Panorama
 
 
 

GOVERNO LULA ACABA SE COMPLICANDO NO
CONFLITO DE NOVO PROGRESSO (PA)

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005

15/02/2005 Governo faz acordo com madeireiros e perde na “batalha da informação”. Orientações divergentes, manipulação e oportunismo conjugam-se no imbróglio.
De um lado, um misto de decisões precipitadas, desarticulação interna e inabilidade política da administração federal. De outro, oportunismo e manipulação de informações da parte de grupos organizados ligados principalmente à grilagem de terras. Junte os ingredientes e será possível começar a entender os protestos que paralisaram, durante 11 dias, parte do sudoeste do Pará e que, depois de um acordo estabelecido com madeireiros e produtores rurais, acabaram redundando na mais recente derrota da área ambiental do governo na “batalha da informação” travada com seus opositores.
Uma seqüência de ações bem intencionadas, mas sem coordenação e apoio institucional, que pretendiam impedir o desmatamento desordenado e a grilagem de terras públicas, terminaram por colocar mais lenha na fogueira das pressões políticas exercidas pelo setor das indústrias madeireiras paraenses. A história traz à baila, mais uma vez, a falta de sintonia entre áreas do governo federal e as dificuldades impostas ao grupo chefiado pela ministra do Meio Ambiente (MMA), Marina Silva, para implementar as políticas e medidas necessárias à proteção ambiental e ao desenvolvimento sustentável.
O governo insiste que não recuou em suas ações de promover o ordenamento fundiário na Amazônia. Apesar disso, ao aceitar reavaliar a liberação de planos suspensos de manejo florestal em virtude da pressão exercida por um movimento que usou da intimidação e do vandalismo, a administração federal sinalizou politicamente que pode não ter força suficiente para bancar aquelas ações. O quadro de ineficiência e ausência do Poder Público no Pará foi confirmado mais uma vez pelo recente assassinato de freira missionária Dorothy Stang, em Anapu (PA), no último sábado, dia 12 de fevereiro (confira).

Versões conflitantes do acordo

No dia 3 de fevereiro, em uma reunião em Brasília, foi firmado um acordo entre MMA, Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), parlamentares, enviados do governo do Pará, representantes de madeireiros e de produtores rurais. O acerto pôs fim ao bloqueio iniciado, em 25 de janeiro, da BR-163 (Cuiabá-Santarém), na altura do município de Novo Progresso, a 1.194 km de Belém.
As negociações resultaram na promessa do governo federal de reavaliar a liberação de planos de manejo florestal suspensos, de autorizar novos planos em áreas de assentamentos e de enviar ao Congresso o projeto que irá regulamentar a gestão de florestas públicas (para saber mais, clique aqui). O Incra também concordou em levar algumas equipes para recolher a documentação e analisar a situação fundiária das posses com mais de cem hectares na região. O órgão divulgou uma nota de esclarecimento afirmando que não haverá reintegrações de posse imediatas e em massa na Amazônia Legal por conta de medidas de ordenamento fundiário adotadas recentemente.
O acordo foi comemorado como um revés para a área ambiental da administração federal por alguns participantes da reunião, que saíram cantando vitória para a imprensa ao fim do encontro, enquanto que o MMA nem mesmo preocupou-se em dar explicações aos jornalistas. No dia seguinte, os principais órgãos da imprensa do País e do Pará reproduziram a versão, repetindo em suas manchetes que o governo tinha recuado em sua decisão de suspender 26 planos de manejo na região de Santarém.
Alguns jornais chegaram a publicar a informação incorreta de que o governo também havia concordado em prorrogar os prazos previstos em uma portaria publicada, no ano passado, obrigando o recadastramento de posses provisórias em 352 municípios da Amazônia Legal. A Portaria Conjunta nº 10 do MDA e do Incra, de 2 de dezembro de 2004, passou a exigir a apresentação de documentação e o georreferenciamento (a identificação exata das coordenadas geográficas de cada posse sobre imagens de satélite) de cada imóvel. A intenção era avançar no ordenamento fundiário da região e, em especial, coibir a grilagem de terras públicas (saiba mais).
Como, no dia 27 de janeiro, o gerente-executivo do Ibama no Pará, Marcílio Monteiro, havia afirmado ao jornal O Liberal, de Belém, que o órgão não admitiria “chantagem” e que a população paraense não ficaria “refém” dos madeireiros, o mote de que o governo teria retrocedido diante dos atos de intimidação promovidos pelo movimento de Novo Progresso foi largamente usado pela imprensa e provocou o protesto de várias entidades ambientalistas.
O secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, que coordenou as negociações em Brasília, saiu em defesa do governo, garantindo que não havia recuo. “O governo não cedeu à pressão dos madeireiros. O que foi aprovado foram apenas os planos que já estavam tramitando de forma legal, que já tinham obtido autorização de exploração em 2004, e tiveram para 2005 a condição de prorrogação, especificamente para este ano. Então, não houve nenhum passo atrás, ao contrário, houve reafirmação do processo”, afirmou.
No dia seguinte à reunião, 4 de fevereiro, uma nota do MMA dizia que “não foi revogada ou prorrogada a Portaria nº 10. Ao contrário, foram mantidos os seus efeitos, o que implicou na inibição de mais de 10.200 Certificados de Cadastro de Imóvel de posses por simples ocupação em terras da União acima de 400 hectares, nos municípios da Amazônia Legal”.
O desmentido veio tarde. “A gente sabe que perdeu a batalha da informação”, assume Tasso Rezende de Azevedo, diretor de Florestas do MMA. Ele informa que a versão da derrota do governo foi vendida pelo segmento mais radical presente à reunião do dia 3.

Antecedentes

O imbróglio criado em Novo Progresso foi provocado, em parte, também por ações precipitadas e a desarticulação política de setores do governo. Para compreender o caso, é preciso entender as negociações que já vinham sendo travadas com o setor madeireiro do Pará e a orientação adotada pela gestão Lula para enfrentar o problema da regularização fundiária e dos planos de manejo florestal na Amazônia.
No dia 31 de dezembro de 2004, o gerente-executivo do Ibama em Santarém (PA), Paulo Fernando Maier Souza, suspendeu os 26 planos de manejo então em operação na região, incluindo o município de Novo Progresso. Maier estava atendendo a uma recomendação sugerida pelo memorando nº 619, do dia 10 de dezembro de 2004, do diretor de Florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel. Este documento, por sua vez, pretendia contemplar as exigências definidas pela Portaria nº 10 e, com este intuito, recomendava que os planos de manejo de toda a Amazônia fossem suspensos “até uma posição formal do Incra com relação à situação do CCIR [Certificado de Cadastro de Imóvel Rural] de cada imóvel rural”.
O CCIR atesta a posse pacífica e legítima da terra e é necessário para a realização de registros imobiliários, obtenção de crédito rural, transações bancárias e comerciais em geral. A Portaria nº 10 suspendeu a emissão do certificado e passou a exigir o recadastramento junto ao Incra – com a apresentação de documentação e o georreferenciamento da área – também dos posseiros já cadastrados. Os prazos obrigatórios para realizar o procedimento foram definidos em 60 dias (até 31 de janeiro) para as posses com mais de 400 hectares e em 120 dias para imóveis com mais de 100 e até 400 hectares.
A partir de agosto de 2003, atendendo um primeiro memorando de Hummel, o Ibama parou oficialmente de aprovar planos de manejo em terras públicas sem título definitivo. Durante anos, ao contrário do que diz a Constituição, os governos anteriores vinham concedendo as autorizações, exigindo apenas a apresentação de documentos precários de posse.
Desde 2003, portanto, por orientação do governo, o tema dos planos de manejo em terras públicas foi incluído nas discussões do Projeto de Lei da gestão das florestas públicas. Os planos já aprovados passaram, então, a ser reanalisados cuidadosamente. Sem a documentação mínima, vários deles foram cancelados. Foi feito um acordo, com consentimento do Ministério Público, garantindo que os planos restantes aprovados antes de agosto de 2003 seriam mantidos.

Aí teve início a confusão.

Os governos anteriores já vinham restringindo a aprovação de novos planos. Segundo Tasso de Azevedo, em 2000, em toda a Amazônia, havia 3 mil planos autorizados. Em 2004, foram reduzidos a pouco mais de 1,1 mil. A diminuição do número de liberações implicou tremenda pressão sobre o governo da parte das madeireiras que operam na legalidade.
Em meados de 2004, representantes de sindicatos e associações do setor estiveram em Brasília para reivindicar aprovação de novos projetos. Apesar da decisão de não mais conceder autorizações para manejo em terras públicas, o governo concordou em avaliar 49 áreas. Algum tempo depois, o Incra fez o georreferenciamento de 33 delas. O órgão também teria exigido a assinatura de um termo de compromisso que impossibilitasse a futura titulação da terra, atestando posse precária e excepcional.
“Nessa reunião realizada com os representantes de sindicatos e associações de madeireiros estavam presentes a ministra Marina Silva e toda a equipe do Ibama e do Incra. Depois, em várias ocasiões, disseram que o processo estava indo bem, que seria liberado”, conta Luiz Carlos Tremonte, diretor do Sindicato da Indústria Madeireira do Sudoeste do Pará (Simaspa). Ele afirma que, após essa primeira reunião, chegou a participar de mais outras 30, em Brasília. “Gastaram mais de R$ 500 mil reais de recursos públicos no mapeamento das áreas”, assegura.
Antônio Carlos Hummel, do Ibama, contesta. “Ninguém garantiu que os planos seriam aprovados. Discutimos apenas a possibilidade. Tudo teria que ser aprovado pela Procuradoria Jurídica do Incra”. Ele admite, no entanto, que foram criadas expectativas “que dificilmente poderiam ser atendidas”.
“No dia em que toda a documentação desse pessoal estava quase finalizada, saiu a Portaria nº 10”, conta Tasso de Azevedo. Segundo ele, então, já havia uma pressão intensa dos madeireiros porque não havia volume suficiente de madeira para ser extraída legalmente.
De acordo com Luiz Carlos Tremonte, em 28 de dezembro, o delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no Pará, Carlos Guedes de Guedes, anunciou que os planos das 33 áreas não haviam sido liberados e teriam de esperar até 31 de janeiro de 2005.
Foi em meio a esse clima confuso de informações e orientações desencontradas que Paulo Fernando Maier de Souza, do Ibama, tomou a decisão apressada de suspender os 26 planos de manejo na região de Santarém antes dos prazos previstos pela Portaria nº 10. Daí teve início a mobilização dos madeireiros e produtores rurais.
A recomendação de Antônio Carlos Hummel é tecnicamente correta e pretendia justamente legalizar a situação dos planos de manejo. Apesar disso, Tasso de Azevedo considera que seria uma “insanidade” suspender unilateralmente todos os planos na Amazônia em virtude da redução drástica no volume de madeira disponível. “Se a gente fosse muito irresponsável, se quiséssemos causar o caos e colocar todo mundo para desmatar a Amazônia, era isso que a gente tinha que fazer”.
Azevedo também considera a decisão de Maier “precipitada”. “A rigor, ele não precisava ter suspendido. Só precisava suspender quando entregassem a documentação no Incra, até 31 de janeiro, e se os CCIRs fossem inibidos”. Segundo Tremonte, em toda a Amazônia, nenhum outro plano de manejo foi suspenso antes da análise prévia da situação fundiária de cada área.
Por estranho que possa parecer, assim como fez em meados de 2004, em desacordo com a decisão de não mais aprovar planos em áreas públicas, o governo não parou de criar novas expectativas que "dificilmente poderão ser atendidas". Durante a reunião do dia 3 de fevereiro, que culminou no acordo, a Federação das Indústrias do Pará (Fiepa) reivindicou a autorização de novos planos. A ata do encontro registra: “ficou acertado que a Fiepa enviará uma consulta formal ao MMA, indicando áreas e quantidades, para estudo a qual deverá ser respondida em 15 dias. Ficou claro para todos os presentes que esta questão não configura compromisso, apenas a análise da possibilidade de se atender à demanda”.

Intimidação e destruição

Os protestos em Novo Progresso, bastante divulgados pela imprensa nacional, o clima supostamente tenso na região e a possibilidade de incidentes mais graves foram usados como argumentos de peso na hora de negociar com o governo. Durante os 11 dias de manifestações na BR-163, duas pontes foram parcialmente destruídas e um ônibus foi incendiado. A cidade racionou energia e comida durante alguns dias.
Políticos e representantes de entidades apoiadoras da mobilização alardearam à imprensa que a situação poderia ficar fora de controle. “A tensão aumentou e está havendo motins e quebra-quebra. Não há interesse da parte do governo e o desespero é total”, disse ao jornal O Liberal, Agamenon Menezes, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso. O prefeito da cidade, Tony Gonçalves (PPS), chegou a decretar estado de calamidade pública.
De sua parte, o governo federal acusa o movimento de ter sido radicalizado e manipulado por pecuaristas e grileiros de terra, que estariam interessados na revogação da Portaria nº 10 – o que não foi aceito – e não na liberação dos planos de manejo ou no aumento do volume de madeira legalizada disponível.
Integrantes do movimento haviam espalhado a falsa informação de que, após os prazos previstos na Portaria nº 10, haveria reintegrações de posse imediatas e em massa. O boato parece ter ganhado força com algumas declarações desastradas de funcionários do governo. “A partir de agora, se o pretenso proprietário não provar que a terra não foi realmente grilada, o Incra cancelará o certificado e ele ficará sem financiamentos. Em seguida, poderemos pedir a reintegração”, informou ao O Liberal, no dia 17 de janeiro, o delegado do MDA no Pará, Carlos Guedes de Guedes. A declaração só serviu para jogar gasolina na fogueira de Novo Progresso.
Depois do fim dos protestos, a administração federal voltou a dizer que não vai mais liberar nenhum plano de manejo em terras públicas. Dos 26 planos que foram suspensos pelo Ibama de Santarém, nove foram definitivamente cancelados por estar localizados dentro do território da Reserva Extrativista Verde Para Sempre, criada no final do ano passado, no município de Porto de Moz. Os 17 restantes passarão pelo mesmo procedimento dos outros cerca de 130 planos existentes só no estado do Pará, aprovados antes de agosto de 2003 e considerados aptos até novembro de 2004. Os responsáveis pelos projetos deverão assinar um termo de compromisso que os obriga a desistir da posse, considerando-a temporária e excepcional, e que autoriza a operação do plano em 2005.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)

 
 
 
 

 

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