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ACAMPAMENTO TERRA LIVRE
DISCUTE PRINCIPAIS AMEAÇAS AOS DIREITOS
INDÍGENAS NO CONGRESSO NACIONAL
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Abril de 2005
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27/04/2005 Cerca
de 700 lideranças indígenas discutiram
ontem os principais projetos em tramitação
no Congresso que dizem respeito aos povos indígenas.
No dia anterior, os participantes da mobilização
apontaram a falta de vontade política para
resolver a questão fundiária que afeta
diretamente as Terras Indígenas.
As lideranças indígenas presentes
à mobilização nacional Terra
Livre, que está ocorrendo em Brasília,
discutiram na tarde de ontem, dia 26 de abril, alguns
dos principais projetos que estão tramitando
no Congresso Nacional e significam ameaças
aos direitos indígenas. O debate foi precedido
por uma exposição do assessor jurídico
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
Paulo Machado Guimarães.
“Vários dos parlamentares antiindígenas
que apoiavam o governo anterior mudaram de lado
e estão apoiando este governo também,
mas eles não abandonaram as suas posições
em relação aos povos indígenas”,
avaliou Guimarães. Ele explicou que muitas
das propostas que estão tramitando hoje no
Congresso e que poderão significar a retirada
de direitos indígenas, caso sejam transformadas
em Lei, ganharam força recentemente devido
à fragilidade da base parlamentar aliada
ao Palácio do Planalto. "O governo precisa
desses grupos para aprovar matérias de seu
interesse”.
Guimarães considera que os ataques às
prerrogativas constitucionais dos povos indígenas
partem principalmente de grupos com ramificações
nas bancadas e nos governos estaduais de Roraima,
Amazonas, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso e Santa Catarina. Ele citou como exemplos
da articulação antiindígena
o PLS 188/04 (que pretende dificultar novas demarcações),
a pressão exercida pelo governo de Roraima
contra a homologação em área
contínua da Terra Indígena Raposa-Serra
do Sol, a atribuição conferida a uma
comissão estadual pelo governo catarinense
para estudar a questão fundiária indígena
e a reivindicação do governador do
Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), de uma “moratória”
para o reconhecimento de novas TIs em seu Estado.
Complementando a fala de Guimarães, advogado
do Instituto Socioambiental (ISA), Raul Silva Telles
do Valle, destacou o risco da aprovação
de dois projetos específicos – a PEC 38/99
e o PLS 188/04 – que pretendem atingir o principal
direito dos povos indígenas: o direito as
suas terras. Ele explicou que, ao tentar limitar
a 50% do território de Estados e municípios
a área passível de ser transformada
em Unidade de Conservação ou Terra
Indígena, a PEC 38 vai dificultar a criação
de novas TIs e poderá, inclusive, implicar
a diminuição de várias delas.
“Todo ano são criados dezenas de municípios
no País, outros tantos são desmembrados.
Se forem criados municípios dentro de uma
TI, como ocorreu na Raposa-Serra do Sol, parte deles
teriam que ficar fora do território indígena”.
Valle avaliou que a pressão de políticos
e fazendeiros locais pela criação
de novos municípios aumentaria muito se a
proposta fosse aprovada.
O coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos
Povos Indígenas, deputado Eduardo Valverde
(PT-RO), e o coordenador-geral da Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo
Barbosa Cabral Saterê-Mawé, também
participaram da mesa do evento.
Falta vontade política
para resolver questão fundiária, afirmam
participantes da mobilização
Falta vontade política
do governo federal para regularizar as Terras Indígenas
e para manter a integridade de seus territórios.
Esta foi a principal conclusão dos grupos
de discussão que ocorreram na tarde do dia
25 de abril, no acampamento. Os participantes dos
grupos – divididos por regiões geográficas
ou por proximidade cultural – discutiram os principais
entraves para a garantia do direito dos povos indígenas
as suas terras.
A invasão por fazendeiros, grileiros, posseiros
e indústrias madeireiras e a demora da parte
do Poder Público em retirá-los das
áreas foram apontadas como problemas por
quase todos os presentes. Os relatórios de
cada grupo também indicaram a quantidade
e situação das terras em cada Estado
– a lista pretende apenas dar uma idéia do
tamanho das demandas.
As conseqüências negativas originadas
por grandes projetos de infraestrutura – como usinas
hidrelétricas e rodovias– e o avanço
do agronegócio sobre as terras também
foram apontados como fatores de agravamento dos
problemas fundiários vividos pelas populações
indígenas.
No grupo formado pelas delegações
do Nordeste e de Minas Gerais, foram relatadas várias
dificuldades relativas ao não reconhecimento
oficial de várias populações
indígenas, à falta de recursos financeiros
e humanos da Funai, ao preconceito, à presença
de usinas de cana-de-açúcar e à
perspectiva da transposição do rio
São Francisco.
A representação do Mato Grosso do
Sul também apresentou uma farta lista de
problemas que vão desde decisões tendenciosas
do Poder Judiciário, passando pela contaminação
por agrotóxicos e chegando até a exploração
de mão-de-obra indígena – muitas comunidades
estão sem pessoas para trabalhar nas plantações
porque elas estão sendo contratadas por usinas
de álcool que recebem incentivos do governo.
Segundo os integrantes do grupo, a desnutrição
infantil na região também é
motivada pela falta de terras; desde o início
do ano, 32 crianças morreram no Estado por
conta do problema.
Conselho pode resolver
problema de falta de articulação entre
diferentes órgãos
A divisão
em grupos, no dia 25, foi feita logo após
a palestra Política Indigenista – análise
de conjuntura e questão fundiária
ministrada por Márcio Santilli, do Instituto
Socioambiental (ISA). Santilli observou que, nos
últimos anos, os povos indígenas obtiveram
várias conquistas, mas que, em geral, a política
indigenista permanece indefinida e sem coordenação.
“Com a transferência de cada política
para órgãos diferentes, houve um ganho
na criação de orçamentos específicos,
por exemplo, mas muitos desses órgãos
passaram a agir de um jeito diferente, de forma
desarticulada”, criticou.
Ele explicou que essa transferência de atribuições
não foi acompanhada da necessária
reestruturação dos órgãos
e ministérios que assumiram a responsabilidade
pelas diversas políticas indígenas.
Ao criticar a falta de articulação
entre diferentes setores do governo, Santilli defendeu
a criação de um Conselho Nacional
de Política Indigenista, principal reivindicação
da mobilização Terra Livre. “Este
seria um espaço onde os diferentes órgãos
poderiam sentar e definir uma linha de atuação
comum”.
O representante do ISA citou declarações
do ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, de que o atual governo teria a intenção
de demarcar todas as Terras Indígenas ainda
pendentes até o fim deste mandato presidencial.
O palestrante afirmou que o ritmo necessário
para realizar a tarefa, contudo, não vem
sendo observado nas ações do governo.
“Não existe controle social e transparência
nas políticas de educação e
saúde indígenas”, criticou Jecinaldo
Barbosa Cabral Saterê-Mawé. Ele também
fez algumas considerações antes dos
debates em grupos. Jecinaldo caracterizou as políticas
de saúde e educação como políticas
do “pós-homologação” que devem
ser trabalhadas junto com a questão da garantia
da territorialidade.
Índios têm
primeira audiência
Na manhã de
ontem, os representantes dos povos e seus apoiadores
marcharam da Esplanada dos Ministérios para
o auditório do Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Lá aconteceu a primeira Audiência
Pública com autoridades que lidam com a questão
dos direitos indígenas e a regularização
fundiária. Foram convidados o Advogado-Geral
da União, Álvaro Augusto Ribeiro,
o presidente Funai, Mércio Gomes, a coordenadora
da 6ª Câmara do Ministério Público
Federal, sub-procuradora Deborah Duprat, o presidente
do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), Holf Hackbart,
e o Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos.
Apenas Bastos não esteve presente.
A constatação feita pela plenária
no dia anterior, de que a falta de vontade política
é a principal responsável pela paralisia
nas demarcações de terras indígenas,
repercutiu na fala das lideranças de que
falaram durante o evento. “Durante a administração
Lula, somente 14 portarias declaratórias
foram expedidas, em média, este é
um número menor do que o dos mandatos dos
presidentes Collor, Itamar e FHC”, lembrou Saulo
Feitosa, vice-presidente do Cimi.
Para além da vontade política, outro
ponto levantado pelas lideranças é
a incerteza criada pela ameaça das ações
judiciais contra os processos de demarcação.
“O que adianta a homologação se os
´fazendeirões´ não saem
da nossa terra? Como é que uma terra indígena
homologada pelo Presidente pode ser contestada pela
justiça? Qual autoridade pode me explicar
por que isso acontece?”, questionou a liderança
Léia Guarani Kaiowá, da Terra Indígena
Cerro Marangatu, recentemente homologada. A área
não pôde ser registrada em cartório
por causa de uma ação movida por produtores
rurais da região.
Para sub-procuradora Deborah Duprat, o problema
da dependência da vontade política
dos governantes repousa na incompreensão
por parte do Estado sobre a legislação.
“Se o Brasil quer ser uma nação plural,
então o destino deste País cabe a
vários grupos étnicos. Cabe a eles
dizer o que pensam. Por isso temos que criar políticas
e práticas para os índios serem permanentemente
ouvidos no âmbito das decisões políticas”.
Deborah aponta ainda o Estado como um dos maiores
violadores dos direitos dos povos indígenas.
“O governo não pode ser indutor de violações
dos direitos indígenas, como no caso da redução
das terras Baú [Kaiapó] e Cachoeira
Seca”.
Os povos falam...
Faride Mariano de
Lima, do povo Guarani Kaiowá, da aldeia Lagoa
Rica Panambi, no município de Douradina (MS),
de 300 hectares, onde vivem cerca de 900 indígenas.
A triste realidade da falta de terra gera problemas
em seu modo de vida. Ele reclama de não haver
mais trabalho para os indígenas na região
e alerta que existem atualmente 15 crianças
em situação de risco, vítimas
da desnutrição que já matou
outras 32 crianças no Estado. Mas, segundo
Faride, a maior luta de seu povo é pela terra.
Ele se queixa de sua área ter sido declarada
em 1971, pelo antigo Serviço de Proteção
ao Índio (SPI), mas de seu povo não
poder viver ocupando todo território. Hoje
sua comunidade quer a demarcação de
pelo menos 8 mil hectares, 6 mil a mais do que o
anteriormente declarado pelo SPI, (2.037 hectares).
Jacó Pryheeô,
do povo Gavião Pukobgê, vive na aldeia
Riachinho ao sul do Maranhão, onde moram
35 pessoas. A área demarcada em 1979 é
de 44,5 mil hectares. Com 80 anos de idade, Pryheeô
aproveita a Mobilização para aprender
sobre o que acontece com outros povos indígenas,
apoiar a luta de seus parentes e levar estas informações
para o seu povo.
Cristiane Pankararu
veio de Pernambuco, de uma área declarada
com 8.100 hectares. Seu povo, que soma aproximadamente
5 mil pessoas, briga pela ampliação
de mais 4 mil hectares. Além da expectativa
de levar para casa uma proposta de ampliação
da Terra Indígena, ela conta que é
a primeira vez que participa de um evento com este.
“Estou adorando. Pra mim, é maravilhoso porque
conheci várias pessoas diferentes que tem
problemas comuns. Vou sair daqui com uma grande
bagagem cultural”, afirma.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa