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COMUNIDADE BANIWA FESTEJA
COLHEITA DO PRIMEIRO EXPERIMENTO PARTICIPATIVO
DE PLANTIO DE ARUMÃ NO BRASIL
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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18/03/2005 Experiência
inédita em São Gabriel da Cachoeira
(AM) mostra que é possível realizar
pesquisas com a participação efetiva
das populações indígenas da
região, envolvendo uma planta, fundamental
para elas. É a partir das fibras do arumã
que se confeccionam utensílios domésticos
como o tipiti, usado para transformar a mandioca
em farinha, base da alimentação dos
povos da Amazônia.
“É um resultado concreto de nosso trabalho.
Com ele podemos garantir que arumã realmente
não acaba; porque podemos plantar onde ele
não existe. E aqui na comunidade de Itacoatirara-mirim
está a prova do que estou dizendo.” Foi assim
que o jovem pesquisador baniwa, Moisés da
Silva, apresentou os dois exuberantes arumanzais
que agora fazem parte da paisagem de sua comunidade.
Este é um dos resultados expressivos da série
de iniciativas que visam assegurar a sustentabilidade
socioambiental do extrativismo de arumãs
no Alto Rio Negro. O comércio do artesanato
feito de fibras de arumã, que já era
praticado pelos povos indígenas da região
há muito tempo, ganhou destaque com o lançamento
da marca Arte Baniwa em 1997. Isto revitalizou os
circuitos de mercado para os artesãos que
antes mantinham relações injustas
com comerciantes que não atribuíam
o devido valor a esta arte secular.
Essa ampliação das possibilidades
de mercado hoje é acompanhada por um sério
esquema de pesquisa participativa para avaliar as
condições de extração
das fibras e plantas associadas ao artesanato. Para
isso foi necessário articular parceiros com
experiência em pesquisa científica,
em assessoria ao etnodesenvolvimento e organizações
representantes dos povos indígenas, neste
caso o ISA, o Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia, a Organização Indígena
da Bacia do Içana (Oibi) e a Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn); além de contar com
apoio financeiro do CNPq e da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam).
Várias ações estão sendo
implementadas para avaliar a capacidade de suporte
do ambiente e as possibilidades de manejo sustentável
dessas espécies. O plantio de arumã,
como o que ocorreu em Itacoatiara-mirim, é
um passo importante, pois acelera o processo de
obtenção de informações
para a domesticação destas espécies.
Com isso, comunidades que não possuem este
recurso podem vir a formar arumanzais cultivados.
Ampliar a base produtiva também é
uma das estratégias do Projeto Arte Baniwa
para não gerar pressões de demanda
que alterem as atividades tradicionais das comunidades,
uma vez que a elaboração do artesanato
exige um longo período de dedicação
de cada artesão.
Por que plantar
arumã
Como a comunidade
de Itacoatiara-mirim está localizada na região
periurbana da cidade de São Gabriel da Cachoeira,
o acesso a recursos para a sobrevivência dos
moradores é muito restrito. Uma das espécies
de arumã que ali se planta - Ischonisphon
obliquus, ou Halepana na língua baniwa –
ocorre próximo à comunidade. Mas em
terrenos cercados por pequenos fazendeiros locais
ou à beira da rodovia asfaltada. Isso implicava
riscos de acidentes na hora da coleta. A outra espécie
plantada - Ischonisphon arouma, Póapoa Kantsa
em baniwa - somente era encontrada a mais de 35
km da comunidade. Esta espécie, conhecida
pelos Baniwa como o arumã verdadeiro devido
à maior resistência de suas fibras,
é a preferida para elaboração
de tipitis - os tradicionais espremedores de massa
de mandioca para fazer farinha -, utensílios
de grande importância para a segurança
alimentar das famílias. Para o capitão
da comunidade, Luís Laureano da Silva, “o
arumã colhido no experimento de plantio vai
dar para fazer tipitis, peneiras, cestos, jarros
e urutus para toda a comunidade e ainda sobrará
para ser comercializado”.
A experiência destaca a possibilidade de se
conduzir processos participativos de pesquisas na
região a partir de questões legítimas
de interesse das comunidades indígenas. “O
Alto Rio Negro demanda hoje a consolidação
de um programa de pesquisa e desenvolvimento, que
responda a uma série de necessidades que
podem contribuir para a melhoria da qualidade de
vida de 23 diferentes povos indígenas que
ocupam 10,6 milhões de hectares de terras
demarcadas, por onde se estendem as grandes porções
contínuas de campinaranas amazônicas”,
diz Pedro Garcia, representante da Foirn.
De acordo com Pieter Jean van de Veld, agrônomo
do Programa Rio Negro do ISA, outros dois plantios
de arumãs já haviam sido realizados
em 1999 em sedes de órgãos governamentais
da cidade, porém sem êxito. Ele atribui
isto ao fato de que em nenhuma das experiências
anteriores houve participação dos
índios, os principais interessados. No caso
de Itacoatiara-mirim foi diferente. Os índios
participaram desde o começo, quando no I
Seminário de Pesquisa do Alto Rio Negro realizado
em novembro de 2000, manifestaram ao ISA seu problema
de acesso a arumãs e o desejo de iniciar
uma experiência de plantio deste recurso.
O passo seguinte, em janeiro de 2001, foi reunir
um grupo na comunidade e sair coletando algumas
mudas em locais próximos. As mudas foram
plantadas de quatro modos diferentes para testar
qual seria o melhor tipo de material para propagação.
A comunidade reservou uma antiga capoeira onde o
experimento foi implantado e na época ficou
combinado que ninguém a derrubaria para fazer
roça. No acompanhamento, a equipe incorporou
novos atores, ecólogos e um etnobotânico
do Inpa.
Outro grande resultado obtido foi o treinamento
de três monitores indígenas que fizeram
o registro sistemático da evolução
do experimento de forma totalmente autônoma
no último ano da pesquisa. Estes monitores
hoje possuem conhecimentos apurados de experimentação
científica e diagnóstico ambiental
que, acompanhados do conhecimento tradicional do
qual são herdeiros, os habilita para uma
contribuição peculiar no processo
de desenvolvimento sustentável da região,
onde certamente será necessário estabelecer
diálogo e cooperação entre
diversos tipos de saberes. Ao final da colheita
os treze principais artesãos da comunidade
participaram da avaliação indicando
quais materiais entre os quatro tipos testados resultaram
em matéria-prima de melhor qualidade. Dois
tipos de materiais se destacaram na avaliação
dos mestres do artesanato e já podem ser
indicados para novas experiências de plantio.
Os resultados em termos de artesanato produzido
e tempo necessário para que ocorra uma segunda
colheita nestes arumanzais continuam sendo monitorados
pelos pesquisadores indígenas. A comunidade
também espera ampliar a área plantada
com Póapoa Kantsa e já lançaram
novo desafio: querem plantar um Caranazal. A palmeira
Caranã é outro recurso inacessível
à comunidade e isto tem levado os indígenas
a cobrir suas casas com telhas de zinco. Mas com
alguns anos de uso do material eles constatam o
desconforto: muito quente sob o sol e muito barulhento
sob a chuva. Motivos mais que suficientes para buscar
alternativas viáveis para recuperar seus
telhados tradicionais.
Mais detalhes técnicos sobre a experiência
e os resultados alcançados com o plantio
de arumãs estão sendo sistematizados
e analisados para serem divulgados ainda este ano
pela equipe do projeto Sustentabilidade Socioambiental
da Produção e Comercialização
do Artesanato de Arumã no Rio Negro. No encerramento
das atividades do dia de colheita de arumã
a comunidade organizou um Dabukuri, ritual tradicional
para festejar e homenagear ocasiões importantes
para a vida das comunidades.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Adeilson Lopes da Silva)