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COMUNIDADE QUILOMBOLA CONTESTA ARTIGO DE CESAR MAIA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005

03/03/2005 A titulação e homologação da ilha de Marambaia, no litoral sul fluminense, como sede de Quilombo pelo governo federal, foi alvo de um ataque do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL). Por meio de artigo publicado no jornal O Globo, no último dia 25 de fevereiro, Maia questiona a ascendência dos moradores da ilha e defende que o território permaneça sob controle da Marinha. Nesta segunda-feira 28, a Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar) divulgou uma carta rebatendo os argumentos expostos pelo prefeito carioca.
A ilha de Marambaia é considerada Área de Preservação Ambiental (APA) e é habitada por mais de 120 famílias. Esta comunidade espera pelo cumprimento do Decreto nº 4.887, publicado em 21 de novembro de 2003 no Diário Oficial, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
No final de julho do ano passado, o Partido da Frente Liberal (PFL) apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação do Decreto e de seu efeitos legais. Em outubro, o Instituto Socioambiental e outras entidades da sociedade civil entraram com um pedido de participação no julgamento da ADIN, para defender o Decreto, na qualidade de “amicus curiae” (amigos da causa). Saiba mais.
A ilha de Marambaia foi utilizada até meados do século XIX como ponto de chegada de escravos africanos, que permaneciam lá sob regime de engorda antes de serem negociados. Existe ainda hoje uma senzala na ilha. Com a publicação do Decreto, o trabalho de demarcação ficou à cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Desde o começo de fevereiro, porém, os técnicos do Incra estão impedidos de acessar a ilha pela Marinha, responsável desde os anos 70 pelo controle e uso da ilha. Na carta divulgada esta semana, a Arqimar relata as pressões promovidas por membros da Marinha no sentido de expulsar as famílias da ilha, como a proibição de melhorias nas habitações da comunidade e o cerceamento do transporte ao continente.
Em seu artigo, intitulado “Crime ambiental e erro histórico”, Cesar Maia questiona a ascendência da comunidade ao dizer que “é um erro supor que teriam existido quilombos numa área como aquela, com as características comerciais citadas, e onde a impossível mobilidade e a arriscada proximidade certamente impediriam que as fugas produzissem quilombos”.
Um relatório técnico-científico realizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenado pelo antropólogo José Maurício Arruti, formado pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, contudo, levanta uma série de evidências genealógicas e históricas que demonstra a relação direta e indireta de parentesco entre os ilhéus da Marambaia com os antigos escravos.

Leia abaixo a carta da comunidade da ilha da Marambaia ao prefeito do Rio de Janeiro.


Carta-resposta dos quilombolas da Ilha da Marambaia ao artigo de César Maia, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, publicado no jornal O Globo no dia 25 de fevereiro de 2005

Prefeito César Maia, nós, os remanescentes de quilombo da Ilha da Marambaia, localizada no município de Mangaratiba, gostaríamos de expressar aqui nesta carta a nossa triste surpresa quando lemos na sexta-feira passada seu artigo a respeito desta Ilha e de nós, moradores.

Prefeito César Maia, não tivemos contato nenhum com o senhor durante sua visita à Ilha. Pelo contrário, fomos impedidos de conhecê-lo pelo comando da Marinha enquanto a barca, único transporte autorizado a atracar na Ilha, transportava o senhor. O Senhor provavelmente não percebeu que muitos de nós estávamos dentro da barca porque fomos obrigados pelos militares a permanecer no porão durante mais de duas horas, até que o senhor embarcasse em Itacuruçá e desembarcasse na Ilha. Senhor prefeito, este momento da sua visita à Ilha nos fez lembrar mais uma vez quem somos e de onde viemos: somos descendentes diretos dos escravos que vieram nos porões dos barcos do grande traficante e fazendeiro Breves aqui para a Ilha da Marambaia. Somos quilombolas, porque resistimos àquelas violências e continuaremos resistindo às atuais.

Prefeito César Maia, acreditamos que foi a falta de contato conosco e com nossa realidade que levou aos enganos do seu artigo. Para que estes enganos não se repitam e se multipliquem, principalmente para que eles não se tornem uma covarde mentira, que repetida muitas vezes se transforma em realidade aos olhos de quem não nos conhece, lhe oferecemos aqui algumas informações sobre a ilha e sobre nós.

Prefeito César Maia, a Ilha da Marambaia, como o senhor mesmo chama a atenção, é um importante patrimônio ambiental do Estado do Rio de Janeiro. Porém, não são nossas famílias, que moram há mais de 150 anos na Ilha, que degradam o meio ambiente. Se fosse assim, a Ilha não existiria mais. Não fomos nós que criamos os vários lixões a céu aberto que existem hoje na ilha, sem nenhum tipo de tratamento; não somos nós que realizamos treinamentos de artilharia com munição real, durante as noites, violando a paz de nossos lares, assustando nossas crianças e afastando pássaros e animais; não somos nós que explodimos bombas no fundo da baía da ilha, berçário de peixes e camarões; não somos nós que realizamos disparos de canhões do alto mar contra as pedras da ilha, afastando várias espécies marinhas e colocando em risco os barcos de nossos pescadores.

Mas, prefeito César Maia, não é apenas a natureza que sofre com a ocupação da Ilha da Marambaia pela Marinha. Nós, moradores da Ilha, também sofremos com todas as proibições que a administração militar nos impõe e que violam nossos direitos básicos. A energia elétrica nos é negada, impedindo que possamos desenvolver nossa produção. Nossa correspondência é constantemente violada. Nosso direito de ir e vir é limitado porque estamos submetidos ao transporte militar para a ilha, que não leva em conta nossas necessidades e tem seus horários alterados constantemente, sem aviso. Por isso, no caso de urgências, temos que levar nossos doentes em pequenas e demoradas canoas até o continente. Por isso, nossos filhos não podem assistir regularmente às aulas, já que os horários da barca não são compatíveis com o horário escolar. Nosso direito à moradia é violado porque não nos permitem reformar nossas antigas casas, algumas ainda de pau-a-pique, nem construir novas para nossos filhos que crescem e se casam. Já houve caso em que a construção de um banheiro levou à expulsão de uma família da ilha. Essas proibições são uma tática para nos fazer desistir de nosso direito à terra e nos expulsar aos poucos da Ilha, como já aconteceu com muitos de nossos parentes.

Prefeito César Maia, nós, os moradores da Ilha, tiramos nosso sustento da pesca artesanal, a que menos agride o meio ambiente. Agressores são os barcos industriais, que invadem as águas próximas da Baía de Mangaratiba sem nenhum controle, e que com suas redes de arrasto arrasam nossos peixes e com suas pás extraem criminosamente nossos mexilhões.

Nós, prefeito, comunidade quilombola da Ilha da Marambaia, não somos uma hipótese. Somos, sim, as testemunhas de nossa própria remanescência.

Mangaratiba, 28 de fevereiro de 2005.

ARQIMAR - Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia
Fundada em 2003

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)

 
 
 
 

 

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