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CORTES NO ORÇAMENTO PODEM PREJUDICAR METAS DA REFORMA AGRÁRIA, DIZ HACKBART

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005

16/03/2005 O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Rolf Hackbart, garantiu em entrevista ao ISA, que o compromisso do governo Lula de assentar 400 mil famílias em quatro anos continua de pé, mas pode não ser cumprido em função da redução de mais de R$ 2 bilhões no orçamento deste ano do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Divulgação
A reforma agrária sempre foi uma bandeira histórica do Partido dos Trabalhadores (PT) e do candidato Luís Inácio Lula da Silva, eleito presidente da República no final de 2002. O governo petista, no entanto, ainda não conseguiu alcançar as metas anuais a que se propôs. Em 2004, a meta era assentar 115 mil famílias no campo, mas apenas 81 mil tiveram acesso a terra no período. Em 2003, foram assentadas 49 mil famílias. A expectativa é de assentar mais 115 mil famílias até o final de 2005.

Vale lembrar ainda que o assassinato da freira missionária Dorothy Stang, no dia 12 de fevereiro, em Anapu (PA), ocorreu em virtude da disputa de terras de trabalhadores rurais que lutavam contra fazendeiros em defesa da implantação de Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), um tipo de assentamento especial do Incra, que pretende associar a produção à proteção ambiental. Amplamente divulgado pela imprensa, o crime expôs à opinião pública, mais uma vez, o caos fundiário existente em muitas regiões da Amazônia, especialmente no sul do Pará, lançou o governo Lula em uma de suas maiores crises políticas e ensejou as medidas que criaram, em 19 de fevereiro passado, mais de 5,2 milhões de hectares de áreas protegidas no norte do País.

Na segunda entrevista sobre o pacote ambiental anunciado pelo governo em fevereiro - a primeira foi com o presidente do Ibama - a reportagem do ISA procurou o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Holf Hackbart. Na conversa, ele garantiu que o compromisso de assentar 400 mil famílias em quatro anos de governo Lula ainda está de pé, mas alertou que as metas podem ser prejudicadas caso seja mantido o corte de mais de R$ 2 bilhões no orçamento deste ano do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

ISA – Qual a diferença entre a atual política de reforma agrária e a anterior? Por que o governo não consegue cumprir as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária?
Holf Hackbart – A principal diferença reside na qualidade dos assentamentos. Não adianta assentar famílias sem crédito, estradas, energia, saúde. Nós encontramos mais de 6,3 mil assentamentos em todo o País e grande parte deles em péssimas condições, sem infra-estrutura básica. Estamos investindo muito em assistência técnica, licenciamento ambiental, créditos, escolas e estradas. Também estamos pensando os assentamentos de forma regionalizada, não o assentamento isolado. Aumentamos todos os créditos iniciais – antes, para uma família assentada, eles eram de R$ 7,5 mil e, hoje, são de R$ 16 mil.
As metas de assentamento do governo estão mantidas: 400 mil famílias em quatro anos. Até hoje, assentamos 130 mil. Se olharmos isoladamente, ano a ano, em 2004, a meta era de 115 mil e assentamos 81 mil. Mas como a reforma agrária é um processo e não um estoque, o volume de vistorias e de obtenção de imóveis rurais, bem como de retomada de terras públicas, tende a dar um salto grande para que alcancemos a meta de 400 mil famílias. Estamos trabalhando muito na retomada de áreas públicas, principalmente no Centro-Oeste e Norte, em volume de vistorias para obtenção de novos imóveis rurais.

Por que este salto do qual o senhor fala?
Porque a casa começa a engrenar. Encontramos o Incra sucateado, com poucos funcionários e desestimulados. Já criamos uma carreira de Estado e fizemos um pequeno concurso no ano passado. Chamamos 376 novos funcionários e talvez consigamos chamar mais 300 até junho. Iniciamos a recuperação das perdas salariais porque há mais de dez anos não havia reajustes. Na semana passada, aprovamos a reestruturação do órgão, que, se for confirmada pelo presidente da República, também vai nos propiciar vários cargos novos. Estamos fortalecendo a autarquia para que ela cumpra a sua missão frente a um desafio de 505 anos. Também estamos buscando muitas parcerias com governos estaduais e municipais, universidades e Embrapa.

Como o contingenciamento de R$ 2 bilhões no orçamento do MDA vai atingir o Incra?
Em 2004, iniciamos o ano com um orçamento de R$ 1,4 bilhão e gastamos R$ 2,2 bilhões, porque fomos suplementados. Gastamos 84% do orçamento total do Incra. Só com obtenção de imóveis rurais, começamos com R$ 400 milhões e gastamos cerca de R$ 1 bilhão. Estamos recuperando a capacidade operacional do órgão e um dos termômetros para isso é a capacidade de gastar o dinheiro.
Em 2005, a Lei Orçamentária destinou R$ 3,4 bilhões para o Incra, sendo que R$ 764 milhões para obtenção de imóveis rurais – precisamos ser suplementados em mais R$ 600 milhões para atingir a meta deste ano. Se não houver descontingenciamento e suplementação mais adiante, nossas metas vão ser afetadas, não só de assentamento como também de assistência técnica, infra-estrutura, estradas, créditos. Qual é a nossa expectativa? Que, ao longo do ano, sejamos descontingenciados e suplementados para atingir nossas metas. No momento, temos recursos para gastar. Nosso desafio é usar nossa capacidade para gastar esses recursos.

Que tipo de apoio o Incra tem dado aos chamados assentamentos sustentáveis, no Pará e na Amazônia?
Temos de acabar com os assentamentos isolados em todo o País e especificamente na Amazônia. Estamos trabalhando com mais de 6 mil assentamentos em todo Brasil, centenas nessa região e muitos deles isolados a ponto de não ter estrada de acesso. Uma das formas de lidar com essa situação é estreitar nosso trabalho com o Ibama, com os governos estaduais para que, com o zoneamento ecológico-econômico, se faça o ordenamento fundiário. Aí o Pará e Rondônia se destacam, pela precariedade e pela inexistência do ordenamento ecológico-econômico. A partir do zoneamento, estamos identificando o que é terra privada e o que é terra pública. Quando for terra pública qual é o destino correto – proteção ambiental, assentamentos etc. Já estamos implantando os assentamentos florestais que, com o manejo, trarão renda e cidadania.

O que está sendo feito hoje em relação a estes assentamentos?
Estamos recuperando. Como? Com infra-estrutura básica, integrando-os à economia local, com preservação e recuperação ambiental. Para que eles sejam viáveis. Estamos tentando agregar valor aos produtos. Em um assentamento que visitei no Amazonas, criaram uma máquina para produzir energia a partir da casca do cupuaçu, por exemplo.

Sobre o pacote ambiental anunciado pelo governo, qual está sendo a atuação do Incra?
Nossa tarefa principal no Pará é o ordenamento fundiário, o recadastramento de todos os imóveis rurais. Nós estamos fazendo na BR-163 e vamos esticar na Transamazônica. Vamos georreferenciar mais de 16 milhões de hectares. Para se ter uma idéia, o Pará tem 125 milhões de hectares. Existem, no estado, cerca de 10 milhões de hectares de áreas arrecadadas pela União e 8 milhões de hectares de assentamentos.

Por que o governo desapropriou várias áreas em Anapu só depois do assassinato da irmã Dorothy?
Não. O que ocorreu é que ganhamos várias liminares, decisões judiciais que nos devolveram várias áreas que já eram da União. Estamos retomando essas terras para os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS).

Houve mudanças na atuação do Incra na região depois do crime?
Estamos dando continuidade ao nosso trabalho. Temos aqui um CD aonde os trabalhadores da região, a irmã Dorothy, já vinham destacando o trabalho do Incra, com a retomada de terras públicas e a criação dos PDS.

Existe algum tipo de ação do governo para garantir assistência e segurança jurídica das populações tradicionais sobre suas terras enquanto não são implantados os projetos de desenvolvimento sustentável?
Esperamos que essas populações se organizem em associações e cooperativas para que as políticas públicas possam chegar até elas. Políticas de crédito, de assistência técnica, de parcerias com prefeituras e governos estaduais para implantar infra-estrutura na região. O que cabe ao Incra é reconhecer se essas populações estão em áreas da União e viabilizar essas políticas públicas.

Mas antes de reconhecer as terras, de regularizar a situação fundiária, existem ações que já estão sendo feitas?
Já existem crédito, assistência técnica e viabilização da comercialização da produção com programas de compra. Mas para isso é fundamental a parceria com os governos estaduais e municipais. Em muitos municípios, já existem feiras de produtos. O município tem de se organizar para fazer a compra dos produtos dessas regiões.

O que o Incra tem feito para implementar a Portaria Conjunta nº 10 - Incra e MDA - de dezembro de 2004, que estabeleceu prazos para o cadastramento de imóveis rurais?
O primeiro objetivo da portaria é identificar as posses em terras da União na Amazônia Legal. O segundo objetivo dependerá de uma decisão de governo e é saber como será feita a regularização dessas posses ou não. Nós já temos estudos, mas isso ainda está sendo discutido pelo governo. O que já aconteceu até agora? Como esperávamos, poucos posseiros ou supostos proprietários apresentaram a documentação. Das posses acima de 400 hectares, quase ninguém apresentou documentos (o prazo para essas propriedades era 31 de janeiro). Em decorrência disso, já cancelamos, quer dizer, “inibimos” mais de 10 mil certificados de posse só no Pará. Ainda há tempo para as pessoas apresentarem essa documentação, provarem que estão lá há 20, 30 anos. Isso evidencia a grilagem de terras na região e a orientação das assessorias jurídicas dos grandes grileiros de não apresentarem a documentação porque eles não a têm. Na minha avaliação essa inibição é uma ação forte do Estado... Até porque temos a obrigação legal de identificar a ocupação em terras da União em todo o País.

Afinal, de quem é a atribuição de georreferenciar?
Do Incra. Não, a atribuição não. O Incra tem de georreferenciar todas as terras da União. Cabe a quem se diz posseiro ou proprietário apresentar ao Incra os seu dados, tanto os descritivos como o georreferenciamento. O Incra faz o georreferenciamento das propriedades de até 100 hectares.
Uma das principais reclamações de posseiros da região é de que tanto os prazos para georreferenciar quanto as condições materiais para fazê-lo são muito complicados. A portaria exige um tipo de georreferenciamento especial. Existem informações de que estariam cobrando até R$ 80 mil para fazer o serviço.
Nesse caso, encontramos de tudo. Se for problema de prazo, que se dirijam à superintendência do Incra e digam: “Está aqui a minha planta, mas preciso de mais dois meses para georreferenciar”. Não há problema nenhum. Mas também existe uma orientação de vários setores que não querem a legalização, então, não vão fazer. Além disso, também existe uma cartelização de técnicos e associações que estão cobrando muito caro para fazer este trabalho. Já estamos negociando com as associações, com o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), com os engenheiros, para viabilizar o georreferenciamento de uma forma mais barata. Mas não temos nenhuma dúvida de que é preciso que isso seja feito. A divisa não pode mais ser rio, a montanha, a árvore, tem de ser o ponto geodésico.

Os prazos estabelecidos pela portaria [31 de janeiro para propriedades acima de 400 hectares e 31 de março para as que têm menos de 400] não são irreais?
Não no sentido em que estamos trabalhando. Num primeiro momento, queremos identificar as posses em terras da União e quem não vem nós estamos cancelando. À medida que as pessoas chegam ao Incra, nós vamos negociando caso a caso e dando mais prazo.

O governo já abriu um precedente em relação às exigências da portaria, ao reavaliar os planos de manejo no Pará, em conseqüência da mobilização ocorrida em janeiro, em Novo Progresso (PA). Existe alguma possibilidade de haver uma orientação diferente no caso de outras atividades, como a agricultura ou a pecuária?
No caso do Ibama, foram retomados planos de manejo cancelados que já haviam sido aprovados, que já haviam sido considerados aptos. Em relação aos outros casos, não existe orientação diferente. O que estamos fazendo é procurar os governos estaduais, principalmente do Pará, de Rondônia e de Roraima, para que façam o zoneamento econômico-ecológico. Este é o ponto de partida. Com base nisso, pode ter regiões para manejo sustentável, para grãos, para pecuária. O Incra não vai conceder mais documentos para viabilizar desmatamentos. Temos que acabar com a grilagem, mas também com o desmatamento. Aqui, gostaria de destacar um ponto: temos de separar a oferta de madeira, o manejo sustentável da floresta, da propriedade e do uso da terra. Porque a grande grilagem quer misturar isso: “ah, eu quero só licenciamento para desmate, mas eu também fico na área, depois vem a pecuária e o grão”. E a destruição do meio ambiente. Temos de cortar este elo. Na maioria dessas regiões, com base nos dados que já temos – são mais de 700 “imóveis” (supostas posses) recadastrados na BR-163 – todos estão em terras da União e com mais de 2,4 mil hectares. E na maioria dos casos, do pai, do filho, do tio, do primo. O que evidencia uma ocupação irregular e ilegal.

O ministro da Agricultura, Miguel Rosseto, disse que haveria uma “ampliação permanente da capacidade de trabalho” do Incra no Pará. Como isso vai acontecer?
Como em todo o País, o que precisa haver na região é a presença física do Estado. Tanto é que toda nossa atuação no Pará está se dando com o apoio logístico do Ministério da Defesa. Também precisamos fortalecer o Incra na região. Hoje, temos poucos funcionários e pouco equipamento. Queremos trabalhar com mais de 80 equipes na região, principalmente nos eixos da BR-163 e da Transamazônica. Queremos criar a superintendência do Oeste do Pará. Vamos reestruturar o órgão. A sede, provavelmente, será em Altamira. Estamos prestes a conseguir a autorização para chamar mais 300 funcionários aprovados no concurso do ano passado. E remanejar mais equipamentos e pessoas para essas regiões.

Existe uma estimativa em termos de funcionários e orçamento destinados só para a região do Pará?
Ainda precisamos da autorização. Já temos estudos, mas não estou com eles aqui. O Incra já sabe o que precisa.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)
Foto: Divulgação

 
 
 
 

 

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