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ADMINISTRADOR
REGIONAL É EXONERADO E OCUPAÇÃO
DA FUNAI, EM MANAUS, É SUSPENSA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
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01/02/2005 Lideranças
vão acompanhar apuração de
denúncias de má gestão e continuar
negociando a nomeação de um índio.
Durante o V Fórum Social Mundial, realizado
em Porto Alegre (RS) e encerrado ontem (31/1), movimento
indígena divulgou dois manifestos criticando
duramente a política indigenista do governo.
As 15 lideranças indígenas que ainda
permaneciam na sede da Fundação Nacional
do Índio (Funai), em Manaus (AM), saíram
do local depois de 26 dias de ocupação
(saiba mais). A mobilização conquistou
uma importante vitória com a exoneração
do administrador-executivo regional, Benedito Rangel
de Morais, na quinta-feira, dia 27. Na semana anterior,
ele já havia sido afastado temporariamente,
o que fez com que as mais de 300 pessoas, pertencentes
a 14 etnias diferentes, então acampadas no
prédio, voltassem para suas aldeias.
A retirada em definitivo foi decidida na sexta-feira,
dia 28, depois de uma reunião realizada entre
a juíza federal Jaíza Fraxe, os líderes
da ocupação, representantes da Funai
e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Uma comissão formada por cinco integrantes
da mobilização vai permanecer na capital
amazonense para negociar a nomeação
de um novo administrador, a partir de uma lista
tríplice indicada pelos próprios índios,
e a criação de um conselho consultivo,
que também contaria com membros das comunidades
e de organizações indígenas
da região. A comissão também
vai acompanhar a sindicância interna aberta
para investigar denúncias de má gestão
e de crimes cometidos por funcionários da
própria Funai - desvio de recursos, uso irregular
de carros oficiais e até casos de violência
sexual, entre outros.
“Vamos definir prazos e esperamos que o conselho
esteja instalado até junho, mas uma nova
ocupação pode acontecer se as reivindicações
não forem atendidas”, avisa Benjamim Baniwa,
assessor da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),
uma das 17 entidades que apoiaram a ocupação.
Junto com Estevão Barreto Tukano e Lucas
Fernandes Baré, Benjamim foi indicado para
ocupar a administração regional. Ele
considera que a nomeação de um dos
três pode ser aceita, apesar da aparente resistência
da direção da Funai.
Além de exigir a participação
dos povos indígenas na administração
e as mudanças efetivas nas políticas
do órgão, o movimento acusou o presidente
Luís Inácio Lula da Silva de não
cumprir promessas de campanha, por exemplo, de agilizar
e ampliar as demarcações de terras.
Manifestos criticam
política indigenista e fazem propostas
Também na
sexta-feira, dia 28 de janeiro, sob inspiração
da invasão de Manaus, lideranças indígenas
de todo o Brasil voltaram a criticar duramente a
política indigenista do governo federal em
uma entrevista coletiva realizada em Porto Alegre
(RS), durante o V Fórum Social Mundial (FSM).
“Persistem a omissão, o descaso e a morosidade
do governo em garantir a demarcação
de nossas terras”, afirma o manifesto divulgado
pelos índios (confira abaixo). O texto critica
o pequeno número de terras indígenas
declaradas durante a administração
Lula – seriam apenas 11 – e ataca o que considera
a conivência com grupos abertamente antiindígenas:
“observamos que está em curso uma forte articulação
política liderada pelas forças do
agronegócio com o apoio de importantes setores
governamentais para restringir os nossos direitos”.
O documento denuncia ainda o assassinato de 50 indígenas,
nos últimos dois anos, vários outros
crimes e ataques sofridos por comunidades inteiras,
como na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol,
em Roraima (saiba mais).
Ainda durante o V FSM, no dia 30, depois de uma
marcha às margens do Rio Guaíba, as
mesmas lideranças divulgaram outro manifesto,
agora com propostas para a política indigenista
governamental (veja abaixo). Entre elas, maior agilidade
nos processos de identificação, declaração
e homologação de Terras Indígenas;
a manifestação pública do governo
contra o Projeto de Lei (PLS) 188, que tenta inviabilizar
novas demarcações; e a reformulação
do órgão oficial responsável
pelos índios, com a criação
de uma secretaria ligada diretamente à Presidência
da República e um conselho interministerial
de política indigenista com participação
das comunidades.
Carta-denúncia
dos Povos Indígenas do Brasil no Fórum
Social Mundial 2005
Lula, a omissão
vence a esperança!
Nós Povos
Indígenas do Brasil participantes do Puxirum
de Artes e Saberes Indígenas no V Fórum
Social Mundial levantamos nossa voz para denunciar
a continuidade do processo de colonização
forçada que vem se reproduzindo nos dias
atuais em nosso país.
Estamos cansados de enviar documentos e bater nas
portas dos gabinetes governamentais sem que haja
respostas para a solução dos graves
problemas que enfrentamos.
Apesar de todo esforço de nossas comunidades,
povos e organizações, persistem a
omissão, o descaso e a morosidade do governo
em garantir a demarcação de nossas
terras.
Percebemos que a ganância e a exploração
capitalistas têm mais importância no
governo Lula do que a sobrevivência física
e cultural dos nossos povos. Só assim se
explica que apenas 11 terras indígenas tenham
seus limites declarados nos últimos dois
anos, a redução da terra indígena
Baú do povo Kayapó, a não homologação
da Raposa Serra do Sol em Roraima e a negociação
política para redução de nossas
terras em todo país alimentada pela criação
de comissões envolvendo os interesses antiindígenas
locais e regionais. A demora no procedimento demarcatório
das terras indígenas vem alimentando os conflitos,
tal como acontece com a TI Monte Pascoal do Povo
Pataxó (BA), um símbolo da luta indígena
no país. É lamentável, sob
todos os aspectos, a negação do direito
à saúde e educação dos
povos que ainda dependem do início do procedimento
de demarcação de suas terras, a exemplo
do que acontece com os povos resistentes do Nordeste.
Busca-se, por interesse das mineradoras criar fatos,
como a exploração garimpeira na terra
Cinta Larga em Rondônia, para regulamentar
a exploração mineral nas terras indígenas
sem que haja a aprovação do novo Estatuto
dos Povos Indígenas.
Constatamos que é cada vez mais freqüente
nas decisões judiciais de diferentes Tribunais,
a inversão de direitos para contemplar o
interesse particular de invasores e de grupos econômicos
e políticos interessados nas riquezas existentes
nas terras indígenas. Foram muitas as liminares
concedidas em favor de invasores e para a expulsão
de indígenas de suas terras, como está
acontecendo sistematicamente com o povo Guarani
Kaiowá (MS) e com a construção
de barragens na TI Rio Branco em Rondônia
que compromete a sobrevivência de vários
povos.
No Congresso Nacional, observamos que está
em curso uma forte articulação política
liderada pelas forças do agronegócio
com o apoio de importantes setores governamentais
para restringir os nossos direitos. São numerosos
as propostas de emendas constitucionais e projetos
de lei que visam suprimir os direitos indígenas
principalmente em relação às
terras e para o acesso aos recursos naturais. O
mais recente é a proposta da comissão
especial do senado que através de seu relator
Delcidio Amaral (PT-MS) apresentou o PL 188, completamente
inconstitucional, que tem o apoio do articulador
político do governo Aldo Rebelo (PCdoB).
Esse projeto, entre outras coisas propõe
retroceder os procedimentos de demarcação
das terras indígenas que ainda não
foram concluídos, para que seus limites possam
ser negociados em função dos interesses
econômicos e políticos representados
no Senado Federal.
A conseqüência imediata dessa política,
que em nome de um desenvolvimento excludente e depredador
e que serve apenas para manter os níveis
absurdos de consumo das elites, é a violência
praticada contra nossos povos. Em 2003 e 2004, aproximadamente
50 índios foram assassinados, comunidades
indígenas foram queimadas por arrozeiros,
mulheres e crianças indígenas ameaçadas
de morte e aliados seqüestrados em Roraima,
crianças Xavantes morreram em acampamento
de seu povo à beira da estrada, impedido
de ocupar suas terras já demarcadas. E nesse
início de ano de 2005 nos chega a preocupante
informação do assassinato de 05 índios
Djohum Djapá, no alto rio Jutaí, na
região do Vale do Javari/AM, por madeireiros.
Numerosas terras indígenas continuam invadidas
de norte a sul do país. A discriminação
ainda pode ser percebida em discursos políticos
e ações de órgãos governamentais
quando desconsideram o direito à diferença.
Isso pode ser constatado quando se nega o direito
territorial indígena na faixa de fronteira,
impondo a criação de núcleos
urbanos não índios para a garantia
da “soberania nacional”, quando se nega a identidade
indígena dos povos resistentes e quando a
atenção à educação
e à saúde específica e diferenciada
permanece somente no discurso.
É por tudo isso que a política indigenista
nos últimos dois anos não sofreu nenhuma
mudança substancial, mantendo seu viés
integracionista, centralizador, repressivo e de
caráter tutelar e nem o governo se dispôs
a implementar as suas propostas contidas na carta
compromisso do Lula com Povos indígenas de
implantar uma nova política indigenista em
que houvesse uma ampla e efetiva participação
dos povos indígenas e da sociedade civil
construída através de um processo
participativo com os índios e assumida em
uma conferência indígena que seria
realizada ainda no primeiro ano de governo.
Porto Alegre RS,
27 de janeiro de 2005.
Manifesto indígena
Nós povos
indígenas do Brasil participantes do V Fórum
Social Mundial (26 a 31/01/05), em Porto Alegre/RS,
já manifestamos neste Fórum a nossa
insatisfação com a discriminação,
a omissão, o descaso e a morosidade do governo
federal em solucionar os graves problemas que enfrentamos
em relação à demarcação
e garantia de nossas terras, com a violência
praticada contra nos comunidades e lideranças,
e sobre os riscos de um retrocesso quanto aos nossos
direitos. Através de uma Carta Denúncia
afirmamos que em nome de um desenvolvimento excludente
e depredador os latifundiários, arrozeiros,
mineradores, madeireiros, peixeiros, monocultores
de soja e eucalipto, e os investidores do mercado
imobiliário continuam avançando sobre
nossas terras. Razões de segurança
nacional são alegadas para reduzi-las e ocupá-las
militarmente. Tribunais expedem decisões
que nos impedem de viver em nossos territórios
já demarcados.
Diante dessa realidade
propomos:
Agilidade no procedimento
administrativo de demarcação das terras
indígenas acabando com a morosidade na apresentação
dos relatórios de identificação
de nossas terras e com a negociação
dos limites com os invasores nas fases de delimitação
e homologação.
A criação de condições
para que a proteção de nossas terras
possa se dar na prática evitando que os agressores
do meio ambiente (latifundiários, monocultores,
madeireiras, garimpeiros, mineradoras e hidrelétricas)
as ocupem ou destruam as cabeceiras, poluam os rios
e devastem a mata e cerrado no entorno, através
de uma fiscalização presente e rigorosa.
A anulação e a reparação
de danos de projetos governamentais que não
tenham o nosso consentimento livre. A imposição
de projetos a comunidades indígenas tem levado
impactos irreversíveis e são viciados
de inconstitucionalidade. Em nome do desenvolvimento
econômico vêm sendo imposta a implantação
de hidrelétricas, hidrovias e transposições
de rios que afetam as comunidades indígenas.
A homologação imediata da T.I. Raposa
Serra do Sol, em Roraima, de acordo com a Portaria
820/98 – MJ, para acabar com a violência praticada
contra os povos Macuxi, Wapixana, Ingaricó,
Taurepang e Patamona e para desestimular os setores
antiindígenas em todo país que pensam
que nossas terras podem ser negociadas de acordo
com os seus interesses.
A apuração devida e punição
dos responsáveis pelos crimes praticados
contra nossas comunidades e lideranças.
A criação de uma Secretaria com status
de Ministério, diretamente ligada a Presidência
da República, com atribuições
a serem definidas pelo movimento indígena,
implicando a reformulação do órgão
indigenista oficial, com nossa ampla participação.
A criação de uma instância interministerial,
Conselho Nacional de Política Indigenista,
com nossa participação paritária,
que formule o planejamento, acompanhe a execução
e proceda a avaliação das políticas
públicas do Estado voltadas para os povos
indígenas.
A manifestação pública do governo
federal, como responsável pela proteção
de todos os bens indígenas, contra a aprovação
pelo Congresso do PLS 188, que pretende fazer retroceder
todos os procedimentos demarcatórios ainda
não concluídos a fase inicial para
que os limites das nossas terras possam ser negociados
em função dos interesses econômicos
e políticos representados no Senado Federal.
A aplicação da Convenção
169 da OIT com todo o seu significado garantindo
a participação dos nossos povos em
todas as questões de âmbito legislativo
e administrativo que nos afetem de alguma maneira.
Contamos com o apoio dos participantes do V Fórum
Social Mundial e de toda a sociedade para que possamos
garantir nossa existência atual e futura,
enquanto povos, com direitos coletivos e sujeitos
de seus destinos.
Porto Alegre, 30
de janeiro de 2005.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)