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A POLÊMICA DO PROJETO
DE LEI DA GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Abril de 2005
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05/04/2005 O Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) exige compromisso
público do governo federal em relação
a salvaguardas socioambientais, tais como: cancelar
planos de manejo em terras griladas e fortalecer
a fiscalização e o monitoramento.
Enviado ao Congresso Nacional como parte do pacote
ambiental anunciado em fevereiro, o Projeto de Lei
(PL) nº 4.766/05, que pretende regulamentar
a gestão de florestas públicas, está
causando polêmica entre especialistas, ONGs,
políticos, técnicos, servidores públicos
e setores do próprio governo. A proposta
foi defendida pela ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva, no último dia 30 de março,
em um seminário organizado pelas comissões
de Meio Ambiente e da Amazônia da Câmara
dos Deputados.
Além dos parlamentares, também participaram
do evento os governadores do Acre, Jorge Viana (PT),
e do Amazonas, Eduardo Braga (PPS), técnicos,
representantes do MMA, do setor madeireiro, do movimento
social e de organizações da sociedade
civil. No mesmo dia, também foi instalada
a Comissão Especial (CE) que analisará
o projeto. O deputado Miguel de Souza (PL-RO) ficou
com a presidência do colegiado e o deputado
Beto Albuquerque (PSB-RS) com a relatoria.
Enquanto isso, audiências públicas
para discutir o PL começaram a ser realizadas
na Amazônia. Uma delas aconteceu em Manaus
(AM), no dia 4 de abril. As próximas serão
em Belém (PA), na sexta-feira, dia 8, e no
dia seguinte, sábado, em Macapá (AP).
Nas próximas semanas deverão ocorrer
eventos semelhantes em outros estados.
Na terça-feira, dia 5 de abril, o governo
retirou o regime de urgência constitucional
conferido à proposta, mas pretende reapresentá-lo
nos próximos dias. A intenção
seria ampliar os prazos, mas manter a pressa na
tramitação – a data-limite para a
votação da proposta pularia do dia
7 de abril para o final de maio. Receia-se que o
projeto possa cair na vala comum de outras proposições,
o que poderia arrastar sua aprovação
por meses e até anos.
O governo trabalha contra o relógio. O comércio
madeireiro brasileiro, em grande parte, hoje, é
alimentado com extrações ilegais.
A intenção do Ministério do
Meio Ambiente(MMA) seria justamente tentar proteger
e estimular as empresas que operam na legalidade
o mais rápido possível e, assim, diminuir
o espaço para o “mercado negro”.
Críticas e
controvérsias
O PL determina a
criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Florestal (FNDF) e do Serviço Florestal Brasileiro
(SFB). Além da produção florestal
comunitária (populações tradicionais
e locais) e em Unidades de Conservação
específicas (Florestas Nacionais, Reservas
Extrativistas e de Desenvolvimento Sustentável),
a proposta prevê concessões de manejo
para empresas privadas mediante licitação
e pagamento, levando em conta também uma
série de critérios ambientais e sociais.
A concessão para empresas e a criação
do SFB são os pontos que mais têm provocado
críticas e controvérsias. (Confira
abaixo os principais pontos do projeto).
Algumas entidades de servidores públicos,
como a Associação dos Servidores do
Ibama (Assibama), estudiosos e pesquisadores, incluindo
o renomado geógrafo Aziz Ab´Saber,
acusam a proposta de abrir a possibilidade para
a privatização e até a internacionalização
de grandes porções de território
da Amazônia. Em carta recente que está
circulando pela Internet, Aziz Ab´Saber cita
os modelos florestais de países do Sudeste
Asiático e da África como causadores
de “gigantesco desastre ecológico-ambiental,
com perdas irreparáveis nos domínios
da flora e da fauna”. No caso da Austrália,
o professor Aziz aponta a “perda de controle na
gerência e fiscalização das
atividades”.
“Nas experiências da África e da Ásia,
a técnica de extração era definida
depois das concessões, por isso, muitas vezes,
foram feitos coleta seletiva e até corte
raso”, explica Nilo D´ávila, do Greenpeace.
E lembra que o PL nº 4.776 inclui nos critérios
da licitação para concessão
a técnica de manejo com menor impacto ecológico.
Na coleta seletiva, são retirados apenas
alguns tipos de árvores, geralmente de madeira
mais valiosa, o que pode levar até a extinção
da espécie. O corte raso é o desmatamento
indiscriminado de uma área.
No seminário do dia 30, Marina Silva rechaçou
o argumento da privatização das florestas.
“Este não é apenas um projeto para
manter o suprimento de madeira, mas para definir
uma política mais ampla de gestão
de florestas públicas e garantir que elas
continuem florestas e continuem sendo públicas,"
assegurou. “O que pretendemos é justamente
ter um marco legal e uma estratégia para
combater a grilagem de terras e conservar a biodiversidade”.
De acordo com a ministra, o PL permitirá
usos múltiplos para a floresta, com a associação
da conservação a várias atividades
diferentes, como a produção madeireira,
o extrativismo e o turismo ecológico. Além
disso, reconheceria os direitos das populações
tradicionais e distribuiria benefícios econômicos
entre a União, estados e municípios.
A proposta também possibilitaria um eficiente
mecanismo de controle e participação
social e ainda aliaria ações de fiscalização
com o fomento à produção.
Outro documento de crítica ao PL, que circula
pela Internet na forma de abaixo-assinado, denomina-se
"A questão florestal brasileira: manifesto
à nação". O texto considera
que a proposta não foi debatida com a sociedade
e que seu tema é muito complexo para ser
analisado pelo Congresso em menos de 45 dias, conforme
determina o regime de urgência constitucional.
O texto classifica o período de até
60 anos para as concessões como, na prática,
uma cessão de territórios e avalia
que o PL nº 4.776 introduz “um conjunto de
mecanismos e favorecimentos que só tendem
a beneficiar as grandes corporações,
entre nacionais e estrangeiras”. O documento foi
lançado por 20 pessoas e instituições,
entre elas o próprio Aziz Ab´Saber,
a Confederação dos Trabalhadores do
Serviço Público Federal (Condsef),
o geólogo e professor José Domingues
de Godoi, os deputados federais Babá (PSOL-PA)
e Luciana Genro (PSOL-RS).
Segundo estudos realizados pelo MMA, nos primeiros
dez anos de existência do sistema de gestão,
deverão ser disponibilizados para a concessão
de empresas privadas até 13 milhões
de hectares de florestas públicas, o que
corresponde a 3% da área total da Amazônia.
Ainda segundo os cálculos do ministério,
o manejo florestal legalizado poderá gerar
uma receita de R$ 7 bilhões e uma carga de
impostos da ordem de R$ 1,9 bilhão por ano.
As estimativas apontam a possibilidade de criar
140 mil empregos nos dez anos.
FBOMS exige compromisso
do governo em relação a salvaguardas
“Sem as condições
para que o Ibama opere o monitoramento e a fiscalização
com efetividade e sem que seja implementado um mecanismo
institucional de transparência e controle
social, a gestão florestal proposta pelo
PL é um blefe”, alerta o advogado André
Lima, do ISA, que fez uma apresentação
durante o seminário em nome do Fórum
Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS). Lima considera
que o projeto tem boas idéias, mas que elas
só poderão sair do papel com uma série
de salvaguardas que foram acordadas entre o governo
e organizações da sociedade civil
nas várias reuniões que antecederam
a apresentação da proposta ao Congresso.
Para o advogado do ISA, esses pontos precisam ainda
ser garantidos e, portanto, o apoio do FBOMS à
proposta não é incondicional. “Para
que apoiemos o projeto, não basta apenas
o compromisso do MMA, mas é imprescindível
que os ministros da Fazenda e da Casa Civil, que
o próprio Presidente da República
defendam publicamente a proposição”.
André Lima insiste na necessidade de fortalecer
institucionalmente o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), de modo que ele possa licenciar, fiscalizar
e controlar as atividades desenvolvidas em cada
área. “Hoje, o Ibama mantém em seus
quadros 40 funcionários para aprovar, monitorar
e fiscalizar planos de manejo florestal em toda
a Amazônia e eles ainda acumulam outras atribuições
administrativas. Isso significa um funcionário
para cada 100mil km 2, uma área superior
ao Estado do Rio de Janeiro”.
“O processo de discussão do PL de gestão
foi um dos mais democráticos que já
vi”, assevera Rubens Gomes, do Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA) e integrante da Comissão
Coordenadora do Programa Nacional de Florestas (Conaflor).
Ele informa que foram realizados vários encontros
de grupos de trabalho, vinte reuniões setoriais
e até um seminário internacional sobre
o assunto, realizado em Belém (PA), em fevereiro
de 2004. “O debate começou no final de 2003
e envolveu mais de 1,2 mil instituições
de todo o Brasil, incluindo representantes da indústria
madeireira, de ONGs, movimentos sociais, governos
estaduais e municipais, de universidades e de várias
outras organizações da sociedade civil”,
completa. Gomes lembra também que o projeto
teve quatro versões diferentes, que passaram
por 20 revisões e receberam 700 emendas desses
segmentos.
O FBOMS elaborou um documento de análise
com o que considera imprescindível manter
no texto: o reconhecimento dos direitos das comunidades
tradicionais aos territórios por elas tradicionalmente
ocupados e aos recursos naturais, com criação
de mecanismo mais ágil para garantia desse
direito; cancelamento de planos de manejo em terras
griladas; a proteção das áreas
consideradas prioritárias para a criação
de Unidades de Conservação; impossibilidade
de alienação de terras públicas
para conversão de florestas para uso agrícola
sem aprovação do Zoneamento Ecológico-Econômico
(ZEE) segundo critérios estabelecidos pela
legislação federal; e previsão
de crime de exploração ou degradação
de florestas públicas ou utilização
em desconformidade com autorização.
Em virtude da conjuntura desfavorável no
Congresso, o documento do Fórum também
lista algumas emendas que podem desfigurar o PL
e até mesmo outras leis sem relação
específica com o manejo florestal em áreas
públicas. Algumas emendas, por exemplo, pretendem
transferir do MMA para o Ministério da Agricultura
(MAPA) a atribuição de controlar as
atividades florestais ou incluir modificações
no Código Florestal.
O Fórum também está preocupado
com o Artigo 75 do PL, que deixa margem para que
não se faça a distinção
entre posseiros legítimos e empresas madeireiras
que operam em áreas griladas. O dispositivo
poderia, assim, viabilizar a manutenção
de planos de manejo florestal fraudulentos por mais
24 meses (após a aprovação
da Lei), tempo suficiente para o esgotamento das
áreas sob manejo.
"Apesar do interesse do MMA e das instâncias
de articulação política do
governo estarem atuando, existe certa ambiguidade
no apoio ao projeto, principalmente da parte do
Ibama", adverte Adriana Ramos, coordenadora
do Programa de Política e Direito Socioambiental
(PPDS) do ISA. Ela também insiste no fato
de que o Palácio do Planalto precisa se posicionar
publicamente sobre o assunto para fazer valer sua
base parlamentar porque, no caso contrário,
o PL pode ser modificado para pior.
Confira os principais
pontos da proposta para o Projeto de Lei nº
4.476/05
Formas de gestão
- Estabelece três formas de manejo florestal
em terras públicas: produção
florestal comunitária (populações
tradicionais e locais, Projetos de Desenvolvimento
Sustentável-PDS, assentamentos agroflorestais),
em Unidades de Conservação específicas
(Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e de
Desenvolvimento Sustentável) e concessões
para empresas privadas de até 60 anos mediante
licitação publica e pagamento, com
critérios ambientais e sociais.
Assegura direitos
territoriais às populações
locais – O PL afirma que tais terras deverão
ser encaminhadas para regularização
antes das concessões florestais.
Serviço Florestal
Brasileiro (SFB) – Deverá atuar como órgão
gestor do sistema e fomentar o desenvolvimento florestal.
Também deverá gerir o Fundo Nacional
de Desenvolvimento Florestal (FNDF).
Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal (FNDF) – Deverá
ser utilizado para promover o fomento e o desenvolvimento
tecnológico das atividades florestais sustentáveis,
além das atividades de monitoramento. Os
recursos oriundos das concessões das florestas
deverão ser divididos: 20% - custos do sistema
de concessão; 24% - Estados onde se localiza
a floresta pública; 24% municípios
onde se localiza a floresta; e 32% para FNDF.
Limita as hipóteses
de alienação e de uso de terras públicas
florestais - inclusive para usos não florestais,
sinalizando que a aptidão florestal deve
ser priorizada em matéria de uso de terras
públicas, para UCs, assentamentos humanos
“sustentáveis” ou para concessão sob
forma de manejo florestal.
Estímulo à
criação de novas Unidades de Conservação
– A proposta determina que, antes de fazer as concessões
florestais, o Poder Público deverá
definir as áreas prioritárias para
as concessões, para o manejo comunitário
e para a criação de novas UCs. O projeto,
portanto, impõe a necessidade de se estudar
e criar novas áreas protegidas.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)