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REGIME INTERNACIONAL DE
ACESSO E REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS
PERMANECE NA ESTACA ZERO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
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22/02/2005 Reunião
para discutir instrumento internacional que vai
regular o acesso a recursos genéticos da
Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB), ocorrida em Bangkok, Tailândia, é
marcada pela polarização entre países
ricos e pobres. Atuação do Brasil
deixa a desejar.
As discussões acerca do Regime Internacional
sobre Acesso e Repartição de Benefícios
da biodiversidade ficam praticamente como estavam.
Não houve avanços durante os debates
ocorridos em Bangkok, na Tailândia, entre
14 e 18 de fevereiro, na terceira reunião
do Grupo de Trabalho sobre Acesso e Repartição
de Benefícios (ABS-WG3, na sigla em inglês)
da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB).
Apesar do imobilismo nos debates, o que se viu,
mais uma vez, foi a queda de braço travada
entre os países desenvolvidos, detentores
da biotecnologia, e os países pobres, ricos
em biodiversidade. A reunião acabou servindo
apenas para medir a correlação de
forças políticas entre os dois blocos
e o grau de divergência entre suas propostas.
Foi uma prévia da árdua negociação
que acontecerá durante a próxima Conferência
das Partes (COP), em fevereiro de 2006, no Brasil.
De um lado, países como o Canadá,
Austrália, Japão e grande parte dos
representantes da União Européia usaram
a estratégia de frear as negociações.
De outro, nações como Índia,
Malásia, Uganda e o Grupo de Países
Megadiversos (de maior biodiversidade), entre eles
o Brasil, tentaram avançar rumo a um regime
vinculante – isto é, que obrigue a aplicação
de suas diretrizes – capaz de deter o fenômeno
mundial da biopirataria.
Fraca atuação
do Brasil
A delegação
brasileira era formada por 15 pessoas que representavam
a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) e dos ministérios das Relações
Exteriores (MRE), Meio Ambiente (MMA), Agricultura
(MAPA), Ciência e Tecnologia (MCT), Indústria
e Comercio (MDIC) e Defesa (MD). Até mesmo
um funcionário da empresa transnacional de
biotecnologia Syngenta, representando o Conselho
Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável
(CEBDS), participou intensamente das atividades
do grupo.
Apesar do peso da comitiva – maior do que aquela
que compareceu à última COP, na Malásia
– fizesse supor que o Brasil teria uma atuação
de destaque, liderando os países megadiversos,
não foi o que aconteceu. Embora não
conhecido publicamente, o conflito interministerial
travado no Brasil por conta do Anteprojeto de Lei
(APL) que vai regular o acesso aos recursos genéticos
(saiba mais) emergiu nas discussões internas
da delegação. Cada manifestação
ou proposta precisou passar por intrincados debates
até que se chegasse a um consenso. A disputa
entre os ministérios foi provavelmente a
responsável por uma delegação
tão numerosa.
Apesar de ser reconhecido como um dos países
com propostas mais avançadas no tema, as
divergências impediram o Brasil de ousar mais
em suas intervenções, limitando-se
a reiterar o que já vinha defendendo: que
o regime internacional deve garantir a obediência
às leis nacionais fora dos países
de origem dos recursos, principalmente mediante
o certificado de origem, fonte e procedência
legal desses recursos. Apesar da atuação
discreta, a única proposta que pareceu avançar,
em toda reunião, ao receber outros apoios,
foi justamente a da representação
brasileira de estender a exigência do certificado
para além dos pedidos de patentes, vinculando-a
também ao registro de produtos não
patenteados ou patenteáveis.
Em relação à proteção
de conhecimentos tradicionais, as proposições
brasileiras também não mereceram destaque.
A comitiva brasileira manifestou apenas um tímido
apoio ao pedido de maior participação
feita pelo Fórum Indígena sobre Biodiversidade
– a reivindicação não fortalece
as discussões de mérito, mas apenas
a posição dos diplomatas indígenas
que acompanham as reuniões internacionais.
Apesar disso, o Brasil tentou dissuadi-los de incluir
a referência a instrumentos internacionais
de direitos humanos no texto do regime e o reconhecimento
do direito à autodeterminação
e aos seus territórios. A alegação
é a de que a CDB não seria o foro
apropriado para isso.
No primeiro dia da reunião, o diretor-executivo
do Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente (PNUMA), Klaus Topfer, chegou a
afirmar que os instrumentos de propriedade intelectual
impedem o exercício da soberania dos países
sobre seu patrimônio genético e os
direitos de povos indígenas e tribais sobre
seus conhecimentos tradicionais.
Ele declarou que a conservação da
biodiversidade e a repartição de benefícios
derivados de seu uso, principais objetivos da CDB,
não são possíveis sob um regime
de monopólios privados. "Governos e
comunidades não terão meios de regular
o acesso ou demandar a repartição
de benefícios porque eles estarão
sujeitos a propriedade privada, contrariamente aos
objetivos da convenção", denunciou.
Eventos paralelos
As distorções
do sistema de propriedade intelectual como causa
da biopirataria foram também tema corrente
nos eventos paralelos que aconteceram durante a
reunião. Um desses eventos apresentou os
resultados de um estudo do Centro para os Aspectos
Sociais e Econômicos da Genômica (Cesagen,
na sigla em inglês), da Inglaterra, realizado
a partir de informações levantadas
nos três principais escritórios de
patentes do mundo (União Européia,
Japão e Estados Unidos). O trabalho questiona
a viabilidade do atual sistema de patentes no campo
da biotecnologia, especialmente em função
dos rápidos avanços nas pesquisas
sobre genes e proteínas.
A opinião geral nesses eventos alternativos
foi de que o crescente enfoque na informação
genética propriamente dita e a dispensa dos
suportes biológicos (folhas, raízes,
sementes, extratos etc), prescindindo das atividades
de coleta e acesso, juntamente com uma avalanche
de pedidos de patentes (muitas vezes, depositados
de forma temerária e analisados negligentemente)
fazem com que seja necessário repensar o
sistema de propriedade intelectual.
Para os participantes dos encontros paralelos, seria
necessário pensar alternativas conceituais,
como por exemplo, de considerar o patrimônio
genético como um bem da humanidade. O foro
mais adequado para isso seria justamente a CDB,
onde existe uma visão multidisciplinar voltada
à conservação.
Dia-a-dia do impasse
No primeiro dia,
a reunião foi praticamente preenchida com
longos relatos de supostos avanços e iniciativas
que países desenvolvidos vêm tomando
no sentido de cumprir os objetivos da CDB. Para
os observadores dos países pobres, no entanto,
nenhuma das experiências conseguiu demonstrar
ser capaz de coibir a apropriação
indevida dos recursos genéticos e dos conhecimentos
tradicionais. O discurso utilizado pelas nações
ricas parece ignorar que, enquanto isso, pedidos
de patentes abarrotam os escritórios de propriedade
intelectual.
Por sua vez, os países em desenvolvimento
pressionaram pela adoção do princípio
vinculante para tentar garantir a observância
de suas legislações nacionais em outros
países, já que, em geral, o recurso
genético sai de seus limites territoriais.
A idéia é garantir o chamado “consentimento
prévio e informado” dos países de
origem dos recursos genéticos (e de povos
indígenas e tribais, no caso de conhecimentos
tradicionais) e a repartição de benefícios
na outra ponta da cadeia.
No segundo dia, as divergências envolveram
as diferentes estratégias usadas nas negociações.
Enquanto países desenvolvidos propunham uma
extensa e interminável análise das
falhas da CDB como condição para iniciar
a negociação do regime internacional,
os países pobres continuaram afirmando já
conhecer os problemas, que, para eles, só
poderiam ser resolvidos com o avanço das
discussões sobre os principais elementos,
a natureza e o objetivo do futuro regime.
No terceiro dia, a presidência do grupo de
trabalho apresentou, como tentativa de organizar
o debate, um documento que repetia o termo de referência
da Decisão VII-19D, tomada em Kuala Lumpur,
durante a ultima COP7.
No quarto dia, um novo documento, um pouco mais
enxuto, foi apresentado. Ainda assim suscitou calorosas
discussões sobre cada um de seus detalhes.
As principais discordâncias foram a natureza
do regime (se vinculante ou voluntária) e
a inclusão dos derivados de recursos genéticos
no regime. Os países desenvolvidos são
contrários à inclusão desses
materiais, na medida que isto ampliaria a repartição
de benefícios.
Por fim, no último dia, elaborou-se um documento
de consenso, que apenas reorganizou os pontos já
estabelecidos, listando outros poucos que foram
incluídos como propostas para futura discussão.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Fernando Mathias)