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CNRH TENTA ESTIMULAR A
COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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21/03/2005 Resolução
aprovada ontem pelo Conselho Nacional de Recursos
Hídricos regulamenta a cobrança pelo
uso da água, prevista em Lei Federal desde
1997. A cobrança visa aumentar o controle
sobre a captação e contaminação
dos rios brasileiros. A resolução
deve estimular a adoção da cobrança,
que vem sendo evitada pelos estados - apenas o Ceará
a realiza e em São Paulo, por exemplo, a
legislação sobre o tema está
para ser votada há 7 anos. No Dia Internacional
da Água, o ISA tenta explicar as razões
dessa paralisia.
O descaso com a gestão integrada dos recursos
hídricos do País sempre foi uma característica
da legislação brasileira. A primeira
lei sobre o assunto, o Código de Águas,
de 1934, priorizava a utilização dos
rios brasileiros para a produção de
energia elétrica. Não valorizava os
demais usos possíveis para a água,
como o abastecimento público. Essa visão
estreita só se alterou em 1997, quando a
Lei Federal nº 9.433 estabeleceu a Política
Nacional de Recursos Hídricos (PNHR). Entre
as inovações se destacam a adoção
do conceito de bacia hidrográfica como unidade
de gestão dos recursos hídricos, a
valorização dos múltiplos usos
da água -tais como abastecimento e saneamento
público, transporte e irrigação
- e o reconhecimento da água enquanto valor
econômico.
Um dos principais objetivos por trás destas
mudanças é alterar a forma como empresários,
gestores públicos e a população
brasileira utilizam a água doce do País,
induzindo um uso mais racional do recurso, para
que índices como os de desperdício
e contaminação caiam e os de abastecimento,
saneamento e pureza, subam. A nova política
para a água veio fortalecer a gestão
descentralizada de cada bacia hidrográfica
por parte de seus respectivos comitês, subcomitês
e agências, e instituiu a cobrança
pelo uso do recurso como um dos principais instrumentos
de atuação destes órgãos.
A cobrança é uma forma de administrar
a exploração dos recursos hídricos
federais e estaduais para a geração
de fundos que permitam investimentos na preservação
dos próprios rios e bacias.
Nos países em que vigora, como França,
Inglaterra e Alemanha, a lei tem o efeito benéfico
de induzir as empresas que captam água diretamente
dos rios, como as responsáveis pelo abastecimento
e saneamento público, a fazê-lo com
maior eficiência - e, conseqüentemente,
disponibilizá-la em quantidades maiores para
a população. Tendo que pagar pela
água captada, as empresas reformam tubulações
pelas quais ocorrem vazamentos de grandes proporções.
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos
também provoca um maior rigor no controle
sobre os efluentes despejados nos rios.Isso porque
a legislação sobre a cobrança
pelo uso da água se baseia no conceito de
usuário-pagador, no qual se incluem todos
os que utilizam recursos naturais para a produção
industrial, sua comercialização e
consumo. É o caso de empresas de abastecimento
e de indústrias que trabalham com água
no processo produtivo. Dentro deste conceito, existe
a categoria de poluidor-pagador, na qual se enquadram
os setores industriais e agrícolas que, além
de captar a água, a devolvem para suas bacias
em qualidade inferior à original.
Todo mundo
quer usar, mas ninguém quer pagar
Há sete anos
prevista em lei federal, infelizmente a experiência
da cobrança pelo uso da água no Brasil
é pouco disseminada nos estados. O primeiro
a instituí-la foi o Ceará, que em
1998 adotou um modelo próprio, com taxação
apenas sobre a captação e com um órgão
centralizador na gestão dos recursos. Em
2003, o Rio de Janeiro aprovou legislação
a respeito, mas o dinheiro até hoje captado
não foi gasto. Isso porque como a lei de
cobrança foi formulada e aprovada em tempo
recorde – sua tramitação na Assembléia
Legislativa fluminense levou 3 dias – sua execução
começou antes mesmo de haver um plano estadual
de bacias. Portanto, o montante arrecadado em 2004
está parado em um fundo, à espera
de destinação. Dois anos antes dos
deputados fluminenses, a Agência Nacional
de Águas (ANA) determinou a cobrança
pelo uso das águas do rio Paraíba
do Sul, cuja bacia está localizada nos estados
de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A experiência do Paraíba do Sul, cuja
água está comprometida pelo despejo
de toneladas de produtos químicos em boa
parte de seu curso, é a mais próxima
do que se projetou para a cobrança pelo uso
d´água no Brasil e serve como parâmetro
dos efeitos benéficos da prática.
A resolução aprovada ontem, 21 de
março, visa exatamente reproduzir o modelo
do Paraíba do Sul em outras bacias hidrográficas
do País. Dá critérios de cobrança
e estabelece prioridades de investimento para os
comitês das bacias. O CNRH prevê que,
ainda em 2005, os usuários dos rios Piracicaba,
São Francisco e Rio Verde - todos federais
- deverão ser cobrados pela captação
e poluição das águas. Ainda
assim, a cobrança nos rios estaduais, e nos
afluentes estaduais dos rios e bacias federais,
segue dependendo das aprovações de
leis nos estados, onde encontra enorme resistência.
O estado de São Paulo, cujas bacias hidrográficas
estão entre as mais sobrecarregadas do País
e acumulam décadas de poluição,
ainda não tem lei que regulamente o pagamento
pela exploração dos rios. O projeto
de lei que trata do assunto tramita desde 1998 na
Assembléia Legislativa paulista e sua votação
virou uma espécie de novela cujo final feliz
é sempre adiado.
O pioneirismo cearense na cobrança pelo uso
da água se deu por pura necessidade, já
que o estado convive com escassez histórica
de recursos hídricos. Seus rios são
todos intermitentes – secam por longos períodos
do ano. “A necessidade de gestão, controle
e manipulação dos recursos, portanto,
sempre esteve entre as prioridades do governo local”,
afirma Francisco Viana, superintendente de outorga
e cobrança da Agência Nacional de Águas
(ANA).A cobrança no Ceará incide apenas
sobre a captação de água e
não sobre a poluição dos rios.
Além disso, o estado criou uma agência
estadual de águas, que gere a aplicação
dos recursos e determina os valores a serem cobrados,
enfraquecendo o papel dos comitês de bacia.
Francisco Viana, que trabalhou no projeto cearense
de cobrança, afirma que, desde sua implantação,
as principais cidades do estado deixaram de sofrer
com problemas de abastecimento, mesmo em períodos
de seca prolongada. E que a operação
e a manutenção da infra-estrutura
hídrica do estado puderam ser melhoradas
para garantir água em quantidade suficiente
a todos.
Apoio aos
comitês e indução à boas
práticas
A cobrança
no rio Paraíba do Sul teve início
em 2001 e, ao contrário da realizada no Ceará,
incide também sobre a diluição
de poluentes, além da captação.
Baseado na Lei Federal, o comitê da bacia
local determinou que o valor a ser pago pela captação
da água sem devolução é
de R$ 28,00 para cada mil metros cúbicos
retirados dos rios. Se a empresa que captou a água
a devolver limpa, pagará R$ 8,00 por mil
metros cúbicos. E, portanto, quanto mais
poluída for a água devolvida, maior
será o valor a ser pago pelo usuário
do recurso.
Por se tratar de um rio federal, a captação
dos recursos está sob responsabilidade da
ANA. A agência, em conjunto com o comitê
da bacia, utiliza os recursos para viabilizar um
programa de investimentos para recuperação
e preservação de toda a bacia hidrográfica
do Paraíba do Sul, cujas águas abastecem
cerca de 13 milhões de brasileiros - 8 milhões
dos quais vivem na região metropolitana do
Rio de Janeiro. As principais obras projetadas dizem
respeito à coleta e tratamento de esgoto
urbano e industrial. Atualmente, são lançados
cerca de 1 bilhão de litros de esgoto por
dia na bacia do Paraíba do Sul. E as mais
de 8 mil indústrias que dela retiram água,
dão em troca o despejo de 30 milhões
de toneladas de resíduos a cada dia.
O plano de recursos hídricos da bacia do
Paraíba do Sul prevê o investimento
de R$ 150 milhões anuais, durante vinte anos,
para a recuperação de seus rios. Em
2004, a cobrança no Paraíba do Sul
gerou recursos da ordem de R$ 6 milhões.
A maior parte deste total vem da contribuição
das empresas de saneamento básico. A cobrança,
portanto, não tem capacidade de cobrir todas
as necessidades previstas. E ainda encontra resistência
de grandes usuários. “A Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN) contesta na Justiça os valores
cobrados e tem realizado os depósitos somente
em juízo”, afirma Francisco Viana, da ANA.
Ele estima que o valor total arrecadado pela ANA
no ano passado seria dobrado caso contasse com o
dinheiro disputado pela CSN.
Mesmo que a quantia arrecadada para recuperar o
Paraíba do Sul fosse multiplicada por dois,
ainda assim estaria longe dos R$ 150 milhões
necessários. Por isso, a engenheira Marilene
de Oliveira Ramos Múrias dos Santos, especialista
em recursos hídricos da Fundação
Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ),
aponta que, como instrumento de arrecadação,
a lei de cobrança pelo uso da água
não deve ser vista como solução
para o financiamento da recuperação,
preservação e gestão sustentável
das bacias hidrográficas. “O efeito da lei,
pelo exemplo prático do Paraíba do
Sul, tem um importante aspecto educativo e de sensibilização”,
garante a especialista. Como exemplo, Marilene cita
diversos pedidos de revisão de outorgas por
parte de empresas para diminuir, nos contratos firmados
com a ANA, a quantidade de água consumida.
A experiência do Paraíba do Sul mostra
que a taxação sobre a água,
ainda que tenha impacto limitado na geração
de recursos para a recuperação de
bacias seriamente degradadas, possibilita o efetivo
funcionamento dos órgãos de planejamento
e fiscalização, como os comitês
de bacia. E carrega consigo um importante aspecto
educativo, ao apresentar uma agenda positiva para
as empresas renovarem seus equipamentos e tecnologia
com o objetivo de reduzir o desperdício de
água.
A novela
paulista
A população
do estado de São Paulo, porém, ainda
convive com práticas irresponsáveis
na gestão hídrica, tanto pelas indústrias
como pelas companhias de abastecimento. E sofre
as conseqüências do uso insensato, ao
conviver com a ameaça constante de racionamento
de água e com rios extremamente poluídos,
como o Tietê e o Pinheiros, antigos mananciais
da cidade de São Paulo. A Região Metropolitana
de São Paulo, habitada por 18 milhões
de pessoas, vive um quadro dramático decorrente
da baixa disponibilidade hídrica - natural
da região, localizada nas cabeceiras do rio
Tietê - aliada à intensa poluição
de seus recursos hídricos. Por isso, a região
opera no limite de sua capacidade de abastecimento
e só fornece água para sua população
porque a importa de bacias do interior do estado
e de Minas Gerais.
Com tantos problemas relacionados à água,
a população paulista assiste desolada
a tramitação da lei de cobrança
pelo uso da água na Assembléia Legislativa
do estado. Em 1998, o então governador Mário
Covas encaminhou o Projeto de Lei nº 20/98.
No Legislativo, o projeto recebeu centenas de emendas
e voltou para o gabinete do governador. O projeto
foi refeito e, desde 2000, tramita sob o número
676/00 no legislativo paulista sem ir à votação.
A omissão dos deputados atinge também
os projetos de lei específicos para os mananciais
do estado. O primeiro projeto apresentado, que ordena
o uso do solo e estabelece áreas de recuperação
e proteção ambiental para a bacia
hidrográfica do Guarapiranga – um dos principais
e mais comprometidos mananciais da Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP) – está
travado na assembléia do estado desde fevereiro
de 2004.
O Projeto de Lei sobre a cobrança pelo uso
da água em São Paulo apresenta algumas
singularidades que visam estimular o uso racional
da água, ao invés de transformar a
cobrança pelo seu uso em mais um imposto.
Além de fixar valores a serem cobrados pela
utilização dos recursos hídricos,
o projeto prevê sanções caso
o pagamento não seja efetuado. Também
estabelece incentivos e descontos aos usuários
que devolverem a água em qualidade superior
à captada. Permite também que empresas
e outros órgãos e entidades, cujas
atividades dependam do uso da água, poderão
executar ações de recuperação
e preservação de rios, previstas no
Plano Estadual de Recursos Hídricos, com
o dinheiro arrecadado pela lei de cobrança.
A professora Marilene dos Santos, da FGV-RJ, estima
que a execução da lei em São
Paulo geraria recursos da ordem de R$ 420 milhões
ao ano. Valor expressivo, mas ainda inferior aos
R$ 594 milhões previstos pelo Plano Estadual
de Recursos Hídricos que vigorou até
2003. “Isto porque cerca de 29% dos recursos arrecadados
deveria vir do setor agrícola, que tende
a ser isento ou a pagar valores muito reduzidos,
diante do forte lobby do setor contra a aprovação
da cobrança”, explica Marilene em sua tese
de doutorado sobre a lei de cobrança pelo
uso da água, defendida na Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
A aprovação da lei em São Paulo
geraria recursos que seriam destinados ao Fundo
Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) que,
por sua vez, repassaria os valores correspondentes
aos comitês de bacia nos quais o dinheiro
havia sido arrecadado. “O fortalecimento dos comitês,
compostos por representantes da sociedade civil
e de governos locais e estadual, não interessa
a muita gente”, afirma o deputado estadual Sebastião
Almeida (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar
em Defesa da Água, da Assembléia Legislativa
paulista. O deputado confirma que o projeto desagrada
a uma série de setores econômicos,
principalmente grupos empresariais e agrícolas.
Estes grupos estariam pressionando parlamentares
a alterar o projeto a ponto de desfigurá-lo
com emendas, como a proposta de isenção
de pequenas e médias empresas e pequenos
agricultores, a proposta de isenção
do setor elétrico e a definição
de um teto máximo a ser cobrado pelo lançamento
de esgoto nos rios.
As negociações para a inclusão
das emendas no texto final do PL não avançaram,
mas impediram que o projeto fosse levado para o
plenário. “Apesar dos lobbies, o principal
entrave para a aprovação da lei é
a falta de vontade política por parte do
próprio governo do estado”, afirma Almeida.
O parlamentar lembra que a Política Nacional
de Recursos Hídricos prevê que a lei
de cobrança pelo uso da água possa
ser baixada por decreto pelos governadores estaduais.
“A situação só poderá
ser alterada com uma pressão constante por
parte da sociedade civil, motivada pela atuação
dos próprios comitês de bacia”, acredita.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)