazer isso dessa
forma atropelada, atendendo a uma decisão
política que já estava tomada. Isso
só enfraquece o Sistema Nacional de Recursos
Hídricos (SNRH)”, acusa Renato Cunha, do
Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá). Ele
considera que as oito audiências previstas
para instruir o licenciamento ambiental também
foram marcadas precipitadamente. “A comunidade não
tem o tempo necessário para se expressar
e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) tem falhas
gritantes”.
Governo assume procedimento
arriscado
O Ministério da Integração
Nacional (MIN), que coordena a obra da transposição,
já avisou que vai licitá-la antes
da concessão da licença ambiental,
supostamente para ganhar tempo. A antecipação
vai significar mais pressão política
sobre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
e ameaça atropelar o processo de licenciamento.
O MIN pretende publicar o edital de licitação
o mais rápido possível e iniciar
a obra em abril próximo, pois espera que
o licenciamento esteja terminado em março.
Funcionários da área ambiental do
governo admitem que licitar o projeto antes do
licenciamento é um procedimento arriscado
uma vez que não se pode ter certeza absoluta,
a priori, das conseqüências para o
meio ambiente provocadas por uma obra dessa magnitude.
“Não vai haver nenhum licenciamento ‘a
toque de caixa’ em fevereiro ou em qualquer data,
que signifique não resolver adequadamente
todas as equações que precisam ser
resolvidas no âmbito do licenciamento”,
garantiu a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
durante a reunião do CNRH. Ela fez questão
de frisar que a responsabilidade de sua pasta
sobre o projeto refere-se exclusivamente à
questão da água e da autorização
ambiental. “Problemas de oportunidade econômica
devem ser respondidos pelo empreendedor da obra
[o MIN]”.
O diretor de Licenciamento e Qualidade Ambiental
do Ibama, Nilvo Luiz Alves da Silva, assegura
que não haverá antecipação
de prazos e confirma que o processo de licenciamento
da transposição é o mais
complexo já realizado no País. “Existem
muitas incertezas em relação a esse
projeto”.
Projeto vai beneficiar agronegócio
de exportação
A transposição
do rio São Francisco vai beneficiar principalmente
a agricultura de exportação de alguns
estados, o que desmonta o argumento de que o projeto
servirá para matar a sede da população
rural pobre do semi-árido nordestino. A
obra se divide em dois grandes canais principais.
O chamado Eixo Norte atenderá o Ceará,
Rio Grande do Norte e Paraíba e terá
uma área construída de 402 km. O
Eixo Leste seguirá até a Paraíba
e Pernambuco, cortando 220 km. É bom lembrar
que os estados de Minas Gerais e Bahia são
oficialmente contra o projeto.
Segundo dados do CBHSF, 63% da vazão média
de água da transposição será
destinada à criação de camarão
ou à agricultura irrigada para exportação,
principalmente no Ceará e o Rio Grande
do Norte. O restante vai abastecer populações
urbanas, e não comunidades sertanejas carentes.
O custo total estimado da obra é de US$
1,5 bilhão ou cerca de R$ 4, 3 bilhões
de reais
Em entrevista publicada recentemente, o ambientalista
e consultor Henrique Cortez, da rede Articulação
do Semi-Árido Brasileiro (ASA), afirmou
que, dos 26 m3/s (metros cúbicos por segundo)
de vazão mínima que serão
transpostos, 5 m3/s irão para o Rio Grande
do Norte e Paraíba e 21 m3/s chegarão
ao Ceará, principal reduto eleitoral do
ministro da Integração Nacional,
Ciro Gomes.
“O governo diz que a transposição
corresponde a um projeto regional de desenvolvimento
sustentável para todo o Nordeste, mas parece
que apenas alguns estados foram escolhidos para
se desenvolver”, denuncia Marcelo Asfora, professor
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e
coordenador da Câmara Técnica de
Outorga e Cobrança do CBHSF. “Já
com o sistema em operação, cerca
de 85% do custo da água será pago
pelo consumidor urbano”, informa.
Asfora contesta ainda a falta de água em
várias das regiões que serão
beneficiadas pela transposição e
explica que existem comunidades a poucos quilômetros
das margens do rio com falta de água. “Na
verdade, o que temos é um problema de acesso
e de gestão da água, falta infra-estrutura,
inclusive dentro da própria bacia”.
Os setores contrários à transposição
afirmam que é muito mais barato e urgente
um projeto de desenvolvimento sustentável
para a região, que contemple, prioritariamente,
a revitalização da bacia do São
Francisco e não a transposição.
Ambientalistas e técnicos denunciam, por
exemplo, a falta de investimentos para projetos
de irrigação para pequenos agricultores
e trabalhadores rurais às margens do São
Francisco.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)
Imagem: Ministério da Integração
Nacional
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