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DIREITOS
DE POVOS TRADICIONAIS VOLTAM A SER CRITICADOS
EM EVENTO PATROCINADO PELO GOVERNO FEDERAL
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
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04/02/2005 Divergências
entre bloco ministerial e o Ministério do
Meio Ambiente (MMA) continuam. Pesquisadores reivindicam
maior liberalização para o acesso
aos recursos genéticos e aos conhecimentos
tradicionais, relegando a segundo plano o que estabelece
a Convenção da Diversidade Biológica
(CDB).
O embate entre os setores ligados à indústria
da biotecnologia e à área ambiental
dentro do governo Lula veio à tona, mais
uma vez, na última quarta-feira, dia 2 de
fevereiro. Desta vez, o palco das divergências
foi a oficina Situação e perspectivas
do acesso e uso de Recursos Genéticos no
Brasil organizada pela empresa de consultoria Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)
a pedido do Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT) e da Secretaria de Comunicação
de Governo e Gestão Estratégica (Secom),
ligada à Presidência da República.
Durante o evento, a legislação atual
sobre o acesso aos recursos genéticos e as
propostas defendidas pelo MMA para modificá-la
– em especial, no que se refere à garantia
dos direitos dos chamados povos tradicionais (índios,
quilombolas, ribeirinhos etc) – sofreram uma série
de questionamentos e críticas. A natureza
e a competência do Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGen) foram
contestadas por integrantes do próprio governo,
especialistas e pesquisadores. O CGen, cuja secretaria-executiva
é exercida pelo MMA, é o colegiado
governamental responsável pelo controle do
acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos
tradicionais a eles associados (informações
sobre vegetais e substâncias medicinais encontradas
na natureza, por exemplo).
Participaram da oficina representantes do MCT, do
Ministério do Desenvolvimnento, Indústria
e Comércio (MDIC), da Secom, da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), da Associação
Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), do
Uniceub (DF), da firma de consultoria YBios, da
agência de cooperação GTZ e
do ISA. Nenhuma outra organização
da sociedade civil ou dos povos tradicionais foi
convidada.
Um dos organizadores do evento, o MCT encabeça
o grupo também formado pelo MDIC e pelo ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) e que vêm travando com o MMA uma batalha
de bastidores dentro do governo por conta das discussões
sobre o Anteprojeto de Lei (APL) do acesso aos recursos
genéticos e aos conhecimentos tradicionais.
O bloco ministerial defende uma proposta que privilegia
os interesses das grandes indústrias da biotecnologia
enquanto o MMA luta para resguardar os direitos
dos povos tradicionais (saiba mais).
Embora patrocinada pelo MCT e Secom e contando com
presença de vários representantes
de instituições públicas, a
oficina faz parte de um conjunto de consultas e
pesquisas que subsidiará estudos sobre o
tema da biotecnologia e dos Organismos Geneticamente
Modificados (OGMs) a partir da perspectiva da competitividade
da pesquisa brasileira no mercado internacional.
Secretário-executivo
do CGen é sabatinado
O evento acabou se
transformando em verdadeira sabatina ao único
integrante do MMA presente, o diretor do Departamento
de Patrimônio Genético (DPG) e secretário-executivo
do CGen, Eduardo Vélez Martin, que defendeu
as atribuições do Conselho e os direitos
dos povos tradicionais. “Existem alternativas, é
possível construirmos um equilíbrio
entre o estímulo à pesquisa, a soberania
nacional e o reconhecimento dos direitos dessas
comunidades”, insistiu.
O representante da Secom, Paulo Roberto de Almeida,
acusou o CGen e a legislação vigente
de dificultar as pesquisas na área. “Existe
uma tendência ‘regulacionista’, nossa herança
ibérica de um Estado controlador e centralizador.
Nessa tradição, tudo que não
é expressamente permitido pela lei está
proibido”.
Os outros participantes da oficina adotaram tom
semelhante ao atacar uma suposta burocratização
da Lei e pedir maior liberalização
para o acesso aos recursos genéticos e aos
conhecimentos tradicionais, deixando em segundo
plano direitos dos povos tradicionais já
reconhecidos pela Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB) assinada pelo
Brasil. A garantia da repartição de
benefícios e do chamado consentimento prévio
informado – instrumento que assegura a necessidade
de autorização preliminar das comunidades
para o acesso aos seus recursos e conhecimentos
– foi considerada por vários dos presentes
como um “custo de transação” excessivo
para empresas e pesquisadores.
“Podemos resolver o problema. É muito simples,
é só revogar o princípio da
soberania nacional, abandonar a CDB e deixar de
lado os direitos das comunidades e a repartição
de benefícios”, ironizou Vélez, ao
responder às críticas. Ao final da
oficina, ele minimizou os ataques e negou qualquer
relação entre o evento e o conflito
interministerial. “Foi uma conversa entre especialistas
e pesquisadores, acho que a discussão foi
positiva e até que houve consenso sobre a
importância estratégica do CGen”.
O que faz
o CGen?
O Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGen) é
um órgão deliberativo e normativo
do governo que tem a atribuição de
controlar o acesso aos recursos genéticos
e aos conhecimentos tradicionais associados, além
de elaborar critérios, normas e orientações
técnicas sobre o tema. O colegiado tem o
poder de aprovar, por exemplo, os chamados Contratos
de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de
Benefícios entre o pesquisador e o titular
da área onde é feita a coleta de material
da pesquisa (proprietário ou comunidade local).
O Conselho é formado por representantes de
nove ministérios e mais dez instituições
públicas de pesquisa. A Presidência
e secretaria-executiva ficam a cargo do MMA. Organizações
civis e entidades empresariais só participam
como convidados, sem direito a voto. O ISA participa
das reuniões do órgão, em nome
da Associação Brasileira de ONGs (Abong),
como representante das organizações
não-governamentais.
O sistema de controles e procedimentos sob responsabilidade
do CGen não visa burocratizar ou dificultar
a pesquisa científica, mas apenas garantir
a conservação da biodiversidade, o
uso sustentável dos recursos genéticos
e a soberania nacional sobre eles, além de
assegurar os direitos dos povos tradicionais detentores
desses recursos e dos conhecimentos tradicionais
associados ao componente do patrimônio genético,
em especial, o direito a uma repartição
justa e eqüitativa dos benefícios oriundos
da biodiversidade.
Para conseguir a autorização para
realizar acesso ao patrimônio genético
com fins comerciais, a chamada bioprospecção,
envolvendo ou não acesso ao conhecimento
tradicional associado, por exemplo, a instituição
responsável pela pesquisa precisa somente
comprovar que é nacional, regularmente constituída
e que realiza atividades de pesquisa na área
biológica e afins; apresentar o projeto de
pesquisa, com descrição dos objetivos,
metodologia e destinação da pesquisa;
documento comprovando a titularidade da área
onde foi feita a coleta; anuência prévia
do titular da área, da comunidade local ou
povo indígena; e o contrato de utilização
do patrimônio genético e de repartição
de benefícios.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)