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QUILOMBOLAS CONSOLIDAM
PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
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22/02/2005
A comunidade de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira
(SP), se reuniu na semana passada para definir as
ações ligadas ao cultivo e comercialização
da banana orgânica, ao turismo e artesanato
local e ao repovoamento da terra com mudas e sementes
de palmito juçara.
Crianças, jovens, mulheres e homens feitos,
idosos. Toda a comunidade do quilombo de Ivaporunduva,
localizado às margens do rio Ribeira de Iguape,
no extremo sul do estado de São Paulo, se
reuniu na semana passada na capela de Nossa Senhora
do Rosário dos Homens Pretos, principal templo
religioso do vilarejo. E, desta vez, não
foi para rezar. Os representantes das 70 famílias
de Ivaporunduva, o mais antigo quilombo do Vale
do Ribeira, sentaram durante três dias para
discutir os projetos de desenvolvimento sustentável
que estão executando em suas terras. Dividiram
tarefas e planejaram ações.
A idéia do encontro foi organizar a comunidade
em grupos de trabalho para implementar as atividades
previstas para 2005. As prioridades dos quilombolas
– como são chamados os descendentes de escravos
fugidos - são o plantio e comercialização
de banana orgânica, o funcionamento de uma
fábrica de processamento de banana-passa,
a abertura de uma pousada para fomentar o turismo
na vila, a produção de peças
de artesanato em palha de bananeira e o repovoamento
de mudas e sementes de palmito juçara, espécie
nativa que corre risco de extinção.
O quilombo de Ivaporunduva quer agregar valor a
seus produtos. Por isso aposta na produção
da banana orgânica – 33 produtores estão
certificados pelo Instituto Biodinâmico (IBD)
de Botucatu -, no turismo ambiental e étnico.
“Vamos continuar trabalhando com produto orgânico,
principalmente pela questão da saúde
dos bananeiros que, assim, não têm
contato com agrotóxicos”, afirma José
Rodrigues da Silva, coordenador da Associação
Quilombo de Ivaporunduva, a entidade social que
reúne e representa a comunidade.
Ações
prioritárias
O grupo que discutiu
o plano de ação para a banana orgânica
definiu como prioridades a renovação
do selo do IBD, a melhoria da infra-estrutura, com
a aquisição de um trator e de um teleférico
para transportar as caixas da fruta de uma margem
do Ribeira à outra. "Também necessitamos
que a infra-estrutura pública, como balsas
e pontes e a estrada que nos leva às cidades
do vale, receba investimento urgente", afirma
Silva. A fábrica de processamento da banana
também é vista como saída para
evitar a perda do produto in natura não escoado.
A comunidade acredita que a contratação
de um técnico e a compra das máquinas
de secagem viabilizem o empreendimento.
O tema do turismo também mereceu destaque
no planejamento de trabalho para este ano. A comunidade
quer equipar a pousada construída pelo governo
do estado para atrair escolas e universidades à
vila. O projeto incluiu a capacitação
de membros do quilombo para receber os turistas
e a criação de roteiros ecológicos
e étnicos, como o mapeamento das trilhas
abertas pelos antigos escravos que ligam os diversos
quilombos da região.
Outra idéia em relação à
atividade turística é a realização
de um levantamento das tradições culturais
quilombolas junto às demais comunidades existentes
no Vale do Ribeira, como Praia Grande, Porto Velho,
Pilões, Maria Rosa, Bombas, Cangume, Nhunguara,
São Pedro, Galvão, André Lopes,
Sapatú, Pedro Cubas e Abobral. O resgate
da culinária típica, das danças
e cantos antigos e do calendário de festas
religiosas viria acompanhado pela abertura de uma
casa-museu com peças de artesanato e utensílio
comuns à vida na roça. "Quando
eu era menina, o artesanato era feito espontaneamente,
pela cultura do povo daqui. A gente fazia vassoura,
peneira, e outros utensílios para limpar
os grãos da lavoura", explica Aracy
Atibaia Pedroso, 61 anos, uma das integrantes do
grupo de artesãos da vila.
Aracy afirma que a comunidade de Ivaporunduva quer
envolver os demais quilombos da região nos
projetos. "Eu procuro incentivar os outros
porque às vezes a renda está na tua
frente e você não sabe ganhar ela.
Eu sempre digo: dá para conciliar o trabalho
na roça de dia com o de artesanato à
noite". O grupo responsável pela produção
das peças também prioriza o melhor
aproveitamento dos teares, a compra de uma secadora
para garantir a qualidade do material feito à
partir da palha de bananeira e cursos de capacitação
para aumentar o número de artesãos.
Outro desafio é controlar a incidência
de fungos e pragas nas palhas. Para isso, a comunidade
firmou parceria com o Departamento de Agroindústria,
Alimentos e Nutrição da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba,
cujos pesquisadores trabalharão com apoio
financeiro da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O fim da extração
predatória
Nos últimos
anos, a retomada profissionalizada do artesanato
aumentou a renda da comunidade, especialmente a
das mulheres. "Antes, se o marido não
trazia dinheiro para casa, a família passava
necessidade", diz Aracy. Ela afirma que o trabalho
com a palha da bananeira lhe possibilita um acréscimo
de renda de cerca de 60%. "A vida aqui está
melhor e os jovens têm mais chance de estudar
e crescer na vida".
Um dos principais resultados das ações
em curso na comunidade, por sinal, tem relação
direta com a sustentabilidade socioambiental da
região. Com mais alternativas de trabalho,
muitos quilombolas abandonaram a extração
do palmito juçara, antes a única fonte
de renda para muitas famílias. O foco agora
é reflorestar as áreas degradadas.
No encontro da semana passada, Ivaporunduva decidiu
que o projeto deve priorizar a conscientização
de todas as comunidades da região para que
as áreas replantadas não sejam alvo
de palmiteiros. A fiscalização será
aumentada por meio de placas e a circulação
de vigias pelos palmitais. Outra ação
prevista é a de plantar mudas da árvore
nas cercanias da vila para facilitar a coleta das
sementes. Os quilombolas também planejam
coletar sementes florestais de outras espécies
nativas para a criação de um banco
de sementes.
De olho no futuro
A capela construída
no século XVII, tombada como patrimônio
histórico pelo Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico
e Turístico do Estado de São Paulo
(CONDEPHAAT), foi palco de acaloradas discussões
até o surgimento de consensos sobre cada
um dos temas em debate. "Um seminário
como esse garante a participação de
todos da comunidade na criação de
propostas para a incrementação dos
projetos", avalia Paulo Silvio Pupo, 25 anos,
uma das mais novas lideranças quilombolas.
"É um momento dinâmico e a discussão
vai bem trabalhada para a assembléia local
de onde sairão as decisões mais importantes".
Paulo explica que Ivaporunduva e as outras comunidades
quilombolas do Vale do Ribeira, uma das regiões
mais pobres do estado de São Paulo, vivem
hoje um momento importante de mobilização
e de busca por saídas para o desenvolvimento
sustentável e autonomia econômica.
“O processo começou quando nos mobilizamos
para lutar contra a construção da
barragem de Tijuco Alto, nos anos noventa. Isso
levou a um movimento de reivindicação
pela titulação da terra, o que ocorreu
em 2000. Agora estamos preocupados em garantir o
futuro das gerações que vem aí”,
afirma o quilombola.
A luta pela titulação
A demarcação
e titulação de suas terras, contudo,
segue sendo a principal luta para a enorme maioria
das comunidades quilombolas do Brasil. Dos mais
de dois mil quilombos existentes no País,
segundo levantamento da Coordenação
Nacional das Comunidades de Quilombos (Conaq), apenas
29 têm sua situação fundiária
regularizada, com título concedidos. Das
28 comunidades do Vale do Ribeira identificadas
pelo Instituto de Terras do Estado de São
Paulo (Itesp), apenas cinco têm seus territórios
titulados.
A luta e a própria existência das comunidades
são pouco conhecidas no País. Além
da violência dos fazendeiros e da discriminação
racial, os quilombolas enfrentam a falta de escolas,
de tratamento médico e de transporte. Diante
deste quadro, em agosto do ano passado, a Conaq
lançou a campanha "Justiça Social
é regularização dos territórios
de quilombos".
Os projetos em Ivaporunduva, cuja implementação
está prevista para os próximos dois
anos, fazem parte da parceria da associação
local com o Instituto Socioambiental. Os recursos
para sua execução estão sendo
negociados com o Ministério do Meio Ambiente,
por meio do PD/A Consolidação, e com
a Secretaria Especial de Promoção
da Igualdade Racial (Seppir), que conta com financiamento
da Petrobras.
A parceria entre o ISA e Ivaporunduva começou
em 2001, quando a comunidade recebeu os primeiros
recursos para o desenvolvimento de suas atividades
econômicas. Nessa primeira etapa, os quilombolas
conquistaram independência em relação
à atravessadores na comercialização
da banana - seu principal produto - permitindo um
aumento no ganho dos produtores.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Bruno Weis