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FÓRUM LANÇA
MANIFESTO CONTRA POLÍTICA INDIGENISTA
DO GOVERNO LULA E ANUNCIA “ABRIL INDÍGENA”
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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31/03/2005 Política
governamental é qualificada de “vergonhosa
e decepcionante”. Entidades também questionam
resposta do governo ao relatório da Anistia
Internacional, que afirma que populações
continuam sofrendo com a violência, a fome
e os conflitos fundiários.
O Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas
(FDDI) – formado por sete organizações
indígenas e indigenistas, entre elas o ISA
– apresentou um manifesto e lançou o “Abril
Indígena”, uma série de protestos
que deverão ocorrer durante todo o mês,
contra a política indigenista do governo
Lula. A mobilização contará
com atos públicos e manifestações,
em vários pontos do País, e com um
grande acampamento indígena, de 24 de abril
a 3 de maio, na Esplanada dos Ministérios
– os índios pretendem se unir à marcha
de trabalhadores rurais, que chega à Brasília
no dia 3. O anúncio foi feito em uma entrevista
coletiva realizada, ontem, quinta-feira, dia 31
de março, na Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados.
As entidades integrantes do FDDI criticam o que
consideram o “descaso e continuísmo” da política
indigenista oficial e denunciam vários casos
emblemáticos, entre eles o agravamento do
problema da saúde indígena e a demora
na homologação da Terra Indígena
(TI) Raposa-Serra do Sol. O documento apresentado
aos jornalistas aponta ainda a incapacidade do governo
em estabelecer programas diferenciados que levem
em conta a pluralidade étnica do País
e aquilo que classifica como uma “remilitarização”
da questão indígena. “O número
de terras declaradas como de posse indígena
é, no governo Lula, o pior desde o fim do
regime militar”, prossegue o texto (confira abaixo).
“A política do governo Lula para o setor
indígena é vergonhosa e decepcionante”,
afirmou, durante a entrevista, Jecinaldo Cabral
Saterê-Mawé, coordenador-geral da Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia (Coiab). Ele avaliou que o maior
problema para os povos indígenas brasileiros,
hoje, é a ausência de políticas
públicas eficazes, o que se traduz, principalmente,
na dificuldade do Poder Público em garantir
o direito dos índios as suas terras. “Não
se trata apenas de dificuldade para reconhecer e
demarcar os territórios, mesmo depois de
homologadas, as áreas sofrem todo o tipo
de pressão. Por causa disso as populações
indígenas não conseguem alcançar
a sua sustentabilidade. O Estado está totalmente
desorganizado para lidar com o problema”.
O representante do ISA presente à entrevista,
Márcio Santilli, confirmou que o atendimento
às demandas indígenas piorou durante
o governo petista. “Comparando com os governos Collor
e até FHC, a administração
Lula fez pouco pelos índios”, reforçou.
Questionado por um repórter, Santilli qualificou
o leilão de diamantes dos índios Cinta-Larga,
da Terra Indígena Roosevelt, em Rondônia,
como uma medida “tópica”, tomada a reboque
dos acontecimentos e sem condições
de resolver o problema mais amplo da mineração
em territórios indígenas. Autorizada
por uma Medida Provisória editada pelo governo,
a venda das pedras preciosas foi feita recentemente,
depois do assassinato de 29 garimpeiros na área,
em abril de 2004.
O FDDI é composto pelo ISA, pela Coiab, Conselho
Indígena de Roraima (CIR), Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), Associação
Brasileira de Antropologia (ABA), Centro de Trabalho
Indigenista (CTI) e Comissão Pró-Yanomami
(CCPY). O manifesto e o “Abril Indígena”
também são apoiados pela Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME) e por algumas entidades da sociedade civil
como a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC).
FDDI contesta explicações
do governo sobre relatório da Anistia Internacional
Os representantes
do Fórum também contestaram as explicações
dadas pelo governo em resposta ao documento “Estrangeiros
em nosso próprio País”: Povos Indígena
do Brasil, divulgado pela Anistia Internacional,
na terça-feira, dia 29. O vice-presidente
do Cimi, Saulo Feitosa, disse que é “mentiroso”
o número apresentado pela Fundação
Nacional do Índio (Funai), no dia anterior,
de que o governo Lula teria declarado 43 TIs. Feitosa
afirmou que, com base no próprio Diário
Oficial, o número de territórios declarados
na atual administração é de
13. Os integrantes do FDDI confirmaram o número
de 48 TIs homologadas pela atual administração.
O representante do Cimi disse que o relatório
produzido pela Anistia Internacional é confiável
e tem informações fidedignas, coletadas
nas próprias comunidades, nas organizações
indígenas, em audiências públicas
e com pesquisadores. O estudo denuncia que os povos
indígenas brasileiros continuam sofrendo
com a violência, a pobreza, a fome, a discriminação
e o conflito de terras, entre vários outros
problemas. A Anistia Internacional recomenda ainda
que “o governo brasileiro deve dar prioridade urgente
à definição de políticas
claras e estratégias específicas para
tratar das persistentes questões de direitos
humanos e de problemas relativos à terra
que afetam a população indígena
brasileira”. Para mostrar que não estão
sendo cumpridas várias das promessas eleitorais
feitas aos povos indígenas pelo então
candidato Luís Inácio Lula da Silva,
o relatório traz como apêndice trechos
dos textos de campanha “Compromisso com os Povos
Indígenas do Brasil” e “Programa de Governo
2002 – Coligação Lula Presidente”.
A nota da Funai,
por sua vez, traz outras informações
consideradas vagas e genéricas pelos representantes
do FDDI. Por duas vezes, o texto relaciona o crescimento
da população indígena acima
da média nacional como resultado de uma política
de Estado consistente para as populações
indígenas. Acontece que a tendência
já tem quase três décadas. A
Funai também destaca que o governo estaria
trabalhando para garantir a “presença permanente
no panorama social, cultural e político”
da população indígena e cita
o aumento do número de índios na direção
de algumas prefeituras e nas Câmaras de Vereadores,
além do sistema de cotas adotado em algumas
universidades. “Isso é resultado da mobilização
da sociedade civil. Ao contrário disso, o
governo Lula se recusa a dialogar com o movimento
indígena”, criticou Feitosa.
Manifesto contra
a política indigenista do Governo Lula
Mais um mês
do “índio” chega e, como em tantos outros,
são esperadas as costumeiras comemorações
oficiais e seus pacotes de abril. O governo Lula
em apenas meio mandato foi capaz de surpreender
três vezes. Primeiro não apresentou
o novo prometido aos povos indígenas em campanha.
Aguardou-se o primeiro ano de mandato, quando se
constatou o descaso e o continuísmo. Ao fim
da metade do mandato, nova e surpreendente constatação:
configura-se um governo antiindígena.
Esse governo demonstrou incapacidade de lidar com
a pluralidade étnica do nosso país.
Há uma enorme dificuldade em se estabelecer
políticas públicas diferenciadas.
Na ausência de uma nova política indigenista,
foram tomando espaço os interesses contrários
aos dos povos indígenas. A política
indigenista foi remilitarizada. O Gabinete de Segurança
Institucional adquiriu importância sem precedentes
nos assuntos indígenas. Velhos e superados
conceitos de segurança e soberania nacional,
por mais equivocados que sejam, voltaram a operar
com intensidade. Agora manejados não apenas
pelos setores militares, mas também pelas
mais retrógradas oligarquias rurais que encontraram
neles oportunidade para defender seus interesses
mais imediatos.
Nesse diapasão, o governo Lula não
honrou o compromisso de homologar em área
contínua a Terra Indígena Raposa-Serra
do Sol. Esse compromisso foi submetido ao preconceituoso
juízo local e negociado por votos no Congresso
Nacional, enquanto invasores continuam usando dos
mais vis métodos de coação
e violência contra os índios. A demora
para a homologação da Terra Indígena
Raposa-Serra do Sol levou os indígenas a
denunciarem o Brasil à OEA (Organização
dos Estados Americanos), que recomendou ao governo
brasileiro medidas cautelares para a proteção
à vida dos habitantes dessa terra.
O Poder Judiciário brasileiro, nesses e em
outros casos, tem atuado de forma parcial. Interpretado
a lei de modo monocultural, privilegiando os valores
culturais brancos/colonialistas. Fazendo prevalecer
a propriedade privada sobre a coletiva, o econômico
sobre o social, o único sobre o plural e
o poder sobre o justo.
A velha ordem latifundiária, sob a máscara
do agronegócio, é que está
determinando a cadência das demarcações
das Terras Indígenas. O sojicultor Blairo
Maggi, Governador de Mato Grosso, solicitou ao Governo
Federal uma ilegal e imoral moratória de
demarcações no Estado que administra
e, surpreendentemente, foi atendido. As demarcações
de Terras Indígenas em Santa Catarina foram
condicionadas a uma também ilegal comissão
estadual. A Terra Indígena Baú, dos
Kaiapó, foi reduzida em 320 mil hectares
por ato do ministro da Justiça Márcio
Thomaz Bastos. Fez-se líder do Partido dos
Trabalhadores (PT) no Senado o Senhor Delcídio
Amaral, autor do Projeto de Lei que visa obstruir
as demarcações de Terras Indígenas,
submetendo direitos territoriais indígenas
ao julgamento político da bancada ruralista
no Congresso Nacional.
O ritmo histórico de reconhecimento dos territórios
indígenas, conquistado pelo movimento indígena,
foi quebrado pelo atual governo e condicionado a
um projeto neoliberal/desenvolvimentista, etnocêntrico
e genocida, cuja governabilidade está sendo
negociada junto a setores da oligarquia rural brasileira,
a mesma que historicamente impediu a paz e a democracia
no campo. O número de terras declaradas como
de posse indígena é, no governo Lula,
o pior desde o fim do regime militar. O governo
Lula declarou a média de 6 terras indígenas
por ano. O governo FHC, também indiferente
à matéria, declarou a média
de 14 terras indígenas por ano de mandato,
mais que o dobro do governo Lula. Terras Indígenas
viraram moeda de troca na barganha política
com governadores de alguns estados.
O órgão indigenista, formatado para
tal projeto, proclama, por meio do seu presidente
Mércio Gomes, o “fim das demarcações”,
cujo prazo por ele definido coincide com o fim do
mandato do atual governo. Ao mesmo tempo a Funai
reduz progressivamente o número de Grupos
Técnicos para identificar Terras Indígenas
e se recusa a reconhecer aquelas áreas indevidamente
excluídas das terras já demarcadas.
Do mesmo modo, se nega a aplicar a Convenção
169 da OIT, obstruindo na prática o reconhecimento
de povos indígenas resistentes a 500 anos
de colonialismo e repressão. Objetiva-se
assim, por meios políticos e administrativos,
minimizar e reprimir as demandas dos povos indígenas
ao invés de atendê-las. As propostas
e promessas de incluir os povos indígenas
e a sociedade civil na definição dos
rumos da política indigenista sucumbiram
diante do reavivamento da velha prática tutelar,
autoritária e clientelista, que hoje domina
a Funai e o governo.
A saúde indígena é um escândalo!
Milhões são gastos pela Funasa com
seminários e reuniões enquanto crianças
indígenas morrem por subnutrição,
a exemplo do que está acontecendo em Mato
Grosso do Sul. As medidas emergenciais ora adotadas
são paliativas. O problema requer a coordenação
das ações de governo, hoje inexistente,
e políticas públicas diferenciadas
para os povos indígenas.
A última fronteira colonial avança
rapidamente nesse governo sobre os conhecimentos
dos povos indígenas, pondo em risco suas
culturas e benefícios a que têm direito.
O Projeto de Lei discutido junto às organizações
indígenas, que garantia repartição
justa e eqüitativa de benefícios pelo
uso de seus conhecimentos, foi alterado na Casa
Civil ao ser submetido aos interesses das empresas
multinacionais de biotecnologia, hoje abusivamente
defendidas pelos ministérios da Agricultura,
Ciência e Tecnologia e Indústria e
Comércio, que estão impedindo a efetivação
dos direitos à repartição de
benefícios e anuência prévia
previstos na Convenção da Diversidade
Biológica (ECO 92) aos povos indígenas
e populações locais.
Desse modo, o Brasil vem sendo denunciado internacionalmente
em diferentes instâncias por desrespeito aos
direitos humanos, a exemplo das denúncias
na OEA, pelo Conselho Indígena de Roraima,
pelo MPF-MG e na ONU pelo Relator para o Direito
Humano ao Meio Ambiente. Desponta nessas denúncias
a violação dos direitos dos povos
indígenas no Brasil, expondo à opinião
pública internacional o descaso e a incapacidade
do Estado brasileiro em cumprir suas responsabilidades
sociais e legais. Contraditoriamente, todos os compromissos
financeiros internacionais estão sendo cumpridos
à risca.
O movimento indígena
organizado e a sociedade civil abaixo assinados
consideram fundamentais:
1) Criar o Conselho
Nacional de Política Indigenista com a efetiva
participação indígena e da
sociedade civil em sua composição.
2) Que o Ministro
da Justiça declare imediatamente como de
posse indígena as terras: 1. Morro dos Cavalos
(SC), 2. Las Casas (PA), 3. Aldeia Condá
(SC), 4. Toldo Imbu (SC), 5. Piaçaguera (SP),
6. Toldo Pinhal (SC), 7. Yvy-Katu (MS), 8. Cachoeirinha
(MS), 9. Batelão (MT) e 10. Balaio (AM).
Que a TI Raposa Serra do Sol seja homologada em
área contínua.
3) Rejeitar a PEC
n.º 38/1999 e o PLS n.º 188/2004 dos Senadores
Mozarildo Cavalcante e Delcídio Amaral, bem
como outras iniciativas legislativas que visem obstruir
ou impedir o reconhecimento dos territórios
indígenas. Que os direitos indígenas
sejam regulamentados dentro do Estatuto das Sociedades
Indígenas e não de forma isolada.
4) Garantir em Lei
os mecanismos previstos na Convenção
da Diversidade Biológica, de repartição
justa e eqüitativa de benefícios e anuência
prévia e informada, para o acesso aos conhecimentos
dos povos indígenas e das populações
locais.
Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME)
Fórum de Defesa
dos Direitos Indígenas (FDDI):
Associação
Brasileira de Antropologia (ABA)
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Comissão Pró-Yanomami (CCPY)
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Instituto Socioambiental (ISA)
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)