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SAIBA MAIS SOBRE O PROJETO
DE LEI DE FLORESTAS PÚBLICAS
Panorama
Ambiental
Manaus (AM) – Brasil
Março de 2005
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02-03-2005 - O PL
de Gestão de Florestas Públicas, atualmente
em tramitação no Congresso Nacional,
apresenta avanços consideráveis nos
mecanismos de gestão do potencial florestal
do país, com conservação dos
recursos naturais e regularização
da situação fundiária das terras
públicas na Amazônia. Porém,
as medidas previstas na lei apenas serão
bem sucedidas se acompanhadas de adequada implementação,
com ênfase especial na estruturação
dos mecanismos de gestão, controle e fiscalização,
os quais hoje não têm estrutura adequada
para assumir um projeto desse porte.
As medidas têm o potencial de ajudar a regularizar
a situação fundiária na Amazônia,
servindo como desestímulo ao avanço
da fronteira agropecuária. Cabe ressaltar
que o PL configura uma tentativa da União
de se apropriar de suas próprias terras,
historicamente vítimas de saques perpetrados
por grileiros, madeireiros e fazendeiros. Ao contrário
do que a imprensa chegou a noticiar, não
se trata de privatização do território
amazônico, pois as terras permanecerão
públicas, sendo prevista apenas a cessão
com o compromisso de uso sustentável dos
recursos naturais.
O PL regulamenta a gestão de extensas áreas
florestadas do território nacional. Portanto,
durante a tramitação na Câmara
e no Senado existe o risco de substituição
das medidas bem intencionadas contidas no texto
por emendas que transformem os avanços contidos
em um malfadado desastre ambiental. Esta é
uma oportunidade histórica de trazer governança
para a floresta e combater as causas motivadoras
da violência como a grilagem de terras públicas
e a exploração ilegal da madeira,
para garantir um futuro sustentável para
a floresta e seus habitantes.
O que o Greenpeace
quer
- O Governo Federal
deve demonstrar forte vontade política, capacidade
operacional e recursos (humanos, financeiros e tecnológicos)
para garantir o sucesso na implantação
deste PL;
- O Governo Federal
deve garantir um adequado zoneamento econômico-ecológico
de toda a região amazônica, em um processo
participativo, garantindo os direitos das comunidades
e populações tradicionais;
- O Congresso Nacional
deve rejeitar o artigo 75 das disposições
transitórias, que possibilita a continuidade
de planos de manejo hoje em áreas públicas,
ou seja, griladas ou invadidas, bem como as emendas
apresentadas que deturpem ou enfraqueçam
o Projeto de Lei de Florestas Públicas;
- O Congresso Nacional
deve definir com maior clareza no texto do PL sobre
a responsabilidade do detentor da concessão
em caso de falência; definição
da aptidão da floresta para manejo ou serviços
florestais; existência de áreas testemunha
(totalmente preservadas) representativas da floresta
a ser manejada; da responsabilidade do estado para
garantir a implementação de planos
de manejo de alta qualidade; da responsabilidade
do estado para garantir a resolução
dos conflitos sociais em áreas de Florestas
Públicas;
O que é
o PL
O projeto de lei
número 4776/2005 regulamenta a gestão
de florestas públicas – as florestas naturais
ou plantadas em terras da União, de estados
e municípios. Trata-se de um longo e ambicioso
texto legal – 84 artigos em 34 páginas –
para definir normas de uso sustentável dos
recursos florestais públicos. Institui um
órgão gestor para o sistema - o Serviço
Florestal Brasileiro (SFB) - e um fundo para financiar
o processo – o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal (FNDF).
O PL constitui uma tentativa de se ordenar o acesso
a recursos florestais existentes em terras da União,
de estados e municípios, em todo o território
nacional. O texto da lei introduz o sistema de concessões
de uso de produtos e serviços florestais
pela iniciativa privada ou por associações
comunitárias, com prazo máximo 60
anos. Em termos da indústria madeireira,
verdadeiro motor do projeto, isso significa dois
ciclos de corte – ou seja, o intervalo de tempo
que a empresa precisa respeitar antes de voltar
à mesma área para uma segunda exploração.
De acordo com a atual legislação,
o ciclo de corte é de 30 anos (embora várias
espécies, como o mogno, tenham ciclo de reprodução
mais longo).
As áreas a serem concedidas serão
propostas pelo SFB (no caso das florestas nacionais
e terras sob controle da União) e aprovadas
por um órgão consultivo, a Comissão
de Gestão de Florestas Públicas, a
ser integrada por representantes do poder público
e da sociedade civil – empresários, trabalhadores,
ONGs, movimentos sociais e comunidade científica.
Na definição do PL, a gestão
das florestas públicas tem como princípios,
entre outros, a conservação de ecossistemas,
biodiversidade, solo e recursos aquáticos;
o respeito aos direitos das comunidades locais,
aos valores culturais e a proteção
do patrimônio da população;
e a exploração de produtos madeireiros,
não madeireiros (tais como frutos, sementes,
raízes, fibras, óleos etc) e serviços
(como o ecoturismo).
O único uso admitido nessas áreas
será a extração sustentável
de produtos florestais (madeira, fibras, óleos,
sementes, frutos etc) e os serviços. A concessão
não permite acessar o patrimônio genético,
uso dos recursos hídricos, exploração
de recursos minerais, recursos pesqueiros, fixação
de carbono e outros.
Na prática, o PL significa um reconhecimento,
pelo governo federal, de que o “destino manifesto”
da Amazônia é a conservação
e o uso sustentável dos recursos da “floresta
em pé”, com a destinação social
das florestas em áreas ocupadas por comunidades
tradicionais -, em vez do desmatamento e conversão
de florestas para expansão agropecuária.
O projeto, a partir de sua aprovação,
se compromete com a correção de um
dos principais problemas enfrentados pela indústria
madeireira: o acesso legal aos recursos florestais.
Historicamente, madeireiros são a vanguarda
da destruição da Amazônia (abrem
estradas para explorar a madeira, posteriormente
usadas por fazendeiros; a exploração
madeireira também capitaliza fazendeiros
e grileiros). Eles invadem florestas públicas,
terras indígenas e áreas protegidas
em busca da madeira, escassa nas áreas privadas
ou “privatizadas”.
Hoje, empresas que buscam respeitar a lei, manejar
de forma responsável a floresta e certificar
seus produtos não conseguem encontrar áreas
do tamanho necessário e com documentação
adequada, devido à complexidade da situação
fundiária na Amazônia (em particular
no Pará). Esses empresários poderão
ter acesso, com a lei, às florestas públicas,
pagando royalties por isso.
Em tese, a implementação do PL, caso
seja bem-sucedida, tem o potencial de garantir a
oferta de matéria-prima legal ao mercado
e estancar a grilagem e o avanço da fronteira
agrícola sobre a floresta Amazônica.
Como é
hoje
Não é
permitida a exploração de madeira
em terra pública, a não ser nas chamadas
florestas de produção. Isso inclui
as florestas nacionais (Flonas), as estaduais (Flotas)
e as florestas municipais.
Na prática, apenas um projeto piloto em área
pública vem sendo explorado, na Flona Tapajós.
Com exceção desse projeto, madeireiros
que querem respeitar a lei têm apenas duas
alternativas: comprar madeira de desmatamento autorizado
pelo governo (desmatamento legal, limitado na Amazônia
por medida provisória do Código Florestal
a 20% do tamanho de uma propriedade rural, sendo
os restante 80% considerados “reserva legal”) ou
explorar madeira por corte seletivo em áreas
privadas de reserva legal (excluídas as áreas
protegidas por lei). Em geral esses madeireiros
precisam conseguir títulos de propriedade
da terra ou fazer contratos com quem as detêm.
Devido à exploração intensa,
desordenada e predatória, e ao desmatamento
que a ela se seguiu, as áreas privadas com
florestas de valor comercial para madeireiros e
documentação adequada estão
cada vez mais difíceis de encontrar na extensão
necessitada.
Zoneamento
Pelo projeto, só
será permitida a oferta em concessão
de florestas públicas fora de unidades de
conservação integral, terras indígenas,
reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento
sustentável, reservas de fauna e áreas
consideradas de relevante valor ecológico.
Deverão ser excluídas também
as áreas ocupadas por comunidades e ainda
sem destinação legal. O governo promete,
antes de realizar as concessões florestais
para empresas, identificar e mapear as áreas
ocupadas ou utilizadas por comunidades locais. Essas
áreas deverão ser destinadas à
criação de reservas extrativistas
(Resex) e reservas de desenvolvimento sustentável
(RDS) - administrados pelo Ibama e seus congêneres
estaduais; a projetos de assentamento florestal,
de desenvolvimento sustentável (PDS, como
os de Anapu) e projetos agroextrativistas (no âmbito
do INCRA); e a outras formas de unidades de conservação
previstas na legislação.
Na prática, o Zoneamento Ecônomico-Ecológico
é a ferramenta para identificar essas áreas
e o resultado do projeto de lei está diretamente
ligado à maior ou menor qualidade do ZEE.
O ideal seria um zoneamento completo da Amazônia,
com a participação de todos os atores
envolvidos, antes de o projeto entrar em vigor.
O Greenpeace reconhece, porém que isso tomaria
muito tempo e que o processo de saque aos recursos
da Amazônia exige que o problema seja enfrentado
imediatamente. Enquanto o ZEE não é
feito, o governo deve adotar o princípio
precautório e não permitir concessões
nas áreas de alto valor de conservação
identificadas no seminário de Macapá
em 2000, que reuniu dezenas de pesquisadores. O
único estado da Amazônia que tem o
zoneamento adequado e aprovado é o Acre.
Para o Greenpeace, é por esse estado que
as concessões deveriam ser iniciadas, para
avaliação de resultados. No caso do
Pará há apenas um macro-zoneamento
em fase de aprovação mas questionado
pelas entidades ambientalistas e do setor social.
A emergência mencionada acima se aplica em
particular ao Pará, onde a maioria dos planos
de manejo incide sobre áreas públicas.
Para garantir o atendimento à demanda por
madeira legal e não predatória nesse
estado, o governo deve ao menos fazer um ZEE detalhado
da região incluída no plano BR-163
sustentável, o que inclui a região
de 8.2 milhões de hectares colocados sob
moratória no pacote ambiental anunciado pelo
governo.
Tramitação
O PL foi enviado
ao Congresso como medida de urgência e protocolado
pela Câmara dos Deputados na segunda-feira,
dia 21 de fevereiro. Medida de urgência significa
que o Congresso tem 45 dias para analisar e votar
(limite: 07 de abril de 2005), ou a pauta ficará
bloqueada. Também há o limite de cinco
sessões para a apresentação
de emendas. Esse prazo acaba de ser prorrogado por
mais cinco sessões e deve terminar no dia
7 de março, se houver sessão todos
os dias.
O impacto
do projeto
O Projeto de Lei
prevê a regulação de todas as
áreas de floresta pública no país
e, em particular, na Amazônia.
As florestas municipais são poucas, constituídas
em geral de fragmentos urbanos. Portanto, o projeto
deve incidir na maior parte dos casos sobre florestas
da União e sobre as florestas estaduais (em
alguns estados que têm grandes áreas
de floresta sob tutela estadual – como Pará
e Amazonas). Estas florestas terão que ser
cadastradas no Cadastro-Geral de Florestas Públicas.
O órgão gestor do sistema será
o Serviço Florestal Brasileiro, a ser criado
com a aprovação do projeto de lei
e que deve fazer parte da estrutura do MMA. O PL
4776/05 define, a partir de seu artigo 58, a missão,
a competência, a estrutura e as fontes de
recursos do SFB.
Caberá ao SBF propor as áreas de florestas
a serem submetidas a concorrência para concessão
a empresas que manejam madeira e produtos não
madeireiros (o mecanismo previsto para isso atende
pela sigla PAOF – Plano Anual de Outorga Florestal),
bem como deverá mapear, fazer inventários
dos estoques de produtos, atribuir preços
mínimos e definir os critérios para
as concessões, entre outras tarefas.
Em fins de 2004, a instrução normativa
010 do Incra fixou prazo máximo de cadastramento
de imóveis rurais (31 de janeiro para terras
com mais de 400 hectares e 31 de março para
as menores). Quem não cumprir esses prazos,
terá seu cadastro suspenso. Com isso, todas
as florestas em áreas cuja propriedade não
possa ser comprovada por documento legal poderão
reverter ao patrimônio público e serem
normatizadas pela nova lei.
Pontos positivos
- Entre as maiores
virtudes do projeto está o potencial desestímulo
à grilagem de áreas de florestas públicas.
Por meio do regime de concessão deverá
normatizar o acesso a essas áreas e o manejo
florestal.. A concessão de exploração
dos bens, segundo o projeto, não inclui a
posse da terra. Com isso a terra não deverá
ser privatizada, permanecendo pública.
- Transparência:
No processo de concorrência pública
pelas concessões estão previstos os
critérios de melhor valor ofertado, melhor
técnica de manejo a ser adotada e menor impacto
ambiental. Empresas com débitos pendentes
na dívida ativa da União não
deverão se candidatar às concessões.
O projeto apresentado possibilita a qualquer pessoa
ter acesso aos contratos e solicitar visita às
áreas (vistoria), podendo permitir controle
social sobre a atividade desenvolvida.
- Todos os critérios
de manejo florestal e os valores a serem pagos ao
Governo deverão estar definidos por contrato
entre a empresa vencedora da concessão e
o órgão gestor do governo.
- O PL cria um fundo
interessante, de estímulo e financiamento
ao manejo sustentável das florestas, com
recursos financeiros resultantes dos royalties pagos
pelas empresas concessionárias, o Fundo Nacional
de Desenvolvimento Florestal. Segundo o artigo 40
do projeto, o FNDF deverá ficar com 40% dos
royalties, sendo que estados (30%) e municípios
(30%) também serão beneficiados pela
exploração das florestas públicas
em suas jurisdições, tendo que destinar
os recursos obtidos para a promoção
e apoio ao uso sustentável dos recursos florestais.
Pontos inaceitáveis
- O Artigo 75, dentro
das disposições transitórias,
permite a continuidade de operação
de planos de manejo hoje existentes em terras públicas,
até a realização da concorrência
para a concessão. Trata-se de artigo que
compromete imensamente o projeto, pois autoriza
a atividade em áreas griladas, conferindo
um reconhecimento ou aceitação, pelo
estado, de atividades condenadas pela lei. O pragmatismo
embutido nesse artigo não elimina o fato
de que lei é lei, e se governança
é o principal problema da Amazônia,
cabe ao Estado fazer valer a lei para ser respeitado.
- Em várias
dessas áreas griladas há conflitos
com comunidades locais. Ainda que o texto do projeto
só autorize a permanência da atividade
madeireira em áreas públicas onde
não haja disputa social, no mundo real da
escassa presença do estado na Amazônia,
madeireiros poderão expulsar as famílias
ocupando as áreas consideradas ‘suas’, como
ocorre hoje com famílias sendo ameaçadas
e expulsas da Terra do Meio.
- O projeto de lei
não prevê a existência de uma
área testemunha da floresta a ser manejada
destinada a preservação com fins de
conservação da biodiversidade e avaliação
e monitoramento dos impactos do manejo. Tal área
seria estabelecida além das áreas
de preservação permanente previstas
por lei e precisa ser representativa da floresta
sob manejo – ou seja, deve ter as mesmas caracteristicas
da área explorada para permitir futuras comparações
e avaliar o real impacto do manejo sobre a biodiversidade
local. Embora essas áreas possam ser estabelecidas
nos contratos de concessão, seria fundamental
a lei maior regular a questão. Vale lembrar
que estados e municípios poderão fazer
concessões e são eventualmente mais
permeáveis e/ou comprometidos com poderes
locais de madeireiros.
Outras dúvidas
- Quem se responsabiliza
pela floresta manejada caso o detentor da concessão
desista ou vá a falência? Áreas
manejadas possuem estradas de acesso, correm risco
de incêndios e invasões e necessitam
ser monitoradas.
- A implementação
adequada da Lei depende da capacidade operacional
dos órgãos ambientais responsáveis
pela análise, vistoria técnica e fiscalização
dos planos de manejo. No âmbito federal o
Ibama necessita de reforço substancial em
recursos humanos, tecnológicos e financeiros.
Atualmente não há previsão
de orçamento para isso.
- O projeto não
é claro com relação à
questão dos serviços. Quais serão
os critérios de definição da
aptidão da floresta para manejo ou para um
serviço como por exemplo o ecoturismo?
- Muitas empresas
hoje em atuação na Amazônia
apresentam bons projetos de manejo florestal elaborados
e aprovados legalmente no Ibama. Na prática,
o manejo florestal realizado por elas é de
baixa qualidade, sem investimentos em tecnologia
e qualificação pessoal resultando
num alto impacto ambiental. Isso tem ocorrido há
mais de dez anos apesar das várias normativas
e tentativas de ordenamento e melhoria do setor.
Fonte: Greenpeace-Brasil (www.greenpeace.org.br)
Assessoria de imprensa