 |
GRILEIROS ATERRORIZAM COMUNIDADES
RIBEIRINHAS NA TERRA DO MEIO (PA)
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
|
 |
01/02/2005
Expedição pelo rio Xingu colhe
depoimentos de famílias ameaçadas
e agredidas por grileiros. Nos últimos
anos, mais de 60 foram expulsas de suas terras.
O Governo Federal afirma que a violência
é uma reação desesperada
à regularização fundiária
em curso. |
Casas
incendiadas, vilas devastadas, famílias
desabrigadas. Este é o cenário
encontrado por uma expedição
realizada na última quinzena de janeiro
por técnicos do governo federal, pesquisadores
e representantes de organizações
sociais e ambientais pelo rio Xingu, entre
os municípios de Altamira e São
Félix do Xingu, no Pará.
Habitantes das comunidades ribeirinhas que
vivem na região, a chamada Terra do
Meio, relataram aos membros da expedição
diversas ameaças e violências
perpetradas por grileiros interessados em
expulsá-los de suas terras.
De acordo com os relatos, os grileiros têm
chegado às casas das famílias
armados reivindicando a posse da terra e ordenando
o abandono imediato das propriedades.
Em muitos casos, saqueiam os poucos bens das
famílias, dão tiros nas paredes
das casas e, antes de se retirarem, colocam
fogo nas moradias. Representantes das comunidades
desalojadas afirmam que os bandos freqüentemente
atuam em parceria com soldados da polícia
militar do estado. Um adolescente, filho de
um antigo seringueiro que vive há 50
anos na região, chegou a ser baleado. |
O garoto
sobreviveu, mas a família perdeu os pertences
da vida inteira e teve que se refugiar em uma ilha.
"O chefe deles disse que a terra era dele,
disse que o ribeirinho não tem nada, é
igual bicho da mata. Agora, em outubro de 2004,
proibiu a pesca. A gente não pode mais sobreviver",
contou o velho seringueiro aos expedicionários.
A Vila de São Sebastião, comunidade
com cerca de 20 casas que funcionava como entreposto
comercial entre Altamira e São Félix
na época da exploração da borracha,
e que nos últimos anos se tornou um centro
comunitário para os ribeirinhos, foi abandonada.
Os grileiros passaram com tratores sobre as casas
e os moradores foram obrigados a se mudar para uma
área provisória, de onde estão
pressionados novamente a sair. As imagens da destruição
e os depoimentos dos moradores foram gravados pela
equipe da expedição, formada por técnicos
do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) e por membros
da Comissão Pastoral da Terra de Altamira
(CPT), da Fundação Viver, Produzir
e Preservar (FVPP) e da ONG WWF.
O objetivo da expedição - que permanece
com uma equipe em campo pelo rio Iriri - é
realizar um levantamento sócio-econômico
da Terra do Meio para definir os limites e características
das reservas que serão propostas pelo Ministério
do Meio Ambiente - dentro do Programa Áreas
Protegidas da Amazônia (ARPA) - para a criação
de um mosaico de Unidades de Conservação
(UCs) na região. Este processo teve início
em 2002, quando o ISA empreendeu incursões
à Terra do Meio e elaborou um relatório
com a proposta da criação do mosaico
de UCs. O primeiro passo para a regularização
do território foi dado em novembro passado
com a criação da Reserva Extrativista
Riozinho do Anfrísio.
Dos rios às periferias
A Terra do Meio é um
dos territórios menos explorados na porção
leste da Amazônia. É considerada
uma das áreas mais ricas em biodiversidade
em todo o País e é habitada por
comunidades extrativistas que vivem da pesca,
da agricultura de subsistência e da coleta
de castanha do Pará. Sua área é
delimitada pelo rio Iriri a oeste e pelo rio Xingu
a leste. Ao norte e ao sul, os limites são
dados por Terras Indígenas. Nos últimos
anos, a região vem sendo desmatada de forma
voraz por madeireiros interessados em suas reservas
de mogno e outras madeiras nobres. Neste processo
- que ocorre em paralelo à identificação
territorial e populacional feita pelo governo
federal - as comunidades tradicionais têm
sido expulsas, terras públicas griladas
e a floresta convertida ilegalmente em pastagens.
Os ribeirinhos relatam que, nos últimos
anos, mais de 60 famílias foram expulsas
de suas terras, localizadas nas margens dos rios
Xingu e Iriri. “Elas acabam se mudando para as
periferias de Altamira e São Félix
do Xingu, onde 90% da população
foi expulsa das margens dos rios”, afirma Antônia
Melo, da FVPP. Nas cidades, os ribeirinhos não
encontram trabalho fixo e acabam realizando trabalhos
braçais para pagar pelo aluguel e comida.
“Todos querem voltar para suas casas, onde podem
pescar, trabalhar na roça e viver em paz”.
Antônia Melo afirma que o conflito entre
os ribeirinhos e os grileiros na Terra do Meio
existe desde 2001 e recrudesceu nos últimos
meses, especialmente após a criação
das reservas Riozinho do Anfrísio e Verde
Para Sempre. “Os grileiros estão mais raivosos”.
Para Muriel Saragoussi, secretária de Coordenação
da Amazônia do Ministério do Meio
Ambiente (MMA), a criação das reservas
e a perspectiva da regularização
fundiária na região, com a consolidação
do ARPA, está alterando radicalmente o
jogo de forças locais. “Em todos estes
anos de ausência de Estado, interesses privados
se estabeleceram como ordenadores da terra”, afirma
Muriel. “Agora, eles estão perdendo este
poder e, como não querem brigar com os
mais fortes, o governo federal, atacam os mais
fracos, as comunidades ribeirinhas”.
A criação do mosaico de UCs na Terra
do Meio é uma das principais metas da pasta
de Marina Silva. “Esta semana vamos encaminhar
para assinatura do Presidente Lula o decreto que
cria, no coração da Terra do Meio,
uma Unidade de Proteção Integral
(UPI) de mais de 3 milhões de hectares”,
garante João Paulo Capobianco, secretário
de Biodiversidade e Florestas do MMA. O secretário
afirma ser impossível acabar em uma canetada
com todos os focos de desmatamento e grilagens
de terra em uma área tão extensa,
com mais de 9 milhões de hectares. "Mas
a criação das reservas vem sendo
acompanhada pela instalação e aparelhamento
de bases de fiscalização e por um
orçamento federal de mais de R$ 50 milhões”.
Terra sem lei
A Comissão Pastoral da
Terra (CPT) em Santarém explica que atualmente
a região da Terra do Meio é disputada
por três grandes grupos de grileiros. "Um
deles seria ligado às empresas de Cecílio
Rego de Almeida", afirma Tarcisio Feitosa
da Silva, da CPT. "O outro grupo seria formado
por empresários de São Félix
do Xingu e o terceiro, por madeireiros vindos
do estado do Tocantins. Sem falar naqueles que
disputam a posse das terras centrais do território”,
completa Silva, da CPT.
A expedição pelo rio Xingu constatou
a proximidade entre os grileiros e a polícia
militar paraense. O destacamento da PM em Altamira,
por exemplo, dispõe de um alojamento construído
pela empresa Amazônia Projetos Ecológicos,
de propriedade da família de Cecílio
Rego de Almeida, viaja no barco e se comunica
com o quartel com telefone de satélite
fornecidos pela empresa. A CPT afirma que o isolamento
entre as famílias de ribeirinhos facilita
ainda mais a atuação dos bandidos.
“O Estado nunca está presente na Terra
do Meio e os moradores, diante de tamanha violência,
estão com muito medo”, diz Tarcisio.
As entidades sociais que atuam na Terra do Meio
afirmam, porém, que a criação
da Reserva Riozinho do Anfrísio motivou
as comunidades a lutar por seus direitos. “Elas
estão com esperança pois sentem
que há apoio por parte do governo.” A ativista
conta que as comunidades, pela primeira vez, estão
se organizando para ir à Brasília
em busca de audiências com membros do Ministério
do Meio Ambiente e da Justiça.
Outra oportunidade para o encaminhamento das demandas
se dará no próximo dia 11 de fevereiro,
em Porto de Moz (PA), quando representantes do
governo federal se reunirão com comunidades
tradicionais para definir os critérios
de concessão do uso de terra na Reserva
Verde Para Sempre e o plano de manejo da área.
"A idéia do governo federal é
repetir este trabalho em toda a Terra do Meio",
afirma Muriel Saragoussi, do MMA.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)
Imagem: ISA
|
|
|
|