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“O QUE É MEU É
MEU, O QUE É SEU É NOSSO!”
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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11/03/2005 “O que
é meu é meu, o que é seu é
nosso!”, disse Daniel Munduruku, integrante da organização
indígena Instituto Brasileiro de Propriedade
Intelectual (Inbrapi), durante reunião do
Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
(CGen), em resposta às afirmações
de representantes do Ministério da Agricultura
de que os conhecimentos tradicionais sobre variedades
agrícolas deveriam ser considerados de domínio
público.
Durante a reunião da Câmara Temática
de Conhecimentos Tradicionais do Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético (CGen), ocorrida
na quarta-feira, dia 9 de março, o Ministério
da Agricultura (MAPA) voltou a defender a idéia
de que os conhecimentos dos povos tradicionais (índios,
quilombolas, ribeirinhos, seringueiros etc) relacionados
à domesticação de variedades
agrícolas devem ser considerados difusos
e de domínio público. Para os representantes
da pasta, nesse caso, não haveria qualquer
obrigação de pesquisadores ou “melhoristas”
(técnicos em melhoramento genético)
obterem o consentimento prévio informado
daqueles povos ou de repartir os benefícios
derivados do uso da biodiversidade. O consentimento
prévio informado é a autorização
preliminar dada pelas comunidades para o uso de
seus conhecimentos tradicionais.
Na reunião, que contou com a presença
de representantes dos povos tradicionais, o MAPA
argumentou que não existe conhecimento tradicional
envolvido no processo de domesticação
de espécies vegetais e que estas “pertenceriam
à humanidade”. A posição revela
a dificuldade do órgão em reconhecer
tratamento igualitário entre os conhecimentos
tradicional e científico. Além disso,
atesta também a contradição
existente entre a política de desenvolvimento
tecnológico praticada pelo ministério
(baseada em instrumentos de propriedade intelectual
e monopólios) e a defesa da universalização
do uso dos recursos genéticos de povos tradicionais.
“Esse tipo de manifestação parece
corroborar a máxima: ‘o que é meu
é meu, mas o que é seu é nosso’
”, criticou Daniel Munduruku, representante indígena
presente à reunião e integrante do
Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual
(Inbrapi).
O MAPA e outros órgãos públicos
envolvidos no tema têm usado a justificativa
de que a conservação de espécies
domesticadas pelos povos tradicionais em bancos
de dados e de sementes visa permitir que, no futuro,
as próprias comunidades indígenas
e locais possam recuperar essas espécies
em caso de necessidade. Enquanto isso, essas mesmas
comunidades têm sofrido com situações
críticas de subnutrição, ausência
de sementes e insumos que garantam sua soberania
alimentar.
Segundo o representante do MAPA presente à
reunião, a colonização não
teria implicado em expropriação dos
conhecimentos tradicionais, mas sim numa troca não
muito vantajosa. Para o advogado do ISA Fernando
Mathias, a postura revela uma visão etnocêntrica
da conquista e da colonização do Brasil.
“Ao que parece, o interesse sobre os recursos e
saberes, hoje, não difere muito do que pretendiam
os colonizadores de há 500 anos. Eles querem
trocar motores de popa por milhares de anos de práticas
e conhecimentos tradicionais”, diz.
“No fundo, o que existe, é uma articulação
do MAPA e de outros ministérios – como da
Ciência e Tecnologia (MCT) e do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (MDIC) – para
dificultar todos os debates do CGen e até
mesmo para extinguir o conselho, o que seria um
desrespeito à Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB) assinada pelo
Brasil”, contesta Fernanda Kaingang, diretora-executiva
do Inbrapi. Ela informa que discussões conceituais
sobre o que são os conhecimentos tradicionais
já ocorreram quando da criação
do CGen. “Esses setores não admitem os direitos
mínimos que já foram objeto de consenso
no conselho”.
Enquanto isso, no
mundo...
Enquanto no Brasil
alguns setores do governo entendem que o desenvolvimento
de novas variedades agrícolas com fim de
registro de propriedade intelectual deve prescindir
de anuência dos detentores dos conhecimentos
tradicionais, grupos internacionais que lutam contra
a biopirataria comemoram uma importante vitória.
O escritório de patentes da União
Européia revogou, pela primeira vez na história,
uma patente derivada de conhecimento tradicional.
No dia 8 de março, Magda Aelvoet, líder
dos partidos verdes no parlamento europeu, a ambientalista
indiana Vandana Shiva e representantes da Federação
Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica
(INFOAM) conseguiram a revogação da
patente sobre um fungicida desenvolvido a partir
da árvore indiana Neem (Azadirashta indica).
Eles usaram o argumento de que as propriedades da
espécie já são consideradas,
há séculos, conhecimento tradicional
na Índia. O escritório de patentes
reconheceu que não há novidade nem
processo inventivo em relação à
patente.
A revogação derrubou os argumentos
de novidade e inventividade imprescindíveis
para os pedidos de patente e significa um precedente
histórico para o combate à apropriação
indevida de recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais associados. O fato abre a possibilidade
para o reconhecimento das técnicas originadas
nos sistemas tradicionais de conhecimentos.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)