 |
IGREJA CULPA
A AUSÊNCIA DO ESTADO E O PODER DO
AGRONEGÓCIO PELO ASSASSINATO DA IRMÃ
DOROTHY
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
|
 |
17/02/2005 De janeiro
a setembro de 2004, em todo o País, teriam
ocorrido 53 assassinatos de trabalhadores rurais.
Dados parciais para o ano de 2004 apontam 12 mortes
só no Pará. Também no ano passado,
foram registradas 161 ocorrências de ameaças
de mortes, sendo que, somente no estado, elas foram
40, incluindo aquelas feitas contra a freira missionária.
Governo decide enviar tropa do Exército à
região.
Em uma entrevista coletiva realizada ontem, dia
16 de fevereiro, em Brasília, a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e a Prelazia do Xingu –
órgãos ligados à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – relacionaram
o assassinato da freira missionária Dorothy
Stang à ausência do Poder Público
no Pará e ao avanço do agronegócio
sobre a floresta amazônica e sobre as terras
dos trabalhadores rurais. Dorothy foi morta, no
sábado, dia 12, em Anapu (PA), em virtude
de denúncias feitas contra fazendeiros e
grileiros de terra.
“O que está acontecendo em Anapu e em outros
lugares do Pará, como a Terra do Meio, é
que o crime tornou-se um Estado paralelo”, denunciou
Dom Tomás Balduíno, presidente da
CPT. Ele acusou o governo e a polícia estaduais
de serem coniventes com os bandidos. “O crime organizado
englobou o Pará e começa a invadir
as instituições. Os criminosos são
os financiadores das campanhas eleitorais”.
Dom Tomás também não poupou
a administração federal. Ele afirmou
que falta vontade política para resolver
o problema fundiário e qualificou as políticas
sociais do governo Lula como um “fracasso”. “Não
existem recursos, o Incra [Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária]
não tem estrutura, temos notícias
de que Polícia Federal estaria fazendo as
investigações usando serviços
de moto-táxi e carros de amigos dos investigadores”,
afirmou.
“Existem provas científicas de que, onde
existe o agronegócio e o latifúndio,
a violência é maior”, argumentou D.Tomás.
Ele fez questão de deixar claro que, apesar
de não se opor à presença do
Exército, a ação do Estado
na região deveria priorizar a mudança
do modelo produtivo e políticas sociais efetivas,
em especial, para a reforma agrária. “Se
querem insistir na lógica da exportação
do agronegócio, então vamos continuar
exportando mogno, por exemplo. Mas quantas Dorothys
isso vai nos custar?”, questionou.
A CPT e a Prelazia insistiram no fato de que a morte
da irmã Dorothy é resultado da luta
dos trabalhadores pela terra. Em nota divulgada
durante a entrevista, a comissão aponta que
o assassinato acabou se tornando uma denúncia
contra a absurda concentração de terras
no Brasil. “Fazendeiros, madeireiros, plantadores
de soja, acobertados pelo discurso da produtividade,
avançam sobre as terras públicas,
sobre territórios ocupados por populações
tradicionais – indígenas, ribeirinhos, posseiros
e muitos outros”, critica o documento.
O texto exige ainda que o governo “rompa o acordo
feito com madeireiros, suspendendo todos os planos
irregulares de manejo florestal”. No último
dia 3 de fevereiro, a administração
federal concordou em liberar planos suspensos e
em prorrogar a operação de outros
projetos em 2005 (confira). Para D. Tomás
Balduíno, o acordo também significou
complacência com os grileiros de terras, o
que estimularia o clima de impunidade na região.
Durante a entrevista, a CPT também divulgou
os números de assassinatos e ameaças
de morte realizados contra trabalhadores rurais,
sindicalistas, lideranças e agentes da própria
igreja. Segundo a CPT, de janeiro a setembro de
2004, em todo o País, teriam ocorrido 53
assassinatos. No governo Lula, teriam acontecido
125 assassinatos no campo em todo o território
nacional. Só no Pará, em 2003, as
mortes teriam saltado para 33, enquanto que dados
parciais para o ano de 2004 apontam 12 mortes. Entre
1985 e 2003, 1349 pessoas teriam sido mortas no
campo em todo o Brasil.
Ainda segundo as informações divulgadas,
foram registradas pela comissão, apenas em
2004, 161 ocorrências de ameaças de
morte, sendo que, só no Pará, foram
40, incluindo aquelas feitas contra a irmã
Dorothy.
Aumenta o
número de mortos
Segundo dados publicados
pela imprensa, desde sábado, dia 12, já
teriam ocorrido sete mortes no interior do Pará.
Para integrantes de organizações civis
que atuam nas cidades da região, é
comum haver dois ou três assassinatos por
final de semana. Há informações
de que ameaças de morte a trabalhadores e
sindicalistas continuam sendo feitas.
A polícia trabalha com a hipótese
de que cinco dos crimes estariam diretamente relacionados
a conflitos de terra. Além da irmã
Dorothy, também em Anapu, no domingo, dia
13, foi encontrado o corpo do agricultor Adalberto
Xavier Leal, que teria trabalhado para o fazendeiro
Vitalmiro Bastos de Moura, suspeito de ser o mandante
do assassinato da missionária. Na terça-feira,
Daniel Soares da Costa Filho foi assassinado em
Parauapebas. Ele era integrante do sindicato de
trabalhadores rurais da cidade. No mesmo dia, mais
dois corpos foram encontrados. Cláudio Matogrosso,
assentado que havia participado de protestos contra
a invasão de grileiros e o desmatamento ilegal,
foi achado a 30 km do local onde a Irmã Dorothy
foi morta. O cadáver de Olisvaldo Morais
de Lima foi encontrado em uma estrada de terra do
assentamento Mandacari, no município de Pacajá,
a 28 km da sede de Anapu.
A motivação dos outros 2 assassinatos
ainda não foi confirmada. Na segunda-feira,
um corpo ainda não reclamado e identificado
foi achado em uma fazenda, em Ipixuna, no oeste
do estado. Na terça-feira, André Barbosa,
um comerciante de Marabá, também foi
morto.
Além de Vitalmiro Bastos de Moura, a polícia
já pediu a prisão preventiva de outros
três suspeitos do assassinato da irmã
Dorothy: José Maria Pereira e Uquelano Pinto,
que seriam pistoleiros, e o suposto intermediário,
Amauri Cunha. Os quatro estão foragidos.
Rigor e medidas
de proteção ambiental
O aumento no número
de casos de mortes confirmados obrigou o governo
a enviar ao Pará um contingente de 2 mil
soldados do Exército para reforçar
a segurança. Além disso, está
sendo cogitada a adoção de um pacote
de medidas para pôr fim à violência
no campo. O governo estadual também prometeu
aumentar o número de policiais militares
e civis na região.
Ontem, o ministro-chefe da Casa Civil, José
Dirceu, reafirmou a pretensão do governo
federal de manter "uma postura firme de repressão
ao crime e à ilegalidade na região
do Pará e da Amazônia". De acordo
com o ministro, não haverá impunidade
no que se refere às mortes de líderes
populares e pessoas ligadas a trabalhadores rurais.
Dirceu disse também que o governo não
pretende recuar das ações de regularização
fundiária e proteção ambiental
no estado.
Na terça-feira, dia 15, depois de uma reunião
com vários ministros e com o governador paraense
Simão Jatene (PSDB), o governo federal havia
afirmado que o crime contra a irmã Dorothy
teria sido uma “reação” às
medidas que já estariam sendo tomadas na
região. Nenhum pacote de medidas estaria
sendo elaborado uma vez que as ações
necessárias ao controle dos conflitos de
terra e ao combate da criminalidade no campo também
já estariam sendo implementadas. "O
governo não vai anunciar pacote, não
vai organizar força-tarefa porque a questão
é permanente, não é conjuntural.
O que nós precisamos é ir consolidando
a política de zoneamento do estado",
afirmou Dirceu.
Na reunião que antecedeu a entrevista, a
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por sua
vez, sugeriu que fossem reforçados os programas
de Combate ao Desmatamento da Amazônia e para
o Desenvolvimento Sustentável da Área
de Influência da BR-163, a instalação
de bases do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na
região, a regularização fundiária
e a parceria da Polícia Federal e do Exército
para o combate à ilegalidade em toda a Amazônia.
O assunto deve ser debatido nesta quinta-feira,
durante encontro com o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Segundo Marina, nos próximos dias será
implementada uma série de áreas protegidas,
somando mais de quatro milhões de hectares,
na região conhecida como Terra do Meio, entre
os rios Xingu e Tapajós, no Pará.
Além disso, o governo paraense se comprometeu
a aprovar na Assembléia Legislativa do estado
e a enviar ao Congresso Nacional o plano estadual
para zoneamento ecológico-econômico.
Conforme Simão Jatene, o zoneamento dividirá
os 1,25 milhão de quilômetros quadrados
do Pará em quatro grandes regiões:
uma de proteção integral, uma de uso
restrito, outra de uso intensivo e, por fim, uma
de recuperação. Segundo o governador,
o projeto poderá ser aprovado já na
próxima semana. "O ordenamento territorial
é fundamental para que se minimize a grilagem",
disse.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa