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ACAMPAMENTO INDÍGENA
ENCERRA-SE COM APRESENTAÇÃO
DE CRÍTICAS E PROPOSTAS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2005
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03/05/2005 Lideranças
indígenas reunidas durante uma semana, em
Brasília, obtêm compromissos do governo
e realizam protesto na Praça dos Três
Poderes. Documento final da mobilização
pede melhor coordenação entre as várias
políticas governamentais e critica propostas
que ameaçam os direitos indígenas
no Congresso. Além da criação
do Conselho Nacional de Política Indigenista,
índios defendem fortalecimento dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs).
O acampamento indígena Terra Livre terminou
na sexta-feira passada, dia 29 de abril, com a apresentação
de um documento contendo uma série de críticas
à atual política indígena do
governo e várias propostas alternativas nas
áreas da regularização fundiária,
meio ambiente, educação e saúde
(confira a íntegra abaixo). A Carta da Mobilização
Nacional Terra Livre propõe um novo formato
institucional para o setor, com a criação
de um Conselho Nacional de Política Indigenista
ligado à Presidência da República
que teria a participação de organizações
indígenas e de outras entidades civis. O
texto volta a criticar os inúmeros projetos
em tramitação no Congresso Nacional
que ameaçam os direitos indígenas.
Depois de referendar o documento, os participantes
do acampamento saíram em passeata pela Praça
dos Três Poderes, dançando e entoando
cantos tradicionais. Os manifestantes realizaram
dois pequenos protestos, acompanhados de “pajelanças”,
em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao
Palácio do Planalto.
A carta também lista alguns resultados obtidos
pela mobilização. É citado,
por exemplo, o compromisso assumido pelo ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,
pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu,
e pelo presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes,
de implementar o Conselho Nacional de Política
Indigenista. Bastos prometeu apresentar uma proposta
para a criação do colegiado até
maio. Em um encontro realizado com as lideranças
indígenas, na quinta-feira, dia 28, o ministro
também disse que sua pasta vai estudar, caso
a caso, o pedido apresentado para a demarcação
de 14 Terras Indígenas.
O documento faz ainda referência à
promessa do líder do PT no Senado, Delcídio
Amaral (MS), de “agir para que os direitos garantidos
nos artigos 231 e 232 da Constituição
Federal não sejam alterados pelo Congresso,
bem como reunir numa única comissão
todas as proposições que estão
tramitando para preparar a discussão de reformulação
do Estatuto dos Povos Indígenas”. Em outra
audiência realizada com as lideranças
indígenas durante a mobilização,
Amaral também garantiu que o Projeto de Lei
(PLS) 188/04, que pretende dificultar a demarcação
de novas Terras Indígenas, não voltará
a tramitar. A proposta é de autoria de uma
comissão formada no Senado para analisar
a questão fundiária em vários
Estados.
Também foi exigido que a União assuma
a responsabilidade de oferecer educação
indígena e que acabe com a prática
de simplesmente transferir recursos do setor para
Estados e municípios. Segundo as lideranças
indígenas, esses recursos, muitas vezes,
são desviados ou servem para financiar escolas
que não cumprem com os requisitos estabelecidos
pelo Conselho Nacional de Educação.
A idéia seria estabelecer um sistema próximo
ao que, hoje, existe para a saúde, criando
distritos administrativos diretamente ligados à
União, mas com controle social indígena.
A carta exige o reaparelhamento da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) para executar
as políticas voltadas à saúde
indígena e também rejeita a prática
de transferir o controle sobre os Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEIs) para os municípios
uma vez que tal procedimento contraria a idéia
do sistema de federalizar o atendimento à
saúde para poder oferecê-lo de forma
diferenciada. Além disso, há reivindicações
para o aprimoramento dos DSEIs mediante a capacitação
dos agentes de saúde indígena, mais
recursos, autonomia administrativa e financeira.
Ainda em relação à saúde
indígena, a carta aponta a promessa feita
por representantes do Ministério da Saúde
de analisar e implementar regras próprias
para as organizações indígenas
conveniadas à Funasa.
Organizada pelo Fórum de Defesa dos Direitos
Indígenas (FDDI), a mobilização
nacional Terra Livre reuniu, em plena Esplanada
dos Ministérios, em Brasília, de 25
a 29 de abril, mais de 700 lideranças, de
89 povos indígenas, para participar de debates,
manifestações culturais, audiências
públicas e encontros com autoridades. O FDDI
é composto pela Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab), Conselho Indígena
de Roraima (CIR), Associação Brasileira
de Antropologia (ABA), Instituto Socioambiental
(ISA), Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Comissão
Pró-Yanomami (CCPY) e a Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME).
Carta da
Mobilização Nacional Terra Livre
Abril Indígena
Nós, as mais
de 700 lideranças indígenas abaixo
assinadas, representantes de 89 povos indígenas
de todo o Brasil, reunidos em Brasília no
Acampamento Terra Livre, entre os dias 25 e 29 de
abril de 2005, consideramos esta mobilização
a mais significativa realizada pelos povos indígenas
do Brasil desde a triste comemoração
dos 500 anos em Porto Seguro, no ano 2000.
A presente mobilização consolidou
uma aliança nacional entre dezenas de povos,
organizações indígenas e entidades
indigenistas, com o objetivo comum de defender e
garantir a efetividade dos direitos indígenas
no Brasil, o que renova a nossa esperança
na conquista de dias melhores.
Vimos a seguir apresentar à sociedade brasileira,
ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e ao Poder
Judiciário, os resultados das reuniões
plenárias e audiências com autoridades
realizadas durante esta mobilização
nacional, em respeito aos 4 grandes eixos por nós
reivindicados.
1. Nova Política
Indigenista
- a ausência
da participação dos povos indígenas
e de representantes da sociedade civil na definição
da política indigenista resulta hoje em ineficiência
das ações governamentais voltadas
às populações indígenas;
- sabemos que a elaboração e implementação
da política indigenista hoje é de
competência de vários órgãos
de Estado (Ministério da Justiça,
Saúde, Educação, Meio Ambiente,
Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento
Social, Funai, Incra, Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético- CGEN e outros);
- para maior eficiência na execução
dessas políticas é necessário
que exista um órgão com competência
para coordena-las;
- reivindicamos para isso a criação
do Conselho Nacional de Política Indigenista,
que deverá ser composto por representantes
dos povos indígenas, das entidades de apoio
à causa indígena e do Governo Federal,
e que terá poder para coordenar as ações
governamentais dos vários Ministérios
voltadas aos povos indígenas;
- o Conselho deve estar vinculado a Presidência
da República;
- o Conselho deve ter competência deliberativa,
portanto ser criado por Lei;
- o Governo Federal, por meio dos Ministros Márcio
Thomas Bastos, José Dirceu, da Casa Civil,
e Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência,
se comprometeu a implementar o Conselho Nacional
de Política Indigenista;
- apoiaram a constituição do Conselho
o Líder do PT no Senado, Senador Delcídio
Amaral, o Senador Eduardo Suplicy e o Deputado Eduardo
Valverde, coordenador da Frente Parlamentar de Apoio
aos Povos Indígenas, além do Presidente
da Funai Mércio Gomes.
2. Terras
Indígenas
- manifestamos total
apoio ao Governo Federal pela homologação
da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, em área
contínua;
- o tratamento vacilante da FUNAI e do Ministério
da Justiça na garantia dos direitos territoriais
indígenas tem resultado em obstruções
aos procedimentos de regularização
de terras indígenas e lentidão na
constituição de GTs de identificação,
na publicação de resumos de relatórios
e principalmente na expedição de Portarias
Declaratórias, caso das 14 terras paradas
no Ministério da Justiça cujo motivo
da demora em declará-las não foi devidamente
esclarecido pelo Ministro da Justiça e muito
menos pelo Presidente da Funai;
- nos preocupamos com o tratamento dado à
regularização de terras indígenas
nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul onde pressões políticas
tem se sobreposto aos direitos indígenas;
- é preocupante a falta de uma política
decidida para resolver, de uma vez por todas, os
casos de ocupantes não-índios em Terras
Indígenas já homologadas;
- demonstramos preocupação quanto
ao rumo que vem tomando o Poder Judiciário
quanto aos direitos territoriais indígenas,
e esperança de que ele venha a ser modificado
para casos futuros, como é o da ação
relativa à Terra Indígena Caramuru-Paraguassu
do povo Pataxó Hã-hã-hãe,
que aguarda há mais de 20 anos uma solução;
- exigimos a revogação da determinação
do Presidente da Funai em não iniciar os
estudos para a revisão de limites de terras
indígenas cujas demarcações
excluíram indevidamente partes do território
tradicional; o Ministro da Justiça se comprometeu
a estudar caso-a-caso as 14 terras paradas no MJ,
sem estabelecer prazos ou esclarecer os motivos
da demora, o que consideramos falta de compromisso
objetivo;
- o Presidente da Funai não se comprometeu
em agilizar a regularização de terras
indígenas no que se relaciona à formação
de GTs, publicação de resumos de relatórios
de identificação e tampouco prestou
esclarecimentos quanto à indevida negociação
dos direitos territoriais indígenas;
- indígenas e pequenos agricultores, com
o objetivo de reassentar os pequenos agricultores
fora dos territórios indígenas.
3. Ameaças
aos direitos indígenas no Congresso Nacional
- nos preocupamos
com o grande volume de proposições
legislativas que hoje tramitam no Congresso Nacional
contra os direitos indígenas assegurados
na Constituição Federal, especialmente
os territoriais (destaques: PEC 38/99; PEC 03/04;
PLS 188/04);
- entendemos que os direitos indígenas não
devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada
dentro do Estatuto dos Povos Indígenas;
- o Senador Delcídio, líder da Bancada
de Apoio ao Governo no Senado Federal, comprometeu-se
em agir para que os direitos garantidos nos artigos
231 e 232 da Constituição Federal
não sejam alterados pelo Congresso, bem como
reunir numa única comissão todas as
proposições que estão tramitando
para preparar a discussão de reformulação
do Estatuto dos Povos Indígenas;
- o Senador Delcídio também comprometeu-se
e garantiu que o PLS 188 não voltará
a tramitar no Congresso, a partir do entendimento
de que é uma matéria tratada isoladamente
e contrária aos direitos indígenas;
- o Ministro José Dirceu se comprometeu a
orientar a base aliada para conter as iniciativas
legislativas que signifiquem retrocesso nos direitos
indígenas.
4. Gestão
territorial e sustentabilidade das Terras Indígenas
- constatamos uma
dispersão dos recursos para gestão
ambiental em Terras Indígenas hoje existentes
no Ministério do Meio Ambiente e dificuldade
de acesso dos povos e organizações
indígenas a esses recursos entendemos ser
necessário superar a lógica de projetos
pontuais e de curto prazo em favor de uma estratégia
nacional concretizada em programas etno-regionais
de longo prazo, articulados com ações
na área de educação;
- estamos preocupados com a possível desvirtuação,
no âmbito da Casa Civil, do Ante Projeto de
Lei de acesso a recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais associados saído do Conselho
de Gestão do Patrimônio Genético
(Cgen) e elaborado com participação
das organizações indígenas
e da sociedade civil organizada;
- repudiamos o projeto de transposição
do rio São Francisco e apoiamos um programa
de revitalização do rio;
- propomos a criação de um programa
nacional de gestão territorial e proteção
da biodiversidade em Terras Indígenas, com
participação das organizações
indígenas em sua formulação
e execução;
- reivindicamos a participação indígena
no Cgen com direito a voto;
- o Ministério do Meio Ambiente assumiu o
compromisso de finalizar a formulação
da pré-proposta do programa nacional de gestão
territorial e proteção da biodiversidade
em Terras Indígenas até maio para
encaminhar para aprovação do Fundo
Global do Meio Ambiente (GEF);
- o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se
em defender dentro do Executivo a proposta de Anteprojeto
de Lei de Acesso a Recursos Genéticos e Conhecimento
Tradicional apresentado pelo CGen;
- o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se
em trabalhar em articulação com as
organizações indígenas na preparação
e participação na 8a Reunião
das Partes da Convenção da Biodiversidade,
a ser realizada no Brasil em março de 2006;
- O Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se
em reunir as várias ações para
os povos indígenas dentro do Ministério
para integrá-las.
5. Saúde
Indígena
- entendemos que
o modelo de Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DSEIs) deve ser assegurado, porém
sua operacionalização encontra vários
gargalos tais como: falta de estrutura e capacitação
para os indígenas que integram os Conselhos
Distritais; recursos incompatíveis com as
suas demandas; falta de autonomia administrativa
e financeira dos DSEIs;
- recusamos a tendência de municipalização
da gestão da saúde indígena
e exigimos que a FUNASA se estruture para assumir
de fato suas responsabilidades no setor, garantindo
sua federalização;
- requeremos a participação indígena
efetiva na construção e realização
da Conferência Nacional de Saúde Indígena;
- reforçamos a necessidade de capacitação
dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais
e Distritais de Saúde Indígena para
a fiscalização da aplicação
dos recursos e das ações da FUNASA;
- exigimos que se garanta a autonomia administrativa
e financeira dos DSEIs;
- o Ministério da Saúde comprometeu-se
em realizar a Conferência Nacional de Saúde
Indígena em Março de 2006, assegurando
ampla participação dos povos e organizações
indígenas;
- o Ministério da Saúde analisará
e implementará regras próprias para
as organizações indígenas conveniadas
com a FUNASA e com o reconhecimento profissional
dos agentes indígenas de saúde;
- o Ministério da Saúde não
se comprometeu com as demandas das plenárias
quanto a melhoria da eficiência da participação
indígena nos Conselhos Locais e Distritais
e nem respondeu os questionamentos sobre a tendência
à municipalização da gestão.
6. Educação
- entendemos que
a transferência da execução
das ações da educação
escolar indígena para os estados – e destes
para os municípios – é o principal
problema para a implantação de uma
educação escolar indígena diferenciada
e de qualidade;
- os Estados e os municípios não são
capazes ou demonstram vontade política em
seguir as orientações do MEC quanto
a este tema;
- exigimos do MEC a convocação de
uma Conferência Nacional de Educação
Indígena e que o Governo Federal estude formas
de exigir dos estados e municípios o cumprimento
da Constituição e das normais legais
que nos asseguram uma educação escolar
diferenciada de qualidade;
- exigimos a ampliação dos convênios
com as Universidades Públicas Federais e
estaduais nas regiões e não só
com a Universidade de Brasília;
- exigimos do MEC que implemente junto aos Estados
a abertura dos cursos de ensino médio nas
aldeias;
- o Ministério da Educação
- MEC não se comprometeu a convocar a Conferência
Nacional de Educação Indígena
e nem tocou no assunto das escolas técnicas
e dos cursos de ensino médio nas aldeias;
- o MEC se comprometeu a implementar o que chama
de “assistência estudantil” – uma bolsa de
estudos para manter os estudantes indígenas
nas universidades;
- o MEC se comprometeu em pressionar os Estados
para garantir a presença indígena
nos Conselhos Locais e Nacional do FUNDEF e em aumentar
o orçamento para a educação
escolar indígena em 2006.
- Ressaltamos que o Acampamento Terra Livre é
a expressão da vontade de união dos
povos indígenas do Brasil entre si e com
seus aliados. Apesar das forças contrárias,
continuamos determinados a lutar para garantir o
irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados
na Constituição Federal de 1988 e
na Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Brasília,
29 de Abril de 2005
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Oswaldo Braga de Souza