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NASCE A FRENTE NACIONAL EM DEFESA DO RIO SÃO FRANCISCO

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005

Nesta quinta-feira, 06 de janeiro, estiveram reunidos em Salvador – capital da Bahia, Brasil –, representantes de entidades da sociedade civil, do ministério público estadual, dos governos municipais e estaduais e parlamentares, para criarem a Frente Nacional de Defesa do Rio São Francisco e Contra a Transposição.

De acordo com o comunicado lançado para a imprensa, “a Frente foi concebida como uma articulação voluntária da mais ampla natureza e caráter”. Uma de suas funções principais é mostrar ao povo brasileiro que o Projeto da Transposição das águas do Rio São Francisco está longe de cumprir os objetivos humanitários divulgados pelo Governo Federal; ao contrário, atende a compromissos eleitoreiros e interesses econômicos menores. Outra meta da Frente é lutar por um Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Semi-árido Brasileiro, o qual contemple alternativas mais baratas, mais sustentáveis e de retorno mais rápido para resolver, de fato, os problemas da escassez hídrica e da convivência com o semi-árido.

Entre as entidades e instituições que compõem a Frente estão: os Fóruns Permanentes de Defesa do São Francisco da Bahia e de Sergipe; o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura da Bahia (CREA-BA); a Ordem dos Advogados do Brasil – seccionais da Bahia e Sergipe (OAB); Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia (AEBA); o Movimento Paulo Jackson de Ética, Cidadania e Justiça; Assembléias Legislativas da Bahia e de Alagoas; União dos Municípios da Bahia (UPB); Ministérios Públicos de Sergipe e Bahia; Cáritas – Regional Nordeste 3; Sindicato dos Jornalistas do Estado da Bahia; Articulação do Semi-Árido; Instituto de Ação Ambiental da Bahia (IAMBA); Ação Social Arquidiocesana; Projeto Parque Holístico; Comissão Pastoral Da Terra (CPT); Federação de Trabalhadores na Agricultura da Bahia; Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR); Instituto Manoel Novaes (IMAN); Secretarias de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente da Bahia; Movida – Alagoas e UAU`s.

Transposição: gigante com pés de barro

O grandioso Velho Chico nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais e percorre 2.700 km até atingir o Oceano Atlântico, na divisa dos estados de Sergipe e Alagoas. Sua bacia possui 640 mil Km², onde se distribuem 503 municípios e vivem 14 milhões de pessoas, sendo que 58% do seu percurso se dão no sertão nordestino. É o único rio perene do semi-árido.

O Projeto de Transposição parece querer se igualar em grandeza a essa gigantesca obra da natureza, mas o final está longe da generosidade do rio. A megalomaníaca transposição do São Francisco, com seus 2.200 quilômetros de canais – o que dá um pouco mais que a distância de Aracaju a São Paulo – e oito grandes barragens, tem todo o enredo para se transformar na “Transamazônica Hídrica”. O impacto nocivo ao meio ambiente, ao invés de transformar o sertão em mar, como propaga o Governo Federal, poderá nos deixar um grande deserto, com milhares de quilômetros de canais de cimento espalhados pela caatinga e a população necessitada sem uma gota sequer de água. E uma gigantesca conta para ser paga por muitas gerações.

Essa obra cara e desnecessária é tecnicamente incapaz de resolver a problemática da seca. Ela não beneficiará a população que mais sofre com o período da estiagem. Da água que o governo quer transpor, 70% irá para irrigação e 26% para o abastecimento de grandes cidades, restando 4% para o consumo humano difuso, os incontáveis sertanejos que passam sede no meio da caatinga.

A população potencialmente beneficiada não ultrapassaria 0,28% de todos os habitantes do Semi-árido Brasileiro, em não mais que 5% dessa sub-região. E a água será levada para onde mais tem, pois é a segunda região mais açudada do mundo – o Ceará é suprido por açudes em toda a sua extensão.

Segundo o hidrólogo João Abner, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a água da transposição seria das mais caras do mundo, inviabilizando qualquer projeto econômico que nela se baseasse, pois chegaria entre o dobro e o quádruplo do que custa hoje às margens do São Francisco – R$ 0,023 por m³ –, nos projetos de irrigação de Juazeiro e Petrolina. No EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto Ambiental) o custo estimado é de R$ 0,11 por m³. “Mas esse valor não contempla os gastos com bombeamento das fontes de abastecimento até as propriedades: se computados, podem chegar ao seu destino final a uma cifra entre 4 a 7 centavos de real o m³”, calcula o professor.

“Contornar o problema só será possível com o sistema de subsídio cruzado, mediante a conexão das águas transpostas em uma única rede de distribuição, pelo que se cobrará de todos os consumidores, inclusive o doméstico, a mesma taxa pelo serviço”, avalia João Abner. O Professor esclarece que, inicialmente, caberá aos Governos Estaduais arcar com tais subsídios – por exemplo, cerca de 20 milhões de reais por ano só do governo do Rio Grande do Norte.

O professor acredita que se água e irrigação fossem soluções, não haveria seca nem fome a poucos quilômetros do rio São Francisco, nem tanta insegurança em Juazeiro e Petrolina, “Mecas da irrigação”, com índices de violência entre os piores do interior do Nordeste. “Ou repensamos o modelo de Agricultura, de Desenvolvimento e de Sociedade, ou todas as tentativas de solução serão, ao cabo, agravamento do problema”, diz.

Quase toda disponibilidade já comprometida

No Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco, aprovado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, consta que, de um total alocável de 360 m³/s, 335 m³/s já se encontram outorgados, restando apenas 25 m³/s para os múltiplos usos, tanto na bacia como externamente. Mas o Governo insiste em fazer o projeto para uma vazão de 63 m3/s. Para isto, terá que cancelar as outorgas existentes e outros investimentos que demandem água na Bacia.

O planejamento e a avaliação de disponibilidade hídrica deverão ser feitos com dados reais de toda a bacia, computando-se os usos das águas superficiais e subterrâneas. Nos estudos apresentados pelo Governo Federal estão computadas apenas as captações outorgadas na calha do rio, tidas como grandes consumos.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco – composto por 60 representantes dos governos nas três esferas, grandes usuários de água e sociedade civil, reunido em 27 de outubro de 2004, em Salvador, Bahia, aprovou o uso externo das águas, exclusivamente para abastecimento humano e dessedentação animal, desde que seja comprovada a escassez nas regiões receptoras, no entanto, vale ressaltar que o Projeto de Transposição foi rejeitado por todas as audiências públicas e plenárias realizadas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco.

Mudança da Matriz Energética

O São Francisco é responsável pela geração de mais 95% da energia elétrica do Nordeste, mas seu potencial de uso já está no limite. Com a implantação do projeto, provavelmente, haverá uma mudança na matriz energética da região. Essa mudança, a princípio, visa atender as demandas para funcionamento da infra-estrutura do projeto e das obras complementares, as quais não poderão ser absorvidas pelo sistema hidrelétrico atual. Isto resultará no aumento de custos, em grande impacto ambiental não apenas na região do Nordeste Setentrional, mas em toda a bacia do São Francisco.

Não existe déficit Hídrico

Segundo os especialistas João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e João Suassuna, Hidrólogo da Fundação Joaquim Nabuco de Pernambuco, ao se analisar o Estudo de Impacto Ambiental – EIA – apresentado pelo Ministério da Integração e em tramitação no IBAMA, conclui-se que não existem déficits hídricos globais nos Estados do Nordeste Setentrional. Os consumos prioritários urbanos (humano e industrial) e difusos rurais (humano e animal), desses Estados, de acordo com o estudo, somam 22,5 m³/s. Essa demanda é plenamente atendida pelas ofertas atuais e mesmo para o futuro, pois a disponibilidade na região é de 220 m³/s”, garantem os especialistas.

O Projeto não é necessário nem para atender a expansão da agroindústria na região. O EIA apresenta uma “demanda potencial” para irrigação no Nordeste Setentrional de 131 m³/s, que corresponde a uma área irrigada de 226 mil hectares. “Como podemos constatar, não há déficit nem para abastecimento humano e animal e nem para irrigação. O que há é carência de uma política de gerenciamento dos recursos hídricos existentes e infra-estrutura inadequada para suprimento dessas demandas”, afirmam.

Histórico da Transposição

No século XIX, os engenheiros do imperador Dom Pedro II já sonhavam em utilizar as águas do São Francisco para combater os efeitos da seca no sertão. Após a grande seca que vitimou 1,7 milhão de pessoas entre 1877 e 1879, os republicanos criaram uma inspetoria que produziu o mapa de um canal que interligaria o rio São Francisco ao Jaguaribe. O assunto voltou à tona em 1943, no Governo de Getúlio Vargas, com a criação do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS). Em 1980, os técnicos do DNOCS chegaram a elaborar um projeto de transposição em parceria com um organismo norte-americano especializado em agricultura, irrigação, solos e recursos hídricos. A idéia era captar 15% da vazão do Velho Chico.

A proposta mais consistente foi apresentada em 1983 pelo ministro do Interior do Governo João Figueiredo, Mário Andreazza. Dez anos depois, no Governo de Itamar Franco, o ministro da Integração Regional Aloísio Alves tentou implantar o projeto. Esse estudo foi retomado em 1994 no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Foi grande o choque das entidades ambientalistas, de ribeirinhos, pescadores e a comunidade científica ao ver o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, oriundo do movimento popular sindical e eleito com sustentação dos movimentos sociais e ambientalista ressuscitar esse Projeto, amplamente rejeitado, com nova maquiagem e nomenclatura.

Sociedade Civil contra a transposição

Para fazer frente às pressões do governo, o Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, que reúne mais de sessenta entidades da sociedade civil em parceria com a Coordenadoria do Projeto de Defesa do São Francisco do Ministério Público do Estado da Bahia, vem realizando seminários, plenárias, encontros e palestras nas cidades ribeirinhas da Bahia. O Fórum também esteve em todas as consultas públicas e nas Plenárias do Comitê Hidrográfico da Bacia realizadas na Bahia e Pernambuco, além da realização de mesa-redonda nos Fóruns de Desenvolvimento Social Baiano e Nordestino.

Também não foi aceito nos seminários, encontros, plenárias e outros eventos públicos nos municípios distribuídos por toda a Bacia. A Conferência Nacional de Meio Ambiente, convocada pelo próprio Governo Federal, decidiu também pela não-transposição das águas do Rio São Francisco.

Atropelo na legislação

A sociedade civil já disse não à transposição e se prepara, agora, para enfrentar mais um momento decisivo, em que chega ao auge a pressão desencadeada pelo alto escalão do governo para impor a transposição.

A recém-fundada Frente Nacional em Defesa do São Francisco foi surpreendida com a noticia de que o IBAMA está convocando as audiências públicas a toque de caixa para discutir o licenciamento ambiental do Projeto de Transposição do São Francisco.

A primeira audiência acontecerá em Fortaleza, já no próximo dia 15 de janeiro. Em Salvador, será dia 27 de janeiro, uma semana antes do Carnaval. Tal celeridade do Ibama fere frontalmente a legislação vigente, que determina o prazo mínimo de 30 dias para convocação de audiências públicas. Esta é uma prática que tem se tornado comum nas iniciativas do Governo Federal em relação à transposição.

Além de ilegal, essa convocação à Frente Nacional lembra que as audiências são estaduais e oito dias para mobilizar um Estado é um prazo mais que exíguo: torna-se impossível fazer uma consulta séria com a relevância que o Projeto merece pelas contradições existentes quanto à sua implantação.

Plenária do CNRH

O governo convocou, para o próximo dia 17, plenária do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – onde tem maioria dos 56 conselheiros: 29 são representantes de órgãos federais – onde tentará derrubar a resolução do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco que só permite a retirada de 26 metros cúbicos por segundo de água do São Francisco para consumo humano e animal. O governo quer utilização de 63 m3 para múltiplos usos, como a agroindústira e viveiros de camarão.

A Frente está chamando todos os defensores da Bacia do São Francisco para uma reunião em Brasília no mesmo dia da Plenária do CNRH.

A validade dessa reunião do CNRH está sendo questionada tanto por entidades da sociedade civil como pelos Ministérios Públicos Federal e dos Estados da Bahia, Sergipe e Minas Gerais. No entender de todos, a resolução que sair do CNRH não terá validade, pois nenhuma decisão pode ser tomada sem que estudos prévios e pareceres das Câmaras técnicas do Conselhos sejam realizados, o que não aconteceu até o momento. Sem contar uma ação de conflito de uso da água impetrada pelo Fórum Permanente do São Francisco junto ao Comitê da Bacia que ainda não foi julgada.

A Frente está chamando todos os defensores da Bacia do São Francisco para uma reunião em Brasília no mesmo dia da Plenária do CNRH.

Fonte: Mariene Martins Maciel

 
 
 
 

 

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