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SOCIEDADE CIVIL PROTESTA
EM FAVOR DO APL DOS RECURSOS GENÉTICOS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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04/03/2005 Assinado
por dezenas de entidades e redes da sociedade civil,
o documento denuncia ação de ministérios
e cobra democratização da discussão
sobre o tema.
Mais de 32 organizações e redes da
sociedade civil, entre elas o ISA, enviaram hoje,
dia 4 de março, uma carta endereçada
ao presidente Lula em defesa do Anteprojeto de Lei
(APL) sobre o acesso aos recursos genéticos
elaborado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGen), órgão interministerial
presidido pelo Ministério do Meio Ambiente
(MMA). A proposta vai regular o acesso aos recursos
genéticos e aos conhecimentos tradicionais
associados (informações sobre plantas
ou princípios ativos medicinais, por exemplo),
além de regulamentar a repartição
de benefícios oriundos da biodiversidade.
A discussão sobre o APL, que se encontra
na Casa Civil e deverá ser enviado ao Congresso
nos próximos meses, dividiu o governo ao
meio. De um lado, o Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT), o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
(MDIC) defendem uma proposta que privilegia o interesse
da grande indústria da biotecnologia. De
outro, o MMA tenta proteger os direitos dos povos
tradicionais (índios, quilombolas, ribeirinhos,
caiçaras etc) sobre seus recursos genéticos
e conhecimentos (saiba mais). As divergências
têm, inclusive, influenciado a participação
brasileira nos fóruns internacionais sobre
o assunto (confira).
A carta enviada hoje
protesta contra a ação do grupo ministerial
e defende a democratização dos debates
sobre o tema. O texto denuncia a tentativa de extinção
do CGen e o esforço realizado por aqueles
ministérios para impedir a participação
da sociedade civil na discussão do APL. Contando
com as entidades filiadas às redes e fóruns,
o documento é subscrito por dezenas de instituições.
A carta também foi enviada a outros seis
ministérios que também atuam na questão,
como o Ministério da Saúde e o Ministério
da Justiça.
Confira também
o especial do ISA sobre biodiversidade e recursos
genéticos
Brasília,
04 de Março de 2005
Excelentíssimo
Senhor Luiz Inácio Lula da Silva Presidente
da República
Excelentíssimo
Senhor Presidente,
A ausência
de uma legislação reguladora de acesso
aos recursos genéticos permitiu, nos últimos
anos, a apropriação indevida destes
recursos, bem como dos conhecimentos tradicionais
associados ao uso da biodiversidade. Lamentavelmente
grande parte dos avanços da indústria
de biotecnologia nos países desenvolvidos
se deram a partir dessa apropriação.
Na ausência de um marco regulatório,
a biodiversidade foi tratada como uma fonte gratuita
e privilegiada de matéria-prima, especialmente
nos países ricos em biodiversidade, como
é o caso do Brasil.
A lacuna identificada
na legislação internacional e a necessidade
de se resguardar o interesse público mundialmente
embasaram a Convenção Internacional
sobre Diversidade Biológica (CDB), aprovada
durante a conferência Rio-92 e atualmente
a mais importante referência legal para o
uso e a conservação da biodiversidade
no mundo. A CDB passou a vigorar no Brasil em 29
de maio de 1994, 90 dias após a apresentação,
pelo Governo Brasileiro do instrumento de ratificação;
e foi promulgada em março de 1998, através
do Decreto 2.519. Implementar mecanismos capazes
de impedir a perda da biodiversidade no planeta
e garantir a melhor distribuição das
riquezas originadas dos recursos genéticos
entre países pobres e países ricos
é o principal objetivo da Convenção.
Para o Brasil, a
CDB é especialmente importante por criar
a possibilidade de uma política de gestão
do patrimônio genético voltada à
repartição de benefícios capaz
de fortalecer modelos de desenvolvimento sustentável
entre povos tradicionais e criar alternativas ao
modelo predatório de ocupação
de nosso território.
Atualmente a gestão
do patrimônio genético brasileiro está
regulada pela Medida Provisória (MP) 2.052/00.
Reeditada com o número 2.186-16, em agosto
de 2001, a MP criou o Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGEN), colegiado
governamental responsável pelo controle do
acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos
tradicionais a eles associados. Atualmente o Ministério
do Meio Ambiente (MMA) admite informalmente a presença
de membros “convidados” da sociedade civil, que,
entretanto, não tem direito a voto.
Em 2003, no início
dos trabalhos do CGEN, foi criada uma câmara
temática de legislação, com
o objetivo de discutir um ante-projeto de lei para
substituir a atual MP 2.186-16/01. Apesar da pouca
participação de representações
dos povos indígenas e das populações
tradicionais, o resultado do processo reflete o
consenso mínimo entre os diversos interesses
envolvidos na questão. Encerrado o debate
na câmara temática, o Anteprojeto de
Lei (APL) foi encaminhado pelo MMA à Casa
Civil da Presidência da República,
onde um novo processo de discussão foi realizado,
agora restrito aos ministérios que tem assento
no CGEN. Neste processo, conforme mencionado em
reuniões do CGEN, ficaram claras divergências
entre os ministérios participantes.
Dentre os pontos
de divergência, consideramos graves as propostas
de extinção do Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético e de centralização
dos benefícios em um Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT) excluindo
da repartição de benefícios
os detentores de conhecimentos tradicionais. Da
mesma forma, contraria frontalmente a orientação
da CDB a proposta de limitar a obrigatoriedade de
repartição de benefícios apenas
aos processos ou produtos que tiverem patentes concedidas.
Outro foco de resistência
da proposta elaborada pelo CGEN é a distinção
entre pesquisa científica básica e
bioprospecção comercial. O ante-projeto
de lei aprovado pelo CGEN estabelece diferenças
entre pesquisa científica básica,
bioprospecção comercial e desenvolvimento
tecnológico, exigindo graus diferentes de
controle sobre cada tipo de atividade. A manutenção
dessa distinção é fundamental
para que sejam tratadas de forma diferente atividades
de interesse público das atividades de interesse
industrial.
Dentre os princípios
consagrados na CDB, o mais ameaçado é
o que defende o respeito e a proteção
aos conhecimentos tradicionais. Na MP em vigor e
no projeto elaborado pelo CGEN, os povos indígenas
tem o direito de impedir terceiros não autorizados
de divulgar ou transmitir dados ou informações
que integram ou constituem conhecimentos tradicionais.
Uma importante garantia prevista na proposta que
saiu do CGEN é a possibilidade de que uma
iniciativa de proteção a conhecimentos
tradicionais possa ser levada ao Judiciário
a qualquer tempo, sem sofrer prescrição,
ou perda do direito em função de um
decurso de prazo. Essa garantia é fundamental
quando se trata de proteção a um patrimônio
cultural dinâmico, inter-geracional e cuja
origem temporal é impossível de ser
definida.
O princípio
da precaução, que estabelece que quando
houver ameaça de danos graves ou irreversíveis,
a ausência de certeza científica absoluta
não deve ser utilizada como razão
para o adiamento de medidas para prevenir a degradação
ambiental, também é questionado pelos
ministérios.
Tais propostas, se
levadas em consideração e incorporadas
ao ante-projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso
Nacional significarão um enorme retrocesso
no tratamento da questão de acesso aos recursos
genéticos no Brasil, ferindo o previsto na
CDB e constituindo uma enorme contradição
com a posição de liderança
que o Brasil vem desempenhando nas discussões
deste tema no cenário internacional. Recordando
que o Brasil sediará a próxima conferência
dos países signatários da CDB, em
fevereiro de 2006.
As organizações
da sociedade civil abaixo assinadas solicitam que
seja encaminhada ao Congresso Nacional a proposta
legislativa aprovada pelo Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético, da qual participaram
todos os Ministérios atuantes no Conselho,
incluindo os de Ciência e Tecnologia, de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior. Consideramos
fundamental que se preserve o conteúdo das
discussões ocorridas no âmbito do Conselho,
deixando que os aprimoramentos devidos ocorram no
Congresso Nacional, de forma democrática
e transparente. Requerem também participação
no CGEN, com poder de voto e de forma paritária,
para que possam não apenas exercer seu papel
de controle social, mas também assegurar
a supremacia do interesse público na defesa
do patrimônio biológico brasileiro.
Certos de vossa atenção,
subscrevemo-nos.
Associação
Brasileira de Organizações Não
Governamentais - ABONG
Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira -
COIAB
Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro - FOIRN
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - FBOMS
Grupo de Trabalho Amazônico - GTA
Rede de Justiça Ambiental
Rede de ONGs da Mata Atlântica - RMA
Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade
e Conhecimento Tradicional
Amazonlink
Argonautas Ambientalistas da Amazônia
Associação das Vítimas do Césio
137
Associação de Defesa de Araucária
- AMAR
Associação de Preservação
Ambiental do Vale do Itajaí - APREMAVI
Associação do Meio Ambiente de Cianorte
- Apromac
Centro de Estudos Ambientais - CEA
Cooperação Associativo-Ambiental Panamazônica
- OSC CAMPA ECOA - Ecologia & Ação
Federação de Órgãos
para Assistência Social e Educacional - FASE
Fórum DLIS de Muaná
Fundação CEBRAC
Fundação Pró Natureza - FUNATURA
Greenpeace
Instituto Indígena Brasileiro da Propriedade
Intelectual - INBRAPI
Instituto Centro de Vida - ICV
Instituto de Estudos Socio-econômicos - INESC
Instituto Sociedade, População e Natureza
- ISPN
Instituto Socioambiental - ISA
OS VERDES - Movimento de Ecologia Social
Programa da Terra - PROTER
Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento,
Meio Ambiente e Paz
C/C:
Ministro da Saúde Humberto Costa
Ministro da Ciência e Tecnologia Eduardo Campos
Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues
Ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan
Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel
Rosseto
Ministro da Justiça Marcio Tomaz Bastos
Ministro da Cultura Gilberto Gil
Ministro das Relações Exteriores
Ministra do Meio Ambiente Marina Silva
Ministro chefe da Casa Civil José Dirceu
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa