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CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
DE CAIÇARAS DA JURÉIA (SP)
AJUDAM A PRESERVAR
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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08/03/2005 Esta é
a questão central do livro da bióloga
Rosely Sanches, do ISA, que trata da criação
de uma Estação Ecológica no
sul do estado de São Paulo e da permanência
das populações tradicionais na região.
O lançamento da publicação
é neste 9 de março.
Os ciclos de extração do palmito e
da caxeta, um tipo de madeira apropriado para a
feitura de lápis, alteraram os ecossistemas
locais. O projeto do governo militar de construir
uma usina para a produção de energia
atômica, e o loteamento da região em
condomínios para veranistas, se assomaram
como perigosos destinos. O curso da história
sempre ameaçou a preservação
da região compreendida entre a serra do Itatins
e a praia da Juréia, no litoral sul do estado
de São Paulo.
Por isso, a criação em 1986 da Estação
Ecológica de Juréia-Itatins foi um
marco para o movimento ambientalista brasileiro.
A Unidade de Conservação (UC), com
cerca de 80 mil hectares de Mata Atlântica
bem preservados, se fundava em um modelo inovador
– o de Estação Ecológica -,
no qual era permitido a utilização
de apenas 10% da área delimitada para pesquisas
e trabalhos voltados para a educação
ambiental. O grosso da UC tinha a finalidade exclusiva
de ser integralmente preservado.
O nascimento da Estação Ecológica,
porém, deixava em aberto algumas perguntas:
o que fazer com as centenas de famílias nativas
da região, as dos chamados caiçaras,
que moravam – e ainda moram - dentro dos limites
da UC? Elas devem permanecer dentro da Estação
ou não? Suas práticas de subsistência
(roça, caça e pesca), amparadas em
conhecimentos tradicionais, contribuem para a alteração
ou para a preservação do meio ambiente?
Estas questões nortearam a pesquisa da bióloga
Rosely Alvim Sanches para sua tese de mestrado na
Universidade de São Paulo (USP).
Rosely, hoje integrante da equipe do Programa Xingu
do Instituto Socioambiental (ISA), trabalhou por
oito anos para buscar estas respostas e levantar
outras perguntas. Agora lança o resultado
do trabalho no livro “Caiçaras e a Estação
Ecológica de Juréia-Itatins, litoral
sul de São Paulo. Editado pela Annablume
e Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp), o livro
será lançado nesta quarta-feira, 9
de março, em São Paulo. A mestranda
foi orientada, na ocasião, pelo professor
doutor Walter Neves, do Instituto de Biociências
da USP.
Rosely Sanches realizou um levantamento etnobiológico
da região estudada, mapeando, catalogando
e analisando a interação entre os
nativos e a natureza local. Desse levantamento,
surge um detalhado acervo de valores, práticas
e costumes que compõem a relação
dos caiçaras com a terra, o mar e a mata.
A pesquisadora observou, por exemplo, que para os
caiçaras não existia o conceito de
dono da terra. Ou melhor, dono era aquele que abria
a mata e fazia sua roça.
Rosely também teve acesso aos calendários
não-escritos dos caiçaras para a pesca,
plantação e caça, baseados
nas fases da lua, nas estações das
chuvas, nos movimentos das marés e nos períodos
de reprodução dos animais. E conseguiu
verter estas sabedorias para o papel. “Achei importante
registrar todo este conhecimento porque ele está
se perdendo no tempo”, afirma. “E também
porque acredito que é um instrumento que
pode adequar a presença humana na Juréia”.
Antes de mais nada, a bióloga presta no livro
uma homenagem aos homens e mulheres que lhe transmitiram,
em conversas à beira-mar ou em caminhadas
pela mata, sua preciosa sabedoria. Fiel à
sua formação, a bióloga não
esqueceu de incluir no livro um minucioso inventário
da fauna e flora locais.
“Caiçaras e a Estação Ecológica
Juréia-Itatins, litoral sul de São
Paulo” reflete uma visão socioambiental,
à época inovadora, em meio a uma polêmica
que permanece em voga ainda hoje. De um lado, biólogos
e conservacionistas afirmam que qualquer presença
humana, seja de populações tradicionais
e indígenas, é danosa e deve ser proibida
nos limites das Unidades de Conservação.
Do outro, antropólogos e indigenistas lembram
que o direito à terra, por parte destas populações,
é anterior a própria instituição
do Estado brasileiro. O tema, de tão complexo,
é objeto de boa parte das 700 páginas
de livro recém-lançado pelo ISA.
No caso dos caiçaras da Juréia, a
criação da Estação Ecológica
evitou a expulsão das famílias tradicionais
- naqueles anos contadas em mais de 300 - em função
da especulação imobiliária
que avançava, e avança, sobre todo
o litoral paulista. Mas o impasse em relação
à ocupação das terras no entorno
da Estação Ecológica persiste
ainda hoje e é agravado, inclusive, com a
ação insistente de grileiros. Há
um ano um conselho gestor foi formado, com a chancela
da Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São
Paulo, com representantes da sociedade civil - entre
eles membros das comunidades caiçaras - e
de governos locais para discutir os problemas fundiários
da região.
Rosely Sanches acredita que os saberes dos caiçaras
sobre o meio ambiente são chaves para a conservação
e gestão de toda a região. E que a
conquista do equilíbrio da presença
humana em ecossistemas preservados, na Juréia
e em outros cantos do País, segue sendo um
desafio para um Brasil socioambiental.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa