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PARA A SABESP, INCORPORAR
NOVOS MANANCIAIS SERÁ INEVITÁVEL
PARA ABASTECER SÃO PAULO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) Brasil
Março de 2005
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23/03/2005 Em entrevista
ao ISA, por ocasião do Dia Mundial da Água,
Ricardo Araújo, diretor da Companhia de Saneamento
Público do Estado de São Paulo (Sabesp),
faz um balanço da situação
dos mananciais da Região Metropolitana de
São Paulo (RMSP) e das políticas públicas
realizadas para melhorar a qualidade de suas águas.
Rebate críticas sobre a falta de planejamento
da empresa e diz que a incorporação
de novos manancias é inevitável para
suprir a demanda de água da RMSP.
A Companhia de Saneamento Público do Estado
de São Paulo (Sabesp) é a maior empresa
de abastecimento e saneamento do Brasil. Atende
368 municípios paulistas, incluíndo
os 39 da Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP), onde vivem 18 de seus 25 milhões
de clientes. A empresa controlada pelo governo
estadual, mas de capital aberto e com ações
negociadas inclusive na Bolsa de Valores de Nova
Iorque - consegue tratar 100% da água que
oferta para a população, mas tem um
índice bem menor em relação
ao esgoto tratado: 62%. Além de aumentar
esse índice, a Sabesp tem entre seus desafios
o de recuperar a qualidade da água dos mananciais
da RMSP, combater o desperdício do sistema
de abastecimento estimado em 20% - e evitar o
aumento do custo da água para o consumidor.
A empresa sofre críticas constantes em relação
à falta de planejamento e de transparência
na gestão da água da RMSP historicamente
escassa e de qualidade comprometida pelo elevado
grau de poluição de seus mananciais.
A Sabesp prima pelo desperdício e deveria
ser privatizada, senão a água custará
cada vez mais caro, desfere o professor Aldo Rebouças,
pesquisador do Instituto de Estudos Avançados
da Universidade de São Paulo (USP), uma das
maiores autoridades em recursos hídricos
do País. Rebouças e outros especialistas
afirmam que as campanhas da Sabesp pela economia
de água são ações emergenciais
e que a empresa deveria trabalhar mais para que
leis que estimulam o uso racional da água
e o controle sobre os recursos hídricos sejam
aprovadas.
No ano passado a empresa deu uma amostra de sua
dificuldade em induzir o uso racional da água
à longo prazo. Em março de 2004, encampou
uma campanha para que a população
da RMSP reduzisse seu consumo de água em
pelo menos 20%. Quem atingisse a meta ganharia um
desconto de 20% na conta de água e esgoto.
A campanha foi um sucesso, com mais de 50% da população
atingindo a meta mas, ainda assim, foi interrompida
sob o argumento de queda acentuada de receita. Vivemos
de fato um paradoxo, assume Ricardo Araújo,
diretor da empresa. Membro da Diretoria Metropolitana
de Distribuição, Araújo rebate
as críticas e tece um diagnóstico
sobre a situação hídrica da
RMSP na seguinte entrevista, concedida ao ISA por
ocasião do Dia Mundial da Água.
ISA - Qual a avaliação
que a Sabesp faz da situação dos mananciais
da Região Metropolitana de São Paulo?
Ricardo Araújo - Em primeiro lugar, a Sabesp
se serve de diversos mananciais para o abastecimento
da região metropolitana. Do ponto de vista
da quantidade, nós temos um problema estrutural,
porque há uma contradição entre
as dimensões da aglomeração
urbana da Grande São Paulo são mais
de 18 milhões de habitantes e a região
de cabeceira do rio Tietê, que tem disponibilidade
hídrica relativamente baixa. Em função
disso, hoje praticamente metade do abastecimento
público da cidade depende da captação
que é feita fora da região metropolitana.
Então temos uma restrição quantitativa.
A favor da sustentabilidade metropolitana existe
um fato de que as taxas de crescimento populacional
decaíram muito nas últimas duas décadas.
De toda forma, há ainda uma demanda crescente
pela frente e a Sabesp tem que saber como lidar
com ela.
Quais são
os casos mais graves?
Nós temos os casos mais flagrantes que são
os reservatórios urbanos, Guarapiranga e
Billings. Estes são afetados por usos urbanos,
o que é inexorável. Segundo o Censo
de 200, temos 1,6 milhões de pessoas nas
duas bacias de drenagem; são reservatórios
que, fosse outra a situação do ponto
de vista das diretrizes ambientais, do ponto de
vista econômico e financeiro, talvez fosse
aconselhável abandoná-los. Mas não
é esse nosso propósito. Nosso Plano
Diretor não trabalha a hipótese de
abandonar nenhum manancial. Ao contrário,
trabalha com a incorporação de novos
mananciais, em geral de pequeno porte, para atender
a demanda que teremos até 2020, calculada
em mais 3,5 milhões de pessoas em uma prevista
otimista. O cálculo pessimista prevê
mais 5 milhões de pessoas. A idéia
é manter todos os mananciais e acrescentar
novos. Ou seja, temos restrições de
natureza quantitativas e qualitativas, ambas estruturais
e permanentes. E não serão resolvidas.
O problema da quantidade talvez seja resolvido quando
a população da região metropolitana
chegar num ponto de saturação. Do
ponto de vista da qualidade nós temos um
problema de longo prazo que temos que lidar com
criatividade para que não sejamos dominados
por ele.
Observando a trajetória
do abastecimento da região metropolitana
percebe-se que a captação da água
foi sendo feita em reservatórios localizados
cada vez mais distantes da metrópole. Isso
encarece o custo da água. Essa trajetória
é reversível?
Ninguém sobrevive impunemente a uma região
metropolitana com 18 milhões de habitantes,
a quarta concentração populacional
do mundo. Se tivéssemos uma situação
física como Buenos Aires, não teríamos
muito problema. Buenos Aires fica ao lado do rio
da Prata, que recebe todas as contribuições
das bacias do Paraná e do Paraguai. Tem água
em volume e em qualidade adequados. Já nossa
situação é completamente distinta.
Um reservatório como o Guarapiranga, que
estava completamente distante em 1908, agora está
no interior da malha urbana. Por isso acredito que,
a esta altura, tem certos custos que são
inevitáveis. Por isso temos que capta água
de longe, como do sistema Cantareira que, em princípio
não é uma captação tão
cara no reservatório. Mas o bombeamento para
São Paulo é que é muito caro.
Tanto que energia elétrica é o segundo
ítem do orçamento da Sabesp, que despende
2,5% da energia elétrica consumida no estado
de São Paulo com seus sistemas operacionais
de água e esgoto.
Existe a possibilidade
de se abandonar a Guarapiranga em razão do
alto custo de tratamento?
Nós nem consideramos essa hipótese
como real. O sistema Guarapiranga nos custa caro
do ponto de vista de tratamento com produtos químicos?
Custa, mas substituir o sistema por outro vai custar
muito mais caro. E vai ter impactos ambientais que
a sociedade não vê com bons olhos,
como construir novos reservatórios em áreas
de mata virgem. Se formos substituir, apenas em
hipótese, a água do Guarapiranga
do qual captamos 14 metros cúbicos por segundo
, vamos ter que buscar água no rio Juquiá,
que tem um desnível de 500 metros em relação
à RMSP. O custo de energia elétrica
somado ao de implantação, como barragens,
tubulações, elevatório, impactaria
de forma brutal a tarifa e a população
pobre não poderia pagar. Aí nossa
meta de universalização do atendimento
da água que nós já cumprimos
ficaria ameaçada.
Mas essa meta já
não está comprometida?
Não, porque a população consegue
pagar, nossos índices de inadimplência
são baixos e usuais numa sociedade como a
nossa. Mas temos que ter muita cautela e não
exagerar, afinal isso aqui é um monopólio,
que tem mais poder de arbitrar seus preços,
apesar da regulação externa que existe.
A Sabesp não tem um órgão regulador
sobre ela, mas tem a opinião pública,
tem o Procon, o Ministério Público,
a Secretaria do Meio Ambiente. O que não
falta, de certa forma, é regulação.
Os custos do Guarapiranga são altos? São,
mais seria pior abandoná-lo à poluição
e buscar novos reservatório. Por isso vamos
fazer das tripas coração para não
perder o manancial.
Dentro de dez anos
a população paulistana vai estar bebendo
água de onde?
Dos mesmos mananciais atuais e de novos que esperamos
acrescentar ao sistema. Estamos discutindo quais
serão eles. Entre eles, alguns pequenos que
não representam custo elevado. Nossa esperança
é que a população não
cresça muito, pois em caso de vazões
maiores os custos sem dúvida seriam outros.
Aí teríamos uma situação
diferente. A companhia teria condições
de buscar água distante, e em grande quantidade,
mas isso impactaria nas tarifas de forma anti-social.
Por enquanto temos nossas contas fechadas, mas temos
que gerenciar as coisas com cuidado, senão
podemos ter problemas.
A Lei Específica
da Guarapiranga, cujo Projeto de Lei está
empacado na Assembléia Legislativa do estado,
visa a proteção e recuperação
do manancial. A Sabesp é criticada por não
atuar junto ao governo do estado para a aprovação
da lei. A empresa precisa ser mais atuante?
Em primeiro lugar essas críticas não
têm nenhum sentido. Eu sou um dos pais da
Lei Específica do Guarapiranga. Trabalhei
nela em nome da Sabesp. O Programa Guarapiranga,
de onde surgiu a idéia da lei, nasceu aqui
dentro. As idéias são nossas e o Programa
Guarapiranga é responsável pelo rompimento
da inércia do setor público em relação
aos problemas dos mananciais. A legislação
que vigorava desde a década de 70 não
dava conta do processo de ocupação
das áreas e nós inovamos ao estabelecer
relação direta entre uso do solo e
qualidade da água.
Mas o Programa Guarapiranga
prevê a Lei Específica. Qual é
a atuação da Sabesp junto ao governo
do estado para que ela seja aprovada e leve o programa
a atingir seus objetivos?
Eu já estive na Assembléia Legislativa
tratando do assunto e participei de Audiências
Públicas explicando o Projeto de Lei. A Sabesp
tem consciência muito mais avançada
do que outros órgãos sobre a dificuldade
de lidar com esse negócio chamado de cidade
informal. A nossa legislação urbana
é quase toda voltada para a cidade formal,
que segue um padrão urbano mínimo.
Mas a cidade não é assim e, apenas
muito recentemente, apareceram iniciativas para
tratar com essa cidade informal de maneira mais
criativa. É o caso do Estatuto da Cidade
e do PL específico do Guarapiranga, que visa
lidar com uma ocupação que não
segue regras e que afeta diretamente a qualidade
dos recursos hídricos. Colaboramos inclusive
na urbanização de uma favela pela
Prefeitura. Porque a urbanização de
favelas não é um fim em sim para os
mananciais, mas um instrumento para se fazer saneamento
de fundo de várzea. E só tinha sentido
urbanizar se o projeto permitisse implantar rede
de esgoto e de drenagem em todos os imóveis.
Hoje, nas favelas urbanizadas, mais de 80% dos imóveis
estão conectados à rede de esgoto,
enquanto na vizinhança, por falta de renda
ou porque é mais fácil fazer uma fossa
negra inadequada, se consegue um percentual de conexões
muito menor.
O Programa Guarapiranga
atingiu seus objetivos?
Eu tenho uma avaliação positiva do
programa, embora ele tenha problemas e tenha vantagens.
Ele nunca se propôs a criar um oásis
e nem a operar um milagre na qualidade da água
do Guarapiranga. Tanto que foi desenvolvido de forma
discreta pois sabíamos que estávamos
lidando com uma situação diferente.
Não existe nenhuma situação
conhecida no mundo de ocupação urbana
complicada, num reservatório que abasteça
3,5 milhões de pessoas, e que se encontre
num estado de degradação causado por
milhares de fontes emissoras de poluição.
Por isso o objetivo do programa era manter a água
em condições operacionais de tratamento.
Hoje a qualidade da água está estacionária,
embora a população tenha crescido
muito. Por outro lado, sabemos operar melhor aquela
área e as manifestações de
algas que ocorriam na década de 90 não
se repetiram mais. Mas essa não é
uma batalha ganha. Vai continuar a ser travada nas
próximas duas décadas.
Quais ações
devem ser priorizadas?
Temos que perseverar no mesmo caminho, que é
uma combinação de várias ações,
como estudar a qualidade da água para manejá-la
melhor, colocar infra-estrutura pública
e não apenas de saneamento e trabalhar
para conter a ocupação, porque não
adianta melhorar a situação de urbanização,
reduzir a densidade nas áreas mais próximas
ao reservatório e empurrar a população
para o sul da bacia. Tem que fiscalizar, tem que
investir em tecnologia de tratamento da água,
seja de tratamento da água bruta dos córregos
o que o programa fez pouco seja na própria
estação de tratamento. E usar da criatividade
para vencer problemas que não superamos,
como a questão do lixo. Claramente o poder
público não foi criativo para lidar
com isso. Continua muito apegado às formas
convencionais de coleta de lixo. Nós não
conseguimos nos convencer, e convencer os órgãos
municipais, a criar padrões de coleta que
sejam complementares ao sistema convencional. Da
mesma forma, durante a formulação
do Programa Guarapiranga, não havia convencimento
pleno dos técnicos de que só o sistema
convencional de esgoto desse conta da poluição
do esgoto doméstico.
Por quais razões?
Primeiro que as casas não têm sistema
separador absoluto de esgoto e drenagem. Normalmente
isso está misturado. E segundo porque quando
você passa para o sistema de esgoto, especialmente
em áreas pobres e de topografia mais complicada,
muitos imóveis deixam de estar ligados porque
estão abaixo do nível da rua teoricamente
deveriam estar ligados pela rede de baixo, mas não
o fazem, porque o vizinho só permite que
ele passe com um cano pelo seu terreno. Esse cano
junta esgoto e drenagem e você não
saber para onde vai pode ir para nossa rede, o
que é um prejuízo, porque vem com
água de chuva e pode ir para o sistema de
drenagem, o que é um prejuízo para
a represa. Temos muitos problemas deste tipo em
razão da desorganização espacial.
Então temos que fazer pré-tratamento
das águas dos córregos, além
de implantar sistema convencional de esgoto.
A cobrança
pelo uso da água que fortalece os comitês
de bacia é outro Projeto de Lei parado
no legislativo paulista. Essa lei não interessa
à Sabesp?
Não é a Sabesp que tem que se interessar,
mas sim a sociedade, representada pelos deputados.
A Sabesp é uma usuária da água.
Como usuária, ela será cobrada e onerada
por isso. Mas isso não constitui nenhum problema,
desde que a cobrança constitua um fundo que
sirva para controle da poluição. Nós
seremos usuários do fundo também.
O que me parece que esta brecando a aprovação
da lei não é uma inação
da Sabesp. É que,independentemente do que
seja a cobrança pelo uso da água do
ponto de vista legal uma taxa, um imposto ou uma
contribuição , o fato é que
vivemos num País de carga tributária
muito elevada e me parece que os deputados não
se sentem à vontade para estabelecer um novo
ônus à população. Além
do que a Sabesp participou de todas as discussões
e não tem impedimento em relação
ao tema. Tanto que na bacia do rio Piracicaba, onde
se renovou a outorga agora, uma das condições
era a cobrança pelo uso da água e
a Sabesp se posicionou à favor, desde que
todos sejam cobrados, porque tem vários municípios
com serviço autônomo. Só a Sabesp
pagar não dá.
As práticas
que visam a economia do recurso como o reuso da
água e seus usos mais racionais interessam
para uma companhia como a Sabesp, que vende água?
Esse é realmente um paradoxo e a Sabesp lida
com ele provavelmente por ser uma empresa pública.
A campanha de uso racional da água nasceu
aqui dentro e isso não é um suicídio
empresarial. As pessoas sempre vão precisar
de água e, se por um lado você racionaliza
o uso, por outro você não precisa buscar
novos mananciais. Tem um balanço que justifica
essas ações. Até porque o consumo
individual tem caído de forma geral, em parte
em razão das inúmeras campanhas que
veiculamos. Quando tiver um órgão
de regulação, tanto melhor, mas por
enquanto nós podemos assumir esse papel tranqüilamente.
Fonte: ISA Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)