|
RACHA ENTRE
MINISTÉRIOS AMEAÇA DIREITOS
DE POVOS TRADICIONAIS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Janeiro de 2005
|
 |
27/01/2005 MMA hesita
e ministérios ligados aos interesses das
grandes empresas de biotecnologia pretendem restringir
direitos dos povos tradicionais sobre seus recursos
genéticos e conhecimentos.
Uma verdadeira guerra de bastidores entre ministérios
do governo Lula está ameaçando os
direitos dos chamados povos tradicionais – índios,
quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas
etc. As divergências envolvem o Anteprojeto
de Lei (APL), em análise na Casa Civil da
Presidência da República, que trata
do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos
tradicionais a eles associados. O próprio
poder de decidir sobre o tema também está
em disputa.
De um lado, o Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT), o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
(MDIC) defendem uma proposta de APL que privilegia
o interesse da grande indústria da biotecnologia
e restringe ao máximo o direito dos povos
tradicionais sobre seus recursos genéticos
e conhecimentos, além de limitar a repartição
de benefícios originados por eles. De outro,
o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tenta
proteger as prerrogativas dessas comunidades, mas,
ao mesmo tempo, tem adotado uma postura vacilante
no trato da questão.
O grupo encabeçado pelo MCT, MAPA e MDIC
vem tentando dificultar a participação
da sociedade civil na discussão do APL e
enfraquecer o Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGEN), colegiado governamental
que trata da questão do acesso aos recursos
genéticos e cuja secretaria-executiva é
exercida pelo MMA. Por trás da estratégia,
estaria a intenção de transferir para
o MCT a competência de gerir o patrimônio
genético e, de quebra, impedir definitivamente
a participação da sociedade e qualquer
forma de controle social nas decisões sobre
a matéria.
O problema é que o MMA não tem se
posicionado claramente nas discussões do
CGEN, o que fortalece a manobra do bloco ministerial.
Para se ter uma idéia da postura titubeante
da pasta do Meio Ambiente, basta dizer que a sua
própria consultoria jurídica elaborou
um parecer afirmando que o Conselho não teria
competência para analisar os contratos de
repartição de benefícios oriundos
da biodiversidade.
O conflito entre os ministérios e a atitude
do MMA contradizem muitas das posições
defendidas oficialmente pelo governo brasileiro,
inclusive em fóruns internacionais. “É
inaceitável que as populações
dessas áreas, freqüentemente as grandes
responsáveis pela conservação
de recursos biológicos e detentoras de conhecimentos
a eles associados, não sejam remuneradas
de forma justa e eqüitativa pela conservação
desses recursos e pelo uso desses conhecimentos”,
afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
na última sexta-feira, dia 21 de janeiro,
em Nova Déli, Índia, durante a Reunião
do Grupo de Países Megadiversos e Afins.
Segundo Marina, os direitos dos povos tradicionais
“devem ser reconhecidos e fortalecidos, conforme
preconiza a Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB)”.
Uma briga a portas
fechadas
Em julho de 2003,
o CGEN começou a discutir uma nova legislação
para substituir a Medida Provisória (MP)
nº 2.186-16/01, que atualmente regula o tema
do acesso aos recursos genéticos. Logo de
início, sob a orientação de
Marina, o Conselho admitiu a participação
informal de organizações da sociedade
civil no Conselho como “convidadas”, sem direito
a voto.
Mesmo assim, elas enfrentaram uma série de
constrangimentos no debate: poucas entidades acompanharam
o processo, não houve acúmulo de informações
da parte delas e tampouco da parte dos povos indígenas
e comunidades locais. Além disso, não
houve a divulgação suficiente e qualquer
apoio financeiro do CGEN para viabilizar aquela
participação.
Esse foi o único momento em que a sociedade
teve oportunidade de opinar sobre a futura legislação,
conseguindo garantir, com apoio do MMA, alguns direitos
importantes, especialmente para os detentores de
conhecimentos tradicionais.
Encerrado o debate no CGEN, no final de 2003, o
APL foi encaminhado pelo MMA à Casa Civil,
onde se iniciou uma nova discussão, agora
restrita aos ministérios com assento no Conselho.
Após várias rodadas de negociação,
ficou clara a divergência entre MMA, que pretendia
ampliar os direitos dos povos tradicionais, e as
outras pastas. No segundo semestre de 2004, a Casa
Civil abriu a possibilidade de que os ministérios
fizessem mais sugestões e uma nova versão
do APL, de teor desconhecido, foi elaborada.
Mais recentemente, atropelando as discussões
na Casa Civil e contradizendo várias das
posições defendidas publicamente no
CGEN, o bloco composto por MCT, MAPA e MDIC apresentou
uma proposta de substitutivo ao APL com graves retrocessos
no que diz respeito aos direitos das comunidades
tradicionais.
Substitutivo aponta
para retrocessos
A proposta do bloco
ministerial extingue o CGEN e transfere para o MCT
a competência de gerir o patrimônio
genético. Assim, é extinta também
qualquer forma de participação da
sociedade na análise do tema. Além
disso, o substitutivo centraliza num fundo gerido
pelo próprio MCT todos o dinheiro advindo
da repartição dos benefícios
da biodiversidade, o que impede qualquer forma de
repartição direta para os povos detentores
dos recursos e dos conhecimentos tradicionais.
Pela proposta, o chamado “consentimento prévio
informado” fica relegado a segundo plano – o instrumento
garante a necessidade de autorização
preliminar das comunidades para o acesso aos seus
recursos e conhecimentos. Garantido pela legislação
atual, o direito de impedir a transmissão
ou divulgação de informações
contidas nos conhecimentos tradicionais também
é negado pelo projeto.
Além disso, todos os conhecimentos classificados
com dos “usos e costumes” da sociedade brasileira
ou cuja origem específica não possa
ser comprovada passam a ser considerados de “domínio
público”, o que também inviabiliza
a repartição de benefícios
para vários povos. Uma outra dificuldade
criada é que a proteção dos
conhecimentos tradicionais passa a ter um prazo
de prescrição de no máximo
10 anos.
Entenda o debate
sobre os recursos genéticos e os conhecimentos
tradicionais
Durante a ECO-92,
mandatários de 180 países, incluindo
o Brasil, assinaram a Convenção da
Diversidade Biológica (CDB), cujos objetivos
são a proteção internacional
e o uso sustentável da biodiversidade e dos
recursos genéticos, além da garantia
da repartição de benefícios
resultantes desse uso entre países ricos
e pobres. De dois em dois anos, ocorre uma Conferência
das Partes (COP) para discutir a implementação
dos objetivos da CDB. A próxima reunião
ocorrerá no Brasil, em fevereiro de 2006,
quando deverá ser discutido, entre outros
pontos, o Regime Internacional de Acesso e Repartição
dos Benefícios da Biodiversidade.
Em 1995, já sob inspiração
dos debates internacionais da CDB, a então
senadora Marina Silva (PT-AC) apresentou um primeiro
Projeto de Lei (PL) sobre o tema dos recursos genéticos,
que, a partir daí, entrou na pauta do governo.
O Congresso Nacional iniciou um intenso debate sobre
o assunto, o qual foi atropelado pela MP nº
2.052/00, a primeira editada tratando da questão.
Outra MP, a de nº 2.186-16/01, criou o CGEN
com representação exclusivamente governamental.
Desde a edição da primeira MP, ainda
sob a gestão FHC, o governo não tem
dado nenhuma abertura à sociedade civil para
participar da discussão sobre os recursos
genéticos e a implementação
da CDB. A situação continua praticamente
a mesma, apesar de a administração
Lula ter admitido a presença informal de
membros da sociedade no CGEN.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa